Farfetch: fundador José Neves permanece à frente do negócio - todos os demais conselheiros foram dispensados (Divulgação/Divulgação)
Repórter Exame IN
Publicado em 18 de dezembro de 2023 às 22h23.
Última atualização em 21 de dezembro de 2023 às 21h46.
A Farfetch, maior marketplace de luxo do mundo, já andava mal das pernas há algum tempo. Em 2021, a companhia, no auge do consumo de luxo em meio aos resquícios da pandemia, chegou a ser avaliada a US$ 23 bilhões — quase quatro vezes o valor de mercado de sua estreia na NYSE, em 2018. De lá para cá, entretanto, um mix de arrefecimento do consumo, combinado ao aumento de plataformas direct-to-consumer e ao aumento do custo de aquisição de clientes deixou a companhia prestes a desmoronar — até ser adquirida pelo grupo sul-coreano Coupang nesta segunda-feira.
“Com a aquisição, a companhia tem a oportunidade de melhorar nesses aspectos. A partir de agora, a Farfetch tem a oportunidade de ganhar sinergia de tráfego e CAC, junto com escala de negociação junto aos sellers e fornecedores”, diz um analista que acompanha o papel.
O ‘resgate’, entretanto, não foi visto com tanto ânimo pelos investidores, mesmo se tratando de um grupo com amplo poder de fogo. O Coupang, hoje, vale US$ 28 bilhões na NYSE e é uma espécie de “Mercado Livre” da região, com uma oferta que combina e-commerce (a maior parte dos ganhos) a serviços financeiros. Depois do anúncio de compra da Farfetch, que marca a entrada do grupo no mundo do luxo, as ações caíram ao longo do dia e fecharam em queda de 5%.
Os resultados da empresa sul-coreana mostram uma companhia em franco crescimento. No acumulado dos nove meses encerrados em setembro de 2023, a empresa teve uma receita de US$ 17,8 bilhões, com US$ 15 bilhões vindo da vertical de e-commerce (ambos com crescimento na comparação com o mesmo período do ano passado).
No período, a empresa reverteu prejuízo em lucro, totalizando US$ 327,3 milhões. A companhia também aumentou a geração de caixa, totalizando US$ 5,2 bilhões em disponibilidades em setembro (ante US$ 3 bilhões no mesmo período do ano anterior).
A ideia de adquirir uma empresa em dificuldades, entretanto, não pegou bem. Mesmo com um investimento baixo: a Coupang, em consórcio com a Greenoaks, de serviços financeiros, vai injetar US$ 500 milhões no caixa da Farfetch por meio de uma joint-venture chamada Athena Topco.
O dinheiro vem, a princípio, como um empréstimo-ponte, com juros de 12,5% ao ano. Com ele, contudo, vem a condição de exclusividade para negociação da empresa até abril do ano que vem.
Caso a Farfetch não feche negócio com nenhum outro player, o empréstimo deixa de existir e passa a ser convertido em ações. No fim do processo, a Coupang fica com 80,1% do negócio e a Greenoaks, com os demais 19,9%. Como parte da aquisição, a Farfetch vai sair da bolsa e o J.P. Morgan vai analisar ativos que possam ser colocados à venda.
Os acionistas da empresa adquirida, entretanto, também não saem felizes. Na verdade, serão eliminados (“Wiped out” foi uma expressão recorrente na mídia americana) a partir da transação.
O capítulo atual, que salvou a companhia da recuperação judicial, é a etapa final de uma sequência de meses difíceis para a Farfetch. Há cerca de uma semana, a companhia perdeu o rating da S&P e da Moody’s, sendo avaliada como “especulativa” e de “alto risco” para ambas as casas.
Foi o fim de uma crise que se agravou no fim de novembro, quando começou a se especular no mercado que o fundador da empresa, o português José Neves, tinha intenção de torná-la privada — depois de fazer, nos últimos anos, alguns investimentos que não se provaram, como a compra da holding New Guards, uma espécie de incubadora de marcas, em 2019.
As expectativas de um futuro melhor colapsaram quando o grupo Richemont, tradicional no mercado de luxo e acionista da Farfetch, afirmou que não tinha intenção de colocar mais dinheiro no negócio. Tudo isso, pouco tempo depois de a empresa cancelar a divulgação de resultados no terceiro trimestre.
Nos três meses encerrados em junho, a Farfetch teve um faturamento de US$ 572 milhões (ante US$ 579 milhões no ano anterior), com uma margem bruta que encolheu quatro pontos percentuais, para 42,5%.
Mesmo com a receita estável, o Ebitda ficou ainda mais negativo, passando de US$ 24 milhões para US$ 30 milhões. E um consumo de caixa menor, mas ainda representativo, de mais de US$ 200 milhões. No segundo trimestre, a companhia tinha US$ 453,8 milhões em caixa, para uma dívida total de US$ 1,1 bilhão.