Vista de Carajás: Vale minerou dúvidas de investidores para tentar esclarecer em material para assembleia (Germano Lüders/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 10 de fevereiro de 2021 às 17h13.
Última atualização em 10 de fevereiro de 2021 às 17h20.
Para os espantados, o que a Vale quer inserir de inovação no mercado brasileiro — a possibilidade de voto contra na eleição para conselho —, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já prevê e já permite. Quem tiver paciência pode ir até a Instrução 481, anexo 21F, item 12C (para facilitar, páginas 64 e 65). O modelo do boletim de voto para formação de conselho por voto individual, ou seja, nome a nome, tem lá as três opções: aprovar, rejeitar e abster-se. É cru, mas tem lá na regulação. Não é exatamente a reinvenção da roda, portanto. Só que ninguém ainda experimentou a vida prática disso.
Também nunca ninguém colocou no papel dessa forma. Então, é certo que o regulador vai dar aquela conferida na proposta de aplicação da Vale — inclusive pela perspectiva de a iniciativa possa ser copiada. Para não ter dúvida, o conselheiro da própria Vale, Marcelo Gasparino, que votou contrariamente a adoção dessa mecânica, foi lá na CVM apresentar sua queixa. Agora, não tem jeito, a xerife vai mesmo avaliar.
Nessa análise, também vai dar para verificar o que prevalece. No passado, tentou-se aplicar a lógica do voto contrário na disputa societária da Usiminas, mas a própria CVM não permitiu. Pela proposta da Vale é possível que vagas no conselho fiquem abertas, em caso de rejeição, e que seja necessária nova eleição complementar. A Usiminas tentou deixar cadeiras vagas, mas o regulador não concordou com essa possibilidade. Tudo isso, portanto, merece ser aclarado.
Depois de todo bafafá no mercado com a novidade, a Vale se antecipou e decidiu recomeçar toda a condução do assunto. Primeiro, ajustou a redação de alguns itens do novo estatuto que quer aprovar (havia muitos apontamentos sobre duplicidade de entendimentos). Além disso, decidiu que no lugar de colocar todo estatuto, como item único, para ser votado pelos acionistas, o melhor é separar por tema as sugestões de mudança. Então, serão 14 itens para os acionistas decidirem — podem aceitar alguns, recusar outros e assim tentar montar um Frankstein ajeitado.
Para completar, a mineradora escolheu complementar o material da assembleia com um Q&A, perguntas e respostas das dúvidas mais recorrentes — com quase nove páginas. Com tudo isso, a assembleia mudou a data (seria dia 1º). Agora, ficou para dia 12.
Com o ajuste no texto, a Vale agora cravou clareza para um ponto importante e que a própria empresa estava ajudando a criar duplo entendimento. Trata-se da questão nevrálgica do assunto, capaz de mudar o humor do mercado com o tema.
Mesmo existindo o voto contrário, a eleição será por maioria de votos positivos — e não pelo saldo líquido de votos. Só haverá cômputo de saldo para rejeições, ou seja, quando um candidato tiver mais votos contra do que a favor. Nesse caso, a conclusão é que ele foi vetado pelos acionistas. Portanto, a eleição continua sendo da forma que sempre foi até hoje, pelos votos a favor, e agora com a possibilidade de recusa de alguns nomes.
Outra questão que a Vale colocou no papel em seu Q&A para que ninguém tenha dúvida: se houver solicitação de voto de múltiplo, não vigorará a possibilidade de voto contra. A mecânica do voto múltiplo não permite.
Parênteses para quem não tem clareza sobre o que é o voto múltiplo: acionistas a partir de uma fatia de 5% do capital podem pedir adoção desse regime. Nesse sistema, cada ação dá direito a tantos votos quantas vagas existem no conselho e o acionista pode decidir depositar todos eles em um só nome, para ampliar a chance de eleição de um determinado candidato.
Sobre a eleição para presidente e vice-presidente, que a Vale também quer deixar nas mãos dos acionistas: a lista sugerida aos acionistas já contará com as indicações. No entanto, os investidores podem decidir por outro. “Tudo isso é ajustável na formulação do boletim”, disse uma fonte envolvida com o assunto.
A Vale também já deixou cravado na pedra, ou no papel, no caso, que qualquer investidor ou grupo com 0,5% do capital — uma pequena fortuna de R$ 2,4 bilhões — pode incluir um nome na lista de candidatos. Já estava na regra, mas deixar no estatuto é uma forma de tentar incentivar a inclusão de nomes.
O assunto vinha gerando muita polêmica, em especial com os tradicionais militantes das boas práticas de governança corporativa, que viam — ou ainda veem — o risco de que o voto contrário seja usado como instrumento para que um grupo possa bloquear novos entrantes.
Há dúvidas sobre se os ex-controladores da mineradora, os fundos de pensão Previ, Petros, Funcef, mais Bradespar e Mitsui, podem tentar se perpetuar como acionistas de referência. Esses investidores somam quase 21% do capital — equivalente a quase R$ 100 bilhões.
Os críticos não julgam correto entender que o voto múltiplo pode ser uma vacina para esse “risco”, dado o tamanho da Vale. Com o minério de ferro nas alturas, a mineradora voltou a ser a maior empresa da bolsa brasileira, avaliada em R$ 490 bilhões — e subindo. Ter 5%, portanto, significa quase R$ 25 bilhões de reais. Atualmente, apenas BlackRock, e duas casas Capital têm esse percentual — o bolso dessas casas e o câmbio ajudam o número ser menos astronômico.
Mas, os favoráveis às mudanças apontam a vida prática: se não houver um grupo com 5% organizado, praticamente não há de quem se defender e o grupo de ex-controladores (ou qualquer outro relevante) não precisaria do voto contrário para barrar alguém. E se um candidato de uma indicação de 0,5% não conseguir engajar o restante da ampla base de acionistas da empresa é porque, possivelmente, não seja merecedor da posição.
Há contudo um ponto relevante dessa discussão: se o assunto for observado apenas do ponto de vista da Vale, não haverá ninguém cuidando da vida fora da mineradora. Das outras 400 empresas abertas da bolsa. É a oportunidade que terá a CVM.