Celular: venda da Oi Móvel foi aprovada por Anatel e Cade por R$ 16,5 bilhões (DircinhaSW/Getty Images)
Graziella Valenti
Publicado em 22 de julho de 2022 às 22h48.
Última atualização em 23 de julho de 2022 às 02h33.
Celeuma. Confusão. Teatro. Desceu quadrada a declaração do presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, ao jornal Valor Econômico de que vai entrar em contato com o Conselho de Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para avaliar se é possível suspender a venda da Oi Móvel ao trio TIM, Telefônica (Vivo) e Claro. Esses foram alguns dos adjetivos usados, por analistas e investidores, para qualificar a fala do líder guardião das regras do setor.
Por trás da bagunça está a discussão sobre o roaming que as operadoras são obrigadas a oferecer às concorrentes, como serviço de atacado, quando são predominantes em uma região — conhecido pela sigla ORPA. Na prática, um compartilhamento de infraestrutura remunerado.
A Oi Móvel foi adquirida pelo trio por R$ 16,5 bilhões. A operação está financeiramente liquidada e operacionalmente executada. E olha que não houve nada de fácil em fazer essa separação e divisão. A Anatel concedeu aprovação à transação em janeiro e o Cade, em fevereiro, com aval reiterado em março para algumas alterações no contrato do negócio.
A essa altura, o dinheiro recebido pela Oi já foi inclusive destinado. Entre outras coisas, quitou uma dívida da ordem de R$ 4,5 bilhões com o BNDES. E é por essa, e outras razões, que fontes ligadas às companhias envolvidas dizem que sequer é possível voltar atrás.
O negócio foi realizado dentro do processo de recuperação judicial da Oi, que reestruturou o que hoje seria equivalente a R$ 85 bilhões em dívidas (considerando o câmbio atual sobre os compromissos da data do início do processo, em 2016). A empresa aguarda homologação da Justiça para sair do processo e tem hoje menos de R$ 20 bilhões em compromissos financeiros. A maior preocupação de especialistas é que a discussão — judicial e com a Anatel — possa adiar essa aprovação, ainda que isso não tenha se refletido na avaliação da empresa pelo mercado.
Certo ou errado, o mercado financeiro deu, até agora, pouca trela ao assunto — apesar de não faltarem críticas à situação. As ações da Oi subiram 2%, enquanto os papéis da TIM e da Telefônica registraram baixa de 0,08% e 0,32% na B3 nesta sexta-feira, dia 22. A Claro não é listada no Brasil.
O que o trio está preocupado em deixar claro, nesse momento, é que o debate sobre a tarifa do roaming, que foi levado à Justiça e motivou a declaração de Baigorri, não tem nada a ver com a venda da Oi Móvel. Trata-se de algo posterior. Enquanto isso, a agência reguladora, ciente de que permitiu uma concentração de mercado (ainda que a Oi Móvel já estivesse com sua força competitiva praticamente destruída), quer mostrar publicamente que leva a defesa do ambiente concorrencial — que ancorou a a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) há 25 anos — muito a sério. Ao ponto de medidas extremas.
Quando a Anatel aprovou o negócio, ficou acordado que as teles ficariam obrigadas a fornecer condições de roaming a preços de custo. Só que, na ocasião, a agência ainda não havia ainda arbitrado qual seria esse valor. Em 2018, a própria agência fixou esse preço em torno de R$ 10 por gigabyte.
Em 21 de junho deste ano, em razão da venda da Oi Móvel, o órgão regulador apresentou uma nova tabela para esse valor: R$ 2,60 por giga para novas entrantes, que caem para R$ 2,20 no ano seguinte e, em queda contínua, até 2026.
Ao verem essas condições, o trio — cada empresa isoladamente — foi à Justiça questionar as condições. A alegação? Que esse valor é subsídio, não custo. Nos bastidores, elas admitem que o valor pode estar abaixo do que foi fixado em 2018, mas reforçam que nem sequer chega perto de R$ 2,00.
TIM, Telefônica e Claro querem, nesse momento, apenas desfazer a confusão de que são contra os remédios adotados para a aquisição conjunta da Oi Móvel. O objetivo é apontar que estão dispostas a fornecer o serviço a preço de custo, mas não subsidiado.
Não espanta que as empresas que pretendem se colocar como novas competidoras no setor, já tenham saído em defesa da postura da Anatel, como noticiou o portal de notícias especializadas Teletime. A Brisanet pagou R$ 1,2 bilhão no leilão de 5G para poder fornecer serviços móveis no Nordeste (o preço mínimo era R$ 9 milhões) e a Unifique, em conjunto com a Copel Telecom, comprou licença por quase R$ 74 milhões.
Para oferecer o serviço 5G, ambas vão precisar da rede legada das teles do 4G. As duas listaram suas ações na B3 durante a fase áurea da bolsa na pandemia. As reações sobre seus papéis hoje também fornecem pouca informação sobre como os investidores estão lendo a situação: Brisanet caiu 4,53% e Unifique, na contramão, subiu 3,37%. Vale ressaltar que as duas empresas possuem liquidez reduzida na bolsa. Enquanto são avaliadas entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão, TIM vale mais de R$ 31 bilhões e Telefônica Vivo é negociada acima de R$ 78 bilhões.
Na próxima semana, o trio deve se encontrar com a Anatel para discutir a situação. Até entrarem na Justiça, uma fonte ligada ao grupo alega que pediram, mas não receberam, as planilhas que deram suporte à precificação estabelecida pela Anatel. Agora, depois que o tema foi judicializado — com vitória liminar para TIM, Telefônica e Claro, até o momento — os cálculos serão tecnicamente questionados, para discussão de mérito.
Como sempre em negociações e disputas, é tudo uma questão de preço. Ainda não está claro para o mercado, analistas e investidores, qual será a extensão desse debate. Até o momento, a aposta é de que não há espaço para questionamento da transação com a Oi, pois a definição dos valores pela Anatel é subsequente à aprovação do negócio — e a sua execução. Se houver, os danos de anulação de um contrato desse porte podem trazer consequências de humor que — daí, sim — afetarão o setor na B3 e além. Muito além. Tudo vai acabar na pergunta: será um debate eleitoral?
Seu feedback é muito importante para construir uma EXAME cada vez melhor.