"Como sabia rir de tudo, de todos e de si mesmo, ensinou-me que se levar muito a sério azeda o molho da vida", escreve Voltolini (Twitter/Reprodução/Exame)
Jornalista
Publicado em 21 de maio de 2024 às 14h36.
Última atualização em 21 de maio de 2024 às 18h22.
O Brasil perdeu no último dia 16 de maio um dos seus mais importantes jornalistas esportivos. E eu perdi, por tabela, um dos meus primeiros mentores — arrisco dizer que, por causa de Antero Greco, acabei me tornando mentor.
Sim, antes de ser especialista em sustentabilidade, já fui jornalista esportivo. Na minha primeira encarnação profissional. Com passagens rápidas pelas revistas Placar e Playboy, sentia-me ainda um foca quando aceitei, em 1989, um convite para integrar a reestruturação da editoria de Esportes na Folha de São Paulo.
O jornal estava implantando o seu icônico Manual de Redação. Embora eu ambicionasse mesmo o caderno Ilustrada, fui convencido de que o meu texto, com “pegada de revista”, funcionaria bem no novo projeto.
E funcionou mesmo. Eu é que, à época, parecia não funcionar tão bem, entre amargo e inseguro, tentando encontrar a minha identidade como repórter. As coisas começaram a mudar com a chegada repentina do Antero, vindo do Estadão.
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Ele já era um camisa 10 consagrado. Tinha fama, respeito e cara de gente boa. Eu era, no máximo, uma promessa. Por isso vi como um ato de gentileza quando escolheu se sentar ao meu lado (hoje, pensando melhor, talvez tenha sido apenas o acaso de uma cadeira vazia.)
Na condição de editor especial, e por um período de tempo curto, como fez questão de deixar claro, Antero se apresentou ao time com algum comentário burlesco (sua assinatura!) para dizer que viera apenas “dar uma força”. Zero de cerimônia.
Não aspirava a nenhum cargo nem posição. Não queria “furar” concorrentes nem ganhar prêmios. Generoso, invariavelmente bem-humorado, palmeirense e oriundi como eu, ele se dispôs a me mentorar num ambiente muito competitivo em que ninguém parecia ter tempo nem interesse para isso.
Aprendi uma vida com ele. Sobre jornalismo, claro. Mas também, e principalmente, sobre a humanidade que habita cada jornalista.
Lembro-me de dois episódios. Depois de ler o meu texto, já próximo do fechamento da edição, chamou-me para um café. E, com um cuidado que só os superempáticos têm, primeiro elogiou a qualidade do material para, em seguida, recomendar que eu fosse “mais direto”, eliminasse “adjetivos desnecessários” e evitasse recursos linguísticos sofisticados para não “distrair o leitor da história contada.”
Foi uma espécie de MBA de comunicação em 30 minutos, mas sem o tom professoral, a impostura de um ego querendo plateia e aplauso ou o peso da hierarquia que anula o aprendiz. Desde então, ainda hoje, aplico esse ensinamento nas minhas palestras, nas apresentações de propostas e nas entrevistas escritas para jornalistas.
No segundo episódio, passei uma noite em claro sofrendo pela repercussão de uma reportagem de “denúncia.” Tinha a ver com um plano não comunicado de acabar com campos de várzea na cidade de São Paulo.
Os representantes da prefeitura detestaram a matéria, questionaram minhas fontes e fizeram chegar suas queixas ao diretor de Redação. Os colegas brincavam que eu estava menos seguro do que técnico de futebol com 10 derrotas seguidas. Entrava na pilha para me defender.
Percebendo o tanto que o assunto me afetava, Antero foi 100% Antero, o filósofo despretensioso, com sotaque do Bom Retiro, ao ponderar sem firulas lançando mão do seu habitual timing de comédia stand up: “Se as fontes são idôneas, se checou o que precisava checar, se tentou ouvir a outra parte e ela não se manifestou, vá para a casa tranquilo. Jornalismo bom é o que incomoda. Ficaria mais preocupado se eles tivessem gostado.”
Naquele longínquo 1989, Antero trocou a Folha pela Agência Estado de forma tão ligeira que sequer consegui me despedir dele. Nunca tive a oportunidade de lhe dizer quanto aqueles 90 dias foram marcantes para mim.
Meses depois, deixei o Jornalismo para ingressar numa carreira empreendedora. Ele me perdeu de vista. Eu, pelo contrário, fã de carteirinha, segui acompanhando a sua brilhante carreira na TVA Esportes, depois ESPN. Nem sei quantas vezes me peguei invejando o Paulo Soares, o “Amigão”, por dividir a extrovertida bancada do SportsCenter com o meu amigo-mentor.
Sábio, culto, gentil, solidário, sincero. O Antero que conheci foi mentor e coach. Mais do que isso, escutou as minhas dores e angústias. Como sabia rir de tudo, de todos e de si mesmo, ensinou-me que se levar muito a sério azeda o molho da vida.
Com ele aprendi sobre valores hoje cada vez menos praticados no mundo corporativo. Que é possível, mesmo em ambientes fortemente competitivos, sermos empáticos, leais, colaborativos e íntegros. Pode parecer pouco para quem me lê. Compreendo. Mas três décadas depois, tendo vivido como consultor em centenas de ambientes, raras vezes encontrei em alguém, com tanta ênfase, a combinação dessas quatro virtudes.
A morte do Antero, aos 69 anos, confirma uma tese da minha avó de que os bons vão primeiro, deixando um ponto vago de humanidade na vida dos que ficam. Grazie, amico.