Congonhas: aviões estacionados durante a pandemia (Germano Lüders/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 20 de maio de 2020 às 18h59.
Última atualização em 21 de maio de 2020 às 18h43.
Desde que a Azul fez sua estreia na B3, em abril de 2017, seu valor de mercado andou sempre alguns bilhões à frente da Gol. A pandemia da covid-19, porém, veio mesmo para quebrar paradigmas. Na semana passada, a Gol ultrapassou o valor da Azul pela primeira vez desde que ambas convivem na bolsa. Trocando em miúdos: o mercado entendeu que a situação da empresa criada por David Neeleman é mais delicada do que a da companhia da família Constantino.
Logo na estreia, a pouco mais de 7 bilhões de reais, a Azul chegou valendo mais de 2 vezes a Gol. Essa diferença variou, se ampliou e atingiu um dos pontos mais altos entre fim de 2019 e começo deste ano. A Azul alcançou um valor superior a 21 bilhões de reais na B3, enquanto a Gol estava próxima de 12 bilhões de reais, de acordo com dados da Bloomberg.
Na sexta-feira, a Gol encerrou o pregão em 3,9 bilhões de reais e a Azul, em 3,8 bilhões de reais. Foram apenas 100 milhões de reais de diferença e em um único dia. Mesmo assim, para investidores, o fato foi considerado importante.
Desde então, a volatilidade nos preços das ações de ambas ficou ainda mais aguda, ao sabor das notícias sobre o pacote de suporte financeiro coordenado pelo BNDES. Subir ou cair mais 10% tornou-se rotina nos últimos dias para ambas as companhias.
Hoje, com alta de 12,3% próximo ao fechamento, a Azul estava avaliada em 5,2 bilhões e a Gol, com ganho de 8,8%, caminhava para fechar o pregão em 4,5 bilhões de reais.
A diferença histórica das empresas, de acordo com Renato Mimica, diretor da EXAME Research, vinha principalmente do fato de a Azul ser percebida como uma empresa em crescimento, enquanto a Gol, mais madura, era tida como um negócio cíclico. “Nesse setor, a companhia mais nova, sem legado de frota, é sempre a mais queridinha”, diz o gestor de um fundo.
“A grande questão é que não dá para saber quando esse setor voltará a apresentar potencial de crescimento”, ressaltou Mimica. As companhias têm previsões diversas, mas são unânimes em esperar encolhimento. A Gol acredita que o setor sai da pandemia 30% menor. A Azul espera que o ano feche com 40% da demanda pré-pandemia e que a normalidade só retornará em 2022. Até a distante normalidade, porém, é a situação de caixa que será o foco principal.
Ainda em fase de expansão, a Azul fechou março com 23 bilhões de reais em dívidas, sendo 16 bilhões de reais com lessores — os financiadores dos aviões. Do caixa de 3 bilhões de reais anunciado pela empresa, 1,5 bilhão de reais é o saldo efetivo em conta e, desse montante, menos de 700 milhões de reais estão liberados — pois a diferença está comprometida com contratos de hedge. Para a empresa, encolher a frota será mais difícil e custoso.
No caso da Gol, as circunstâncias não planejadas em torno do atraso nas entregas do 737 Max, o modelo da Boeing que está parado por questões de segurança, deixaram a empresa em uma situação mais flexível. A companhia brasileira havia programado a renovação e expansão de sua frota sobre o modelo que entrou em crise. Para compensar os atrasos da fabricante, a Gol usou arrendamentos de curto prazo.
Quando a pandemia chegou, estava com 130 aeronaves. A empresa já organizou seu encolhimento para a nova realidade de mercado: entrega 18 aviões neste ano e pode devolver mais 30 entre 2021 e 2022. Nos três primeiros meses, já se desfez de sete. Para a Gol, basta deixar os contratos de aluguel vencerem. Além disso, a companhia fechou um acordo de compensação com a Boeing que trouxe 500 milhões de reais ao caixa em abril e que deve agregar ainda o equivalente a 1,9 bilhão de reais nos próximos anos — em condições sigilosas.
Ao fim de março, a Gol tinha dívida bruta total de 16,9 bilhões de reais, sendo 7,4 bilhões de reais com os lessores de aviões — menos da metade dos compromissos que a Azul possui com esses financiadores. Da liquidez declarada pela empresa, de 4 bilhões de reais, 2,9 bilhões de reais eram o saldo em conta entre disponível e restrito.
A pandemia deve promover grandes mudanças no setor no médio prazo, como consolidação de negócios, desaparecimento de empresas e o surgimento de novas. No curto prazo, porém, o horizonte tem apenas recuperações judiciais e renegociações de dívida. No Brasil, o pacote do BNDES pode definir os rumos. A dúvida é saber se ele vai mesmo sair do papel, uma vez que depende do apetite dos investidores de mercado para ocorrer.
Após aguardarem a evolução da crise, as agências de classificação de risco de crédito, porém, já estão ajustando suas notas. A S&P Global Ratings rebaixou a nota da Azul em escala global de “B” para “CCC+” e a nota de crédito em escala nacional de “brA-” para “brBB-”. Hoje, a Fitch passou as três — Azul, Gol e Latam — para “B-”. E já avisou que tudo pode piorar, a depender do tempo que levar para se concretizar o pacote do resgate às companhias.
No mercado de ações, é comum que a volatilidade aumente com a perspectiva de insolvência dos negócios. O sobe e desce, portanto, não é visto como um bom sinal.