Esteves: Reeleição de Trump deve trazer instabilidade para o mundo e os mercados (Crédito da foto: Leandro Fonseca/Exame) (Leandro Fonseca/Exame)
Editora do EXAME IN
Publicado em 7 de fevereiro de 2024 às 12h20.
Última atualização em 7 de fevereiro de 2024 às 12h49.
Enquanto diversos gestores – de André Jakurski a Bill Ackman – dividiram as questões que têm tirado seu sono à noite durante o primeiro dia da CEO Conference do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), André Esteves segue dormindo muito bem, obrigado.
Entrevistado pelo jornalista William Waack no painel de abertura do segundo dia da conferência, o fundador e sócio-sênior do banco trouxe uma visão sóbria e otimista sobre os assuntos que têm ocupado as manchetes quando o assunto é Brasil, do risco fiscal à relação mais estressada entre Executivo, Legislativo e principalmente o Judiciário.
E acredita que o país está numa posição única em meio ao acirramento dos conflitos geopolíticos e a um mundo cada vez mais dividido, especialmente com a polarização entre China e Estados Unidos.
“Todo grande deslocamento geopolítico em 500 anos, por mais que seja negativo, provoca perdedores e vencedores. A Segunda Guerra foi péssima para o mundo, mas boa para os Estados Unidos. Agora, o que estamos vivendo é ruim para o mundo, definitivamente, mas é bom para o Brasil. Que a gente aproveite”, vaticinou.
Segundo ele, o posicionamento neutro, a localização numa região blindada de conflitos e a matriz energética limpa num momento em que a transição energética virou questão de ordem compõem um combo positivo para o país.
Como exemplo, ele cita o leilão de transmissão de energia em dezembro, em que a chinesa State Grid levou um linhão que deve demandar mais de R$ 20 bilhões em investimentos ao longo dos próximos anos.
“Foi um dos maiores investimentos estrangeiros diretos no mundo no ano passado. Esse investimento aconteceria nos Estados Unidos no atual cenário? Não, nem na Europa. Na Índia, talvez, mas mais difícil. No Oriente Médio? Sim, mas eles já têm o dinheiro que precisam. Onde tem escala, previsibilidade, rule of law? Aqui. O Brasil está muito bem posicionado”, disse.
Quanto à China, o principal temor é de um esgotamento do modelo que fomentou o crescimento exponencial nos últimos anos. “A China tem uma questão econômica grave. É um desafio de esgotamento do modelo? Ninguém tem a resposta, mas é uma chance razoável disso acontecer.”
Ainda no cenário internacional, Esteves vê a reeleição de Trump – que considera o franco favorito para a Casa Branca – como um potencial fator de instabilidade global, para o mundo e os mercados.
“A democracia mais consolidada do mundo não conseguiu produzir uma alternativa a Trump e Biden. É uma coisa que beira o angustiante. O que está acontecendo com essa democracia para não conseguir promover alternativas?”, questionou.
Segundo ele, os dois candidatos são ‘impróprios’ por razões diferentes. Biden, pela idade avançada. “Não dá para imaginar alguém gerenciando a maior economia do mundo aos 85 anos, é impróprio, por melhor que sejam seus valores e desejos.”
Quanto a Trump, a questão é o misto de “volatilidade e controvérsias”. “No primeiro mandato, ele chegou sendo um cara de negócios, um empresário, com a expectativa de uma postura pró-business e com isso atraiu muita gente boa e técnica, do mundo político e empresarial, para o seu governo”, disse.
“Num segundo governo, as pessoas vão se aproximar, mas não vai ter a mesma qualificação nem o voluntarismo da primeira leva.”
Trazendo a discussão para mais perto do Brasil, Esteves mostrou otimismo com a vizinha Argentina, apesar do “jeito diferente” do presidente Javier Milei.
“Ninguém pode acusá-lo de falta de conteúdo, ele leu sobre o que está falando e, o mais importante, falou a verdade da companhia. Disse qual era o problema, qual a solução e o que iria custar. Isso dá um leverage [alavancagem] política, que permite vitórias parciais”, afirmou.
Se o panorama internacional é mais atribulado, Esteves vê com mais calma o ambiente doméstico. O primeiro ano de governo trouxe uma ‘cacofonia’, natural da transição de poderes, segundo ele, mas agora as peças começam a se ajustar. O destaque é o alinhamento da Fazenda com o Banco Central.
“Começamos o ano [passado] com questionamento do PT sobre independência do BC e terminamos o ano com o Roberto Campos convidado para o churrasco dos ministros, é muito simbólico”, citou. Na seara fiscal, a percepção é que o ministro Fernando Haddad entendeu a importância de conter o déficit.
“A gente teve, sim, um déficit importante no ano passado, mas fez ajustes e estamos fazendo ajuste neste ano. O mercado prevê um déficit de 0,8% [do PIB, para este ano], acho que vai ser um pouco mais baixo que isso”, afirmou.
Retomando uma citação feita no ano passado, quando disse que o Brasil era um “alcoólatra em recuperação”, em referência ao longo histórico de gastos descontrolados e hiperinflação, o sócio do BTG afirmou que o paciente segue sem poder ser convidado para um ‘wine tasting’, mas vem se comportando bem.
“Nenhum governo — de esquerda, direita ou centro — consegue fazer tudo de uma vez. Não é fácil nem possível”, afirmou Esteves.
Sobre uma relação mais estressada entre Executivo, Congresso e Judiciário, com cada um dos poderes buscando mais protagonismo, em vez de insegurança jurídica, ele vê um fortalecimento da democracia.
“É natural nesse momento de reacomodação dos papéis institucionais, a mídia, os analistas e o mercado confundirem um pouco as fronteiras. Mas é um ambiente onde, acima de tudo, se ressalta os checks and balances. E que vai nos levar para uma sociedade mais equilibrada do que tínhamos 30, 40 anos atrás”.