Loja Natura: captação de até 2 bilhões de reais, com garantia de 25% por fundos de mercado (Germano Lüders/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 12 de maio de 2020 às 07h46.
Última atualização em 12 de maio de 2020 às 13h19.
Passados cerca de 60 dias desde o início da crise causada pela pandemia do coronavírus, o mercado de ações começa a dar sinais de atividade. As iniciativas são tímidas, mas as empresas já voltaram a planejar e considerar emissões – ainda que em ritmo muito distantes da força registrada no início do ano e dos prognósticos que prometiam todos os recordes para 2020.
Neste momento, há pelo menos 9 bilhões de reais em captações planejadas de conhecimento público - confirmadas ou em estudo. Esse valor é a soma do que pretendem levantar juntas Natura, Via Varejo, Centauro, CVC e Estapar. Essa última é a única, por enquanto, a encarar uma oferta pública inicial, a tão famosa sigla em inglês “IPO”.
Oficialmente lançadas ao mercado, por enquanto, há a emissão privada da Natura e a estreia da Estapar. As varejistas Via Varejo e Centauro estudam a possibilidade de se capitalizar por meio de oferta de ações e a CVC já admitiu publicamente que procura por um sócio, que pode ser um fundo de investimentos, para injetar recursos no negócio.
Os modelos de capitalização variam entre emissão privada e oferta pública. O diretor de banco de investimentos do Bradesco BBI, Alessandro Farkuh, disse em entrevista ao EXAME IN que o cenário do pior pânico passou. “Ainda não se sabe quando a retomada virá, mas já não é mais uma discussão sobre se ela virá, mas sim de quando. A racionalidade, aos poucos, começou a retornar para as discussões.” Com isso, as companhias voltam, ao menos, a conseguir traçar planos. Algumas, já podem até mesmo executá-los.
Na Natura, está em curso uma emissão privada de até 2 bilhões de reais, que conta com garantia de 1 bilhão de reais. Do volume assegurado, metade virá dos sócios fundadores e a outra metade, de fundos de mercado. Para despertar interesse dos acionistas, a companhia ofereceu um desconto de 12% no preço da operação.
A Estapar também se lançou ao mercado com um colchão: veio para captar recursos em oferta pública, cerca de R$ 350 milhões, mas com garantia firme do fundo Maranello, cujo único cotista é André Esteves. O fundo já é o maior acionista da companhia com 48% do capital.
Farkuh destacou que os investidores serão muito criteriosos, com um comportamento bastante diverso do começo de 2020. O interesse deve ficar restrito a companhias que combinem ativos sólidos e bem geridos com oportunidade de preço. Também receberão mais atenção os negócios que estiverem em posição de se beneficiar de uma esperada concentração dos setores em um menor número de companhias.
“Há alguns poucos movimentos, algumas conversas, mas com perfil completamente diferente do que se via no começo do ano”, disse um outro executivo de banco que preferiu não se identificar. A expectativa é que menos de um terço das 60 a 70 ofertas de ações que eram esperadas para 2020 aconteça. Mas o mercado não deve ficar congelado por completo. A expectativa é de um aquecimento maior das operações nos últimos quatro meses do ano.
Antes de o coronavírus paralisar o mundo, as operações com ações na B3 já acumulavam 26 bilhões de reais, só até o meio de março - total que conta com oferta de ações da Petrobras promovida pelo BNDES, que movimentou sozinha 22 bilhões de reais.
O entendimento é que neste momento ocorrerão captações que forem de oportunidade, ou seja, por empresas que não registraram queda tão forte nas ações. Haverá algumas também por companhias com grande necessidade de caixa, que terão de encarar a diluição da base acionária devido ao preço baixo dos papéis.
Além disso, em um primeiro momento, será comum que as emissões sejam anunciadas com uma garantia firme, seja de um sócio antigo ou de um novo. “A ancoragem é um fator de convencimento e um sinal de solidez. Além de reduzir o risco de execução, representa um elemento psicológico importante”, comentou Farkuh.
Natura, Centauro e Estapar são companhias que fizeram movimentos de expansão antes de a pandemia acontecer. As três, portanto, estão buscando uma estrutura de capital – divisão entre dívida e recursos próprios – mais robusta e conservadora para passarem pela crise, após terem dado passos relevantes para o crescimento. A expectativa, inclusive, é que o dinheiro as fará sair melhor do cenário de retração de atividade atual.
Após incorporar a Avon, a Natura terminou março com 16,8 bilhões de reais em dívidas consolidadas, para um caixa de 4,6 bilhões de reais. A Centauro, que adquiriu a Nike no Brasil por cerca de 900 milhões de reais, poderia pagar pouco mais da metade com recursos vindos de uma oferta. E a Estapar busca caixa para honrar o pagamento de cerca de 600 milhões de reais à prefeitura, após vencer a licitação para a operação de Zona Azul na cidade.
Já Via Varejo e CVC, caso confirmem o que atualmente é um plano, vão acessar o mercado por necessidade diante do impacto da pandemia. A Via Varejo, que supostamente procura por 5 bilhões de reais, conseguiu acelerar vendas por meio de seu canal digital e ativando vendedores online, mas a percepção de muitos investidores é que o esforço resultará em forte depressão das margens, com reflexos no caixa.
No caso da CVC, que almeja 1 bilhão de reais, a empresa está no grupo das empresas mais diretamente afetadas pela crise da covid-19: tudo relacionado ao turismo, seja de entretenimento ou de negócios, foi congelado e ninguém sabe quando o mercado vai recuperar o tamanho pré-coronavírus.
Fábio Nazari, sócio líder da área de mercado de capitais do BTG Pactual, destacou que as operações que forem feitas nesse momento terão, em sua maioria, “histórias específicas”. As empresas que acessarem mercado não poderão oferecer justificativas vagas.
O acesso ao bolso do investidor neste momento demandará um plano associado. Cada empresa que vier terá sua justificativa: reduzir dívida, reequilibrar contas ou até planejar aquisições. Mesmo sendo casos específicos, o resultado da emissão privada da Natura e a oferta inicial da Estapar serão um primeiro termômetro para os demais interessados.
Os especialistas são unânimes em destacar que o mercado ficará concentrado, no mínimo pelos próximos seis meses, em ofertas de empresas que já são listadas (os chamados “follow-ons”) e para captação de dinheiro novo – nenhuma colocação secundária, ou seja, venda de algum sócio. Os IPOs poderão ocorrer, mas em proporção muito menor que a esperada para o ano.
A volatilidade dos preços já esteve em 90% e agora está próxima de 30%, apontou Nazari. “Em 90%, 80%, não tem negócio. Com 30% dá para começar a pensar e abaixo de 20%, os negócios saem com tranquilidade”, explicou. Além disso, o Índice Bovespa, que bateu em um piso próximo dos 63 mil pontos nas últimas semanas de março, agora está perto dos 80 mil pontos.
O executivo do BTG Pactual afirmou que após as quedas nos preços devido à pandemia alguns movimentos importantes começaram a acontecer. Apesar de ainda predominarem as saídas de investidores estrangeiros, fundos de longo prazo dos mercados americano e europeu voltaram a comprar ações brasileiras, ainda que discretamente. “Eles estavam fora há muito tempo e voltaram a aparecer. É um bom sinal.”
Por enquanto, embora os números da atividade do pequeno investidor continuem surpreendendo, não será esse ainda o público destinatário das operações. “A maior das ofertas usará a Instrução 476”, afirmou o líder de um grande banco internacional, referindo-se à regra da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para ofertas que só podem ser feitas por empresas já abertas e a um grupo restrito de investidores institucionais. O aplicador individual não tem acesso a essas colocações.
Nos meses de março, abril e primeiros dias de maio, os investidores individuais já colocaram cerca de 38 bilhões de reais na compra de ações na bolsa. O número de CPFs cadastrados aumentou em mais de 700 mil, de aproximadamente 1,7 milhão em dezembro de 2019 para os atuais 2,4 milhões.
Nos IPOs, as pessoas físicas poderão participar, pois uma parcela das compras é dedicada ao chamado varejo. Contudo, esse investidor ainda não participa diretamente do processo de formação de preço de uma oferta. O total adquirido por esse público, segundo especialistas, pode até subir de 10% para 15% ou, em alguns casos de maior exposição, para 20%, mas ainda não será esse comprador quem vai definir se uma transação sai ou não.
A melhor contribuição desse público às ofertas é indireta: ajudando a sustentar o preço das companhias na bolsa e, com isso, tornando o acesso aos recursos vantajoso. E, principalmente, aportando dinheiro em fundos de ações, que são os compradores diretos das emissões. De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), os fundos de ações, que atraíram quase 45 bilhões de reais nos três primeiros meses do ano, tiveram saques de apenas 600 milhões de reais no mês de abril. O volume não se compara em nada com as dezenas de bilhões que foram retiradas de fundos multimercados e de renda fixa.