Inflação: pressão tem sido surpreendentemente persistente em todo mundo (KTSDesign/Science Photo Library/Getty Images)
Graziella Valenti
Publicado em 21 de junho de 2022 às 17h04.
Última atualização em 21 de junho de 2022 às 17h09.
É possível, e ainda bastante possível, que o Brasil tenha de conviver com uma taxa de juros elevada por um tempo maior do que o esperado hoje pelo mercado. “A incerteza ainda é muito alta”, avalia Mansueto Almeida, sócio do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame) e ex-secretário do Tesouro Nacional. Na última reunião do Comitê de Política Monetária, o Banco Central elevou a Selic para 13,25% ao ano.
Na ata do encontro, divulgada na manhã de hoje (21), o BC surpreendeu. Decidiu antecipar as previsões de inflação e juros para 2024. Normalmente, as perspectivas para dois anos à frente começam a ser sinalizadas somente com o avançar do segundo semestre. A mensagem que sobrou é que a Selic vai ficar alta pelo tempo “suficientemente necessário” para que a inflação possa convergir para a meta, de 3% ao ano.
Pelas previsões do Copom, a inflação ficaria em 8,8% neste ano, 4% em 2023 (ainda acima da meta) e então cairia para 2,7% em 2024. Mansueto está mais cautelo com as expectativas do que o mercado, em geral. E o motivo é o cenário de emprego.
Ele explicou há pouco, durante sua participação no Global Managers Conference, evento organizado pelo BTG Pactual, que novas quedas na taxa de desemprego poderiam criar uma espiral de inflação de salários. “No Brasil, a chamada taxa natural de desemprego — aquela que não causa impacto na inflação — é muito alta, em torno de 8% e 8,5%. E nós já estamos muito próximos disso”, disse, lembrando que na última divulgação, a taxa mensalizada já estava em 9,5%, a menor desde 2016. Mais emprego, mais renda, mais consumo. Essa é a lógica. E é dela que advêm as conclusões do sócio do BTG Pactual.
“Eu não sei se a taxa de juros vai terminar 2023 em 10%, como o mercado espera, ou em 12%. Vai depender do cenário de inflação, e isso só vai começar a ficar mais claro no segundo semestre. O Brasil tem uma economia muito indexada.” A expectativa dele é que na próxima reunião, a taxa ainda aumente 0,5 ponto percentual, para 13,75%, o que marcaria o fim desse ciclo de aumento.
Mas a combinação dos indicadores leva o especialista em macroeconomia a acreditar que somente no terceiro trimestre de 2023 — e não no segundo trimestre, como muitos acreditam — é que a Selic pode começar a cair e "muito gradualmente."
“Nos últimos tempos, todo mundo que tentou prever errou. A inflação tem sido muito mais persistente, não só no Brasil, do que se previa.” O ambiente de incerteza e riscos ainda predomina, em especial sobre as cadeias de abastecimento global, devido principalmente à política de covid zero da China e à desorganização da produção ainda devido à pandemia.
Na visão de Mansueto, o Banco Central melhorou sua comunicação, com essa última ata do Copom, o que é muito positivo. Por isso, apesar das indicações de que a taxa de juros possa terminar o ano que vem em 10% e, 2024, em 7,5%, a instituição está correta ao falar em Selic elevada pelo tempo necessário, pois deixa o BC livre de amarras, podendo inclusive promover novos aumentos mais à frente, se necessário.
Mesmo assim, o Brasil já está pagando — e vai continuar — um preço bastante salgado para controlar a inflação. “Nesse ano, o PIB deve crescer entre 1% e 1,5%, mas no ano que vem há risco grande de retração da atividade.”
Com tudo isso, o país ainda está à frente do restante do mundo na luta contra o dragão. Enquanto aqui, a inflação já deu sinais de que está recuando, lá fora continua subindo. A fé dos mercados, para se manter ligeiramente otimista, é que por começar antes o ciclo de alta na taxa de juros, o Brasil também poderá ser pioneiro nos cortes — quando chegar o momento.
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