Laércio Cosentino (à esquerda) e Dennis Herzskowicz: briga para levar oferta aos acionistas da Linx (Germano Lüders/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 28 de outubro de 2020 às 20h07.
Última atualização em 28 de outubro de 2020 às 20h24.
A Totvs segue firme em seu esforço para demonstrar que sua disposição para comprar a Linx é séria e que sua oferta de 6,1 bilhões de reais deve ser considerada. A companhia vem tentando eliminar qualquer espaço para questionamentos quanto ao seu esforço e interesse. Nesse afã, adotou uma medida completamente inédita e, cujo efeito prático, é apenas criar argumento. Nada além. Ao menos, por enquanto. A estratégia virou a fofoca do dia no meio societário, pelo inusitado.
A companhia fundada por Laércio Cosentino convocou uma assembleia de acionistas para aprovar uma potencial minuta de contrato de combinação de negócios com a Linx. A Totvs já vai submeter aos seus acionistas o protocolo de incorporação da empresa, sem que o documento tenha ainda validade prática — uma vez que não foi assinado por nenhum administrador ou sócio da empresa, que também é alvo de aquisição da Stone. Na prática, é quase um documento unilateral, uma vez que a Linx não negociou item a item sua redação.
Nesse momento, há no mercado a seguinte situação: no dia 17 de novembro, os acionistas da Linx vão votar se aceitam ou não a proposta da Stone, de 6,28 bilhões de reais. Dez dias depois, em dia 27 de novembro, os acionistas da Totvs vão votar a minuta de um contrato para incorporação da Linx. A companhia criada por Cosentino havia notificado a Linx que sua oferta seria válida apenas até o dia 17.
O principal objetivo da Totvs, segundo fontes próximas da companhia, é mostrar que terá apoio de sua base acionária para comprar a Linx. Quer com isso desfazer qualquer insegurança a esse respeito. O recado tem nome endereço e telefone: os conselheiros independentes da Linx, João Cox e Roger Ingold, que escolheram a oferta da Stone como melhor para colocar em votação, incluindo entre os argumentos as inseguranças sobre aprovação da transação.
A Totvs, presidida por Dennis Herszkowicz, ex-Linx, não tem controlador definido. Cosentino, que além de fundador é presidente do conselho de administração, tem pouco mais de 15,5% do capital total e a gestora Constellation, de Florian Bartunek, 5,2%. O restante dos papéis está disperso entre investidores com menos de 5% cada. Como a empresa não tem um dono que possa exercer sua vontade de maioria em uma incorporação e também não aceitou assumir um compromisso financeiro (multa) em caso de frustração da transação, como a Stone fez, encontrou esse caminho para mostrar que sua base de sócios está “firme” na aprovação da compra da Linx.
A única dificuldade com essa garantia é que ela chegará apenas depois que a oferta da Stone for avaliada e pode não ser mais necessária. Para alguns investidores, acaba não funcionando como pressão.
O caso segue ainda uma grande novela. Os investidores de mercado oscilam entre mais ou menos crentes de que uma guerra de preço ainda pode ocorrer até a assembleia do dia 17. Mas a fé está mantida de alguma forma: mesmo com o estresse de mercado dos últimos dias, a Linx está avaliada em 6,4 bilhões na B3 — acima das propostas iniciais, portanto. Ainda que, até agora, nenhuma medida prática nesse sentido tenha partido de Totvs ou Stone. Por enquanto, a guerra entre as rivais é só de argumentos.
Ambas poderiam dar fim a qualquer debate com ofertas maiores. Só que existe sempre o limite do retorno possível — é o que as duas usam como justificativa, por enquanto. Um ativo caro demais deixa de fazer sentido e os preços atuais já embutem um prêmio superior a 30% sobre o que valia a Linx na bolsa antes dessa disputa. Mas nem isso convence os investidores da Linx de que os valores finais estão dados. A Totvs decidiu antecipar seu balanço para 30 de outubro e alguns investidores estão ansiosos, apostando que isso pode significar um aumento de sua oferta na sequência.
Não é porque neste momento a iniciativa da Totvs não tem validade que seus acionistas devem descuidar. Em um cenário em que a incorporação pela Stone não seja aprovada e a Linx faça um acordo com a Totvs, a aprovação da minuta do protocolo pode ter efeito prático. Mas desde que não seja necessária nenhuma alteração. Do contrário, outro protocolo terá de ser novamente submetido aos acionistas. É preciso, portanto, que a Linx aceite absolutamente tudo que está escrito. Se concordar, o negócio está aprovado do lado da Totvs — probabilidade considerada baixa por especialistas no assunto, pela falta de negociação engajada de ambos os lados sobre o texto.
Como os acionistas da Totvs correm o risco de aprovar a minuta do contrato antes que ele tenha validade, podem dar um cheque em branco para que a empresa negocie um aumento de preços pela Linx. A liberdade está prevista no protocolo de incorporação que será levado aos acionistas. Fica estabelecido que aumentos não demandarão publicação de novo protocolo — o que libera de nova aprovação em assembleia.
No protocolo que a Linx e a Stone assinaram, para a assembleia do dia 17, há um item praticamente idêntico. A diferença é que o negócio foi acordado entre as empresas antes. O texto de ambos os documentos tem uma função: permitir que haja aumento na oferta sem que isso se torne um problema ou uma desvantagem competitiva pela necessidade de alteração do protocolo e recontagem do prazo da assembleia. Em um cenário de guerra de preços, sem esse texto, a data da assembleia poderia ter que ser alterada a cada modificação do valor.
Há expectativa de fortes emoções com aumento das ofertas na briga pela Linx. Mas, por enquanto, elas só vieram das inovações todas que envolvem essa transação.