Linhas Corrente: maior foco no segmento de consumo, que tem melhores margens (Kelly Queiroz/ Divulgação/Site Exame)
Repórter Exame IN
Publicado em 13 de outubro de 2023 às 17h18.
Última atualização em 13 de outubro de 2023 às 20h47.
Se procurar aquela caixinha de costura que fica no fundo da gaveta, você provavelmente vai encontrar um carretel de linhas Corrente em casa. Centenária, a marca chegou ao Brasil em 1907 pelas mãos da britânica Coats – e por muitos anos foi uma das líderes do segmento no país, tanto no setor industrial quanto no ramo de armarinhos.
No entanto, após mais de uma década de vendas em queda livre, em grande parte pela concorrência dos produtos da China, há um ano e meio a Coats entendeu que tinha chegado ao fim da linha e colocou a operação brasileira e argentina à venda para se concentrar na Europa, América do Norte e na Ásia. A subsidiária respondia por menos de 3% da receita do grupo.
A compradora foi a H2 Asset, uma gestora de special situations então recém-fundada com R$ 270 milhões sob gestão, que vem apostando num choque de gestão e no foco nas vendas direto para o consumidor para levar a empresa de volta aos seus dias de glória.
“O processo de turnaround deve durar pelo menos três anos, mas já tivemos um primeiro semestre de leve crescimento”, conta Virgilio Ghirardello, sócio da H2 Asset. Ele e seu sócio Eduardo Ferraz têm experiência em reestruturações, com passagens pelas boutiques financeiras Rosenberg Associados e Chimera Capital.
Na Linhas Corrente, os planos são de fazer as vendas crescerem 10% ao ano, na esteira da retomada do consumo, com uma melhoria de Ebitda de até R$ 50 milhões em 2024. Para efeito de comparação, até 2022, a empresa perdia aproximadamente 5% a 7% das vendas anualmente, descontando o efeito inflacionário.
O desafio é, na sua essência, operacional. Apesar de queimar caixa nos últimos anos, a Linhas Corrente tinha um balanço relativamente leve, com algumas dívidas intercompany que foram liquidadas no ato da venda. A H2 Asset não abre os valores envolvidos na transação, mas o balanço da Coats (listada em Londres) aponta que a britânica pagou US$ 15 milhões para passar a régua no negócio.
“A oportunidade era o preço justo [na transação] e o baixo risco, o que tira pressão do capital alocado”, diz Ghirardello.
Na companhia, cerca de 80% do faturamento ainda vem do segmento industrial, com clientes como Guararapes e Track &Field – ainda que o ‘efeito Shein’ venha impactando as vendas de varejistas de moda nacionais e se refletido nos negócios com a indústria. O restante vem no segmento de consumo, como a rede Armarinhos Fernando.
Com poucas fornecedoras do mercado têxtil operando nos dois segmentos, o “perfil da empresa era estratégico”, explicam Ghirardello e Martín Rodriguez, CEO da nova companhia e também egresso da Chimera Capital.
Nesse sentido, parte representativa de valor a ser extraído está em reconquistar o ponto de venda, uma vez que a rentabilidade no varejo é mais alta. Embora o preço de um produto como uma linha para crochê seja menor, a margem pode ser até 30% maior do que comparado a outros produtos do segmento industrial.
A ideia, diz Rodriguez, é fazer com que o segmento de consumo se aproxime de metade do faturamento. Nesse trabalho, a companhia está buscando reativar os contratos com os clientes, que vão desde pequenas lojas de artesanato a distribuidores. “Hoje temos 10 mil clientes de consumo ativos, mas temos potencial para 50 mil”, diz o CEO.
Os custos de marketing e vendas, no entanto, são maiores, o que exige mais ganhos de eficiência. Para isso, a empresa revistou sua estrutura e enxugou o quadro de diretoria. No total, são 17 projetos de transformação do negócio que estão sendo colocados em prática, como a mudança de sistemas operacionais e a troca da plataforma de sourcing da Coats para uma relação direta com fornecedores do mercado nacional, o que tem ajudado a cortar custos.
O plano da H2 é investir R$ 30 milhões na companhia nos próximos meses, com recursos que passam a vir do próprio caixa da operação. Do montante de investimentos, R$ 15 milhões já foram alocados em capital de giro e na modernização do centro de distribuição no Espírito Santo, além de melhorias na sede, no bairro paulistano do Ipiranga.
Se no começo do século XX, cada processo de produção ficava isolado em prédios diferentes, nos processos de produção mais recentes é preciso que as operações estejam mais integradas. Assim, os processos industriais realizados na planta do Ipiranga passaram a ocupar os mesmos prédios, bem como o setor administrativo está sendo transferido para apenas um dos prédios da fábrica.
Isso deve abrir um potencial de receita com real estate. O plano da administração é de que cerca de 15 mil metros quadrados de área construída ociosos passem a ser oferecidos para serviços logísticos de grandes marketplaces, como Magazine Luiza ou Mercado Livre.
“Vira uma receita acessória, quase como se fosse uma unidade de negócio”, diz Ghirardello.