Grendene: revolução silenciosa que quer colocar negócio na rota do crescimento novamente (Grendene/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 29 de julho de 2021 às 17h50.
Última atualização em 29 de julho de 2021 às 19h02.
A pandemia foi um chacoalhão para a economia e para as companhias. Mas uma empresa, em especial, a Grendene, dona das marcas Melissa, Ipanema e Rider, entre outras, está vivendo um despertar, provocado pela combinação do susto com a situação e pela gestão que assumiu a frente do negócio de 2019. O balanço do segundo trimestre ajuda a explicar os caminhos que foram adotados e seus motivos. Conhecida pela histórica posição livre de caixa — a empresa vale quase R$ 10 bilhões na B3, tem mais de R$ 2,1 bilhões aplicados, para uma dívida financeira pouco superior a R$ 10 milhões —, a companhia da família Bartelle viveu um período de estagnação antes mesmo da covid.
Agora, porém, está decidida a buscar novas frentes de crescimento: a internacionalização, por meio de uma sociedade com a 3G Radar focada na distribuição, e a digitalização são os caminhos escolhidos. O caixa robusto deu tranquilidade para a empresa enfrentar a pandemia. No segundo trimestre deste ano, a receita líquida da empresa somou R$ 358 milhões, queda de 10,5% sobre os quase R$ 400 milhões de 2019 e aumento brutal sobre os R$ 56,7 milhões de igual período de 2020 — início da fase aguda da crise sanitária no Brasil. No segundo trimestre de 2020, o negócio quase parou por completo. O ineditismo das situações foram quase um chamado à ação.
Alceu Demartini de Albuquerque, diretor de relações com investidores da companhia, conta que o segundo trimestre foi afetado pela piora da pandemia no país, outra vez, a partir de fevereiro e março. Com isso, mais uma vez, como ocorreu em 2020, mas em escala muito menor, houve retenção de pedidos. “A companhia trabalha por encomendas. Em março, recebemos os pedidos para abril e maio e, de novo, havia um cenário de incerteza. Em junho, contudo, houve uma forte recuperação e os volumes vendidos superaram os de maio em 85%, o que não é comum”, explica, em entrevista ao EXAME IN.
A queda em volume, por exemplo, foi substancialmente maior do que em receita. No segundo trimestre, o total de pares embarcados somou 23,5 milhões, uma queda de 21,9% — enquanto a receita bruta recuou 12,7%. Em outubro do ano passado e em fevereiro deste ano, a Grendene conseguiu fazer repasses de preços, da ordem 8% a 8,5% cada um. Agora, contudo, na visão do executivo, não existe mais espaço para isso. Segundo ele, ao longo de 2020, houve um forte aumento no custo de matérias-primas. Com isso, a margem Ebitda do segundo trimestre recuou de 9,5%, em igual período de 2019, para 8,1%, de abril a junho deste ano. “Além disso, nosso negócio tem uma forte economia de escala. Quanto maior a produção, melhor fica a margem”, diz Albuquerque.
Apesar de não ver espaço para novos aumentos, Albuquerque destaca que já se vê queda no preço da resina. Ele acredita que essa tendência de baixa deve continuar ao longo de todo este ano, o que vai ajudar na recomposição da rentabilidade. "A oferta nos Estados Unidos já está se normalizando. Além disso, houve uma queda relevante na demanda da Índia, por causa da covid."
O Ebitda recorrente do segundo trimestre ficou em R$ 29,1 milhões, ante R$ 38,1 milhões no mesmo trimestre de 2019. O lucro líquido caiu quase 33%, para R$ 33,2 milhões. Para uma empresa tão capitalizada — em excesso, na opinião de muitos investidores — , a queda da taxa de juros é uma má notícia, pois a receita financeira sofre. É o que ocorreu no segundo trimestre da Grendene. A receita financeira líquida caiu 9,1%, para R$ 48,7 milhões.
Albuquerque destaca que a empresa está positiva com o segundo semestre do ano, pois vê uma recuperação significativa da demanda. Apesar disso, não acredita que será equivalente ao segundo semestre de 2020. “No ano passado, nosso segundo trimestre teve praticamente nove meses, pois os pedidos do segundo trimestre ficaram represados”.
A companhia espera assinar os documentos definitivos da parceria com a 3G Radar para distribuição internacional dos produtos Grendene dentro de 30 dias. “Os termos e as condições já foram definidos, agora é uma questão de redação de contrato.” A gestora é a maior acionista minoritária do negócio, com cerca de 7% do capital total. A família Bartelle concentra cerca de 70% da Grendene, cuja oferta pública inicial (IPO) na B3 ocorreu em 2004.
“O mercado internacional de calçados movimenta US$ 360 bilhões por ano. Nossa receita de exportação no segundo trimestre foi de US$ 20 milhões. Há muito para ser explorado ainda. O mercado doméstico tem o teto de uma casa e o externo, de um prédio de nem sei quantos andares”, reforça. A Grendene está em busca de uma participação no mercado global de calçados, tal qual a Alpargatas — que possui um plano com foco nos Estados Unidos, Europa e Ásia. As empresas rivalizam diretamente no segmento de flip flops, onde as marcas Havaianas e Ipanema se encontram. Mas há outras frentes que ambas pretendem explorar.
“Somos uma das maiores produtoras de calçados do mundo. Temos muita condição de conquistar espaço fora do Brasil.” É dessa avaliação que vem a sociedade com a 3G Radar. A associação não foi feita devido a qualquer dificuldade da Grendene de investimento. O objetivo dessa união foi acessar o conhecimento do grupo 3G Capital — origem da 3G Radar — para operações de varejo fora do Brasil e a capacidade de atração e retenção de talentos.
O projeto internacional de franquias da Melissa, o mais avançado dos planos externos, será aportado dentro da sociedade. “Não tenho dúvida de que esse é nosso principal driver de crescimento.” Quando questionado se o mercado externo pode vir a ser maior que o doméstico, Albuquerque não quis ser preciso, mas não evitou a temperatura. “Nós não damos guidance ao mercado, mas não tenho dúvidas de que isso pode acontecer no futuro.”
A companhia tem uma capacidade produtiva de 250 milhões de pares ao ano, mas a produção atual ronda a casa dos 150 milhões a 170 milhões (sem pandemia). Por isso, o projeto global tem também um sabor adicional, que é a de otimizar e utilizar a capacidade ociosa do negócio, que não é pequena.
Quando a pandemia chegou, a situação da Grendene era semelhante a diversas outras empresas. No setor de calçados, o choque foi especialmente relevante — por isso, susto semelhante aconteceu na Havaianas. “Esse é um setor que sempre foi focado nas vendas físicas, que respondem por 85% de tudo, no setor.”
As vendas online das marcas Grendene estavam a cargo de uma empresa terceirizada, que, segundo o executivo, não investia nem em estoque nem em tecnologia. Resultado: o e-commerce não conseguiu ganhar força. Estava sempre escondido da máxima de que “calçado se prova” antes da compra.
Em agosto do ano passado, a Grendene reuniu os canais e colocou a gestão disso tudo dentro de casa. “Nosso projeto não era de 50 anos em cinco. Era de cinco anos em dois, mas acabou sendo de cinco anos em dez meses”, resume. “Até conquistamos reconhecimento da Oracle pela implementação mais rápida.” Por enquanto, porém, ainda é uma parcela muito diminuta do total, de 2,5%. "No Brasil, as marcas de consumo já têm cerca de 20% do total vindo dos canais digitais.". Os crescimentos fruto desse esforço, portanto, são exponenciais. "Na Rider, por exemplo, as vendas online aumentaram 933% na comparação anual do segundo trimestre." A expectativa é que com o tempo o e-commerce passe a representar também uma outra frente de expansão.
O plano da Grendene é ter um formato omnicanal até o fim do ano para todo o negócio. No clube Melissa, onde a distribuição é com lojas da marca, há 354 unidades e, dessas, 168 já embarcam vendas online para a casa do cliente. A primeira prioridade, que a empresa estava muito atrasada, contou Albuquerque, é colocar os produtos em marketplace. Estão sendo fechadas parcerias com Magazine Luiza, Netshoes e Dafiti. “Mas não podemos errar com os clientes desses canais. O erro não é perdoado. Por isso, o cuidado de fazer direito.” A segunda prioridade é a omnicanalidade dos canais próprios.
ESG
Feita de PVC, enquanto as Havaianas são feita com base de borracha, a Ipanema da Grendene também tem sido cobrada pelos investidores de ampliar seus indicadores de sustentabilidade — pressão que ocorre sobre toda a indústria da moda, inclusive têxtil. Além de cuidar dos processos, o executivo conta que há linhas sendo feitas cada vez mais nessa direção. Além da Ipanema, Melissa, Rider já investirem na economia circular há tempos, com pontos de coleta de usados, há um aumento da sustentabilidade no produto final. A Ipanema acabou de lançar uma linha com o dobro de matéria-prima reciclada, o índice que era de 30% passou a 60%.
“Estamos animados com o futuro. Tenho certeza de que, quando olharmos para trás, dentro de cinco a dez anos, ficará claro o tamanho das mudanças que estão sendo colocadas em curso agora.”
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