Fernando Ferreira, diretor no Grupo Tapajós: foco nas melhores condições para clientes e em modelo de franquia são a receita para avançar localmente (Grupo Tapajós/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 13 de dezembro de 2022 às 10h34.
Última atualização em 21 de dezembro de 2022 às 16h36.
O Grupo Tapajós é um daqueles casos clássicos de grandes empresas que ajudam a mostrar o tamanho do Brasil fora do eixo Rio-São Paulo. Fundado há 28 anos, é líder no mercado farmacêutico do Norte do país e fatura R$ 1,2 bilhão por lá. Começou com atacado, mas, hoje, 60% desse montante vem do varejo. Entre expansão orgânica e compras de concorrentes, a companhia conseguiu se estabelecer em uma região de logística complicada e tem uma ampla rede de distribuição, tanto à população quanto às farmácias independentes. Mas está longe de ficar parada. De olho em uma concorrência que avança cada vez mais rápido — e vem mais bem preparada — o grupo está focado em expansão: vai abrir 50 novos pontos de venda, além de inaugurar dark stores e acelerar projetos de franquias e de transformação digital. Haja fôlego.
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A busca por crescimento e por trazer acesso a medicamentos para a população na região faz parte da história do grupo desde o seu nascimento. Em 1994, a companhia surgiu por iniciativa de empresários do Pará, mais especificamente de Santarém — cidade banhada pelo Rio Tapajós, daí o nome da empresa — que começaram um pequeno negócio no setor farmacêutico. No início, era principalmente uma distribuidora, que saía da cidade para Manaus.
Em 2006, a companhia entrou no varejo com uma aquisição de uma rede de farmácias local, criando a rede Santo Remédio e, em 2018, ganhou musculatura suficiente nessa vertical por meio de uma expansão inorgânica, a compra da rede Farmabem. A aquisição trouxe um marco importante para o grupo: foi com ela que conseguiu, pela primeira vez, ter uma receita maior vinda do varejo do que do atacado: hoje, do R$ 1,2 bilhão de faturamento anual, 60% vem da venda de produtos diretamente ao consumidor. Em uma perspectiva geral, o grupo tem o 14º maior faturamento do Brasil, de acordo com informações da Abrafarma. Ainda distante da liderança nacional, é claro, mas extremamente relevante na região, que representa 2% do mercado consumidor do setor no país.
Na mesma medida em que trouxe uma oportunidade, a aquisição trouxe um desafio. A compra da Farmabem custou R$ 230 milhões por 70 lojas, em um prazo bastante curto de pagamento. Logo, nos últimos dois anos, o grupo não cresce da forma como deveria, na última linha do balanço, porque está em um momento de pagar o investimento que fez lá atrás. Agora, mira novos mercados para retomar a trajetória desejada. Regiões como Boa Vista, Porto Velho e o próprio Amazonas estão na mira da empresa daqui para frente.
Hoje, o Grupo Tapajós tem 130 lojas, das marcas Santo Remédio, Farmabem e Flexifarma (direcionadas a consumidores com diferentes poderes aquisitivos). Isso sem falar no atacado, que segue firme e forte na empresa, atendendo 4.500 farmácias independentes nas mesmas regiões. A vontade de investir e de crescer tem um motivo claro: tornar a companhia cada vez maior em meio à chegada da concorrência. Se, há treze anos, quando se tornou verdadeiramente grande em Manaus, a principal concorrência era local, no Brasil de 2022 o cenário é totalmente diferente. Gigantes como a RD (dona da Droga Raia e Drogasil), grupo 25 vezes maior do que o Tapajós em faturamento, tentam estabelecer presença por lá, bem como grandes distribuidores, como a Santa Cruz, líder no país.
Não que a tarefa seja necessariamente fácil para eles, mesmo com maior ‘poder de fogo’ financeiro. “Logística e mão-de-obra são pontos complicados para a região. Você tem de formar quase do zero o time que vai construir o negócio, o que é um grande desafio. Nesse sentido, a gente brinca que é o ‘McDonald’s’ do setor farmacêutico do Norte. Todo mundo que está nesse mercado, em Manaus, meio que começou com a gente”, diz Ferreira.
Para dar uma dimensão do tamanho da importância do grupo por lá, a cada duas caixas de medicamento vendidas em farmácias de Manaus, uma sai do Centro de Distribuição do Grupo Tapajós. Se o CD fecha, não há tempo hábil para ninguém chegar na região com um medicamento. Mas para entender isso, é necessário entender que o ritmo de prazos de entrega funciona numa lógica muito diferente da que se está acostumado a ver no Sudeste.
Um medicamento leva, em média, 30 dias para chegar em Manaus (saindo do Sul ou do Sudeste). É uma rota rodoviária até Belém, um tanto de balsa até a cidade e, quando se chga nela, há ainda um desembaraço alfandegário (por conta da Zona Franca) que leva mais tempo. A rota mais rápida é aérea, que leva um terço do tempo para sair do fornecedor e chegar ao centro de distribuição local. Isso é só o começo. Além do prazo maior para entrega, há que se ter um controle cuidadoso de fluxo de caixa, uma vez que os fornecedores do Grupo Tapajós dão entre 30 e 60 dias de prazo para pagamento. Traduzindo: os medicamentos chegam ao centro de distribuição já sem prazo para vender. A companhia, pela experiência no setor e na região, consegue driblar essa dificuldade para conceder outros 30 a 60 dias de prazo às farmácias independentes que abastece na região.
Some a esse desafio o custo de energia. “Em Manaus, o custo de energia elétrica é equivalente ao de ter bandeira vermelha o ano todo. Imagine ter que lidar com centros de distribuição refrigerados em uma cidade com o custo de vida tão alto? Isso também tem de ser considerado e é um desafio”, diz Ferreira.
O executivo ressalta esses pontos como diferenciais competitivos em relação a quem quer chegar por lá agora. O conhecimento logístico para entregar em regiões que fazem fronteira com a Colômbia, por exemplo – e o fato de ser a única rede que entrega por lá, mesmo com a chegada da distribuidora líder nacional — somado ao conhecimento de pontos de entrega de medicamentos de ribeirinhos (num modelo onde não há seguro para as rotas que os medicamentos percorrem) são, é claro, um trunfo e tanto diante da concorrência que chega agora. Dentro de casa, a empresa ainda conta com o fato de ser bastante enxuta e de ter passado de seis para apenas dois diretores abaixo do CEO. “A gente tem de ser ágil. Não dá para ter burocracia demais dentro da empresa. Não é o grande que engole o pequeno, mas o rápido que engole o lento”, diz o executivo.
Para avançar rumo ao futuro e realmente conseguir manter a posição de liderança que tem, a companhia escolheu um modelo de crescimento mais ‘asset light’, ou seja, com franquias. A ideia é que se crie um ciclo virtuoso a partir da relação da distribuidora do grupo com as farmácias independentes, o que, no fim das contas, vai alimentar o varejo do grupo e assim sucessivamente.
A estratégia para a primeira ponta da cadeia, a distribuição, vem de uma inspiração norte-americana, a McKesson. Ferreira traça um paralelo da situação pela qual o grupo regional passa atualmente com o cenário enfrentado pelos Estados Unidos nos anos 1990, época do ‘boom’ de redes como as bastante conhecidas CVS e Walgreens — que não extinguiram completamente farmácias menores, redes locais e independentes.
“O que as salvou? A McKesson. A distribuidora fornece também para as grandes redes, ao mesmo tempo que, para as menores, deu gestão, softwares que permitiam precificar melhor, programa de fidelidade e pede, em troca, que os estabelecimentos comprem dela. É um modelo que funciona até hoje nos Estados Unidos com sucesso”, afirma o executivo. No Brasil, nenhuma distribuidora quis dar esse grande passo. E isso, para Ferreira, abre caminho para a empresa tentar a vez dentro dele.
As farmácias com quem a companhia quer fortalecer esse relacionamento são, é claro, as independentes com a maior venda na região. Ao mirá-las para uma distribuição mais eficaz, a empresa também negocia com elas para que sejam envelopadas com a marca Flexifarma. Depois de firmado o contrato, o Tapajós segue a mesma receita gringa: dá suporte, produtos em uma condição de menor preço praticado pelo grupo, inteligência de marketing, etc, e em troca, fideliza esse público para que compre dele. Hoje, 20 lojas funcionam nesse esquema em Manaus, um número que a companhia pretende elevar para 100.
“Um dos maiores desafios do varejo é a quantidade de produto para cuidar. Uma loja nossa tem 15 mil SKUs. E você, como independente,fica difícil selecionar o que vai vender e o que não. Isso sem falar que o dono da farmácia compra ali meio que como se pedia pizza antigamente, por telefone. Imagine o tempo gasto nessa tarefa. Some os dois e o resultado é que sempre trabalham com faturamento mais achatado, algo que começa a mudar quando a gente passa a se responsabilizar pela gestão da loja”, diz o executivo.
Com mais lojas referência ‘envelopadas’ com as marcas do grupo, a companhia ganha densidade no mercado manauara, ganhando mais oportunidades de acesso ao público tanto no ambiente físico quanto no digital. É uma estratégia que já começou a dar resultados, mesmo ainda com as lojas próprias: hoje, 80% de todos os medicamentos vendidos pelo iFood em Manaus são entregues pela companhia, pela capilaridade que tem, o que gera um faturamento mensal de R$ 1,2 milhão só a partir desse canal.
“O motivo inicial da franquia é blindar o mercado contra a líder de mercado. Uma vez que funcione, eu consigo pensar mais. o movimento nasce com um objetivo claro: eu preciso que o concorrente deixe de comprar na Santa Cruz porque ele percebe que trabalhar com a gente gera valor para ele”, diz Ferreira.
Tudo muito lindo, na teoria. A prática já encontra seus desafios. O primeiro está, claro, nas pessoas: cultura. Como convencer o dono de farmácia que ele tem de encontrar uma nova função e, mais, que a gestão dele será mudada? Como encontrar o novo papel dele em meio a essa transformação? Esse é um desafio enfrentado pelo grupo.
“Nós garantimos que ele vai comprar pelo melhor preço que eu tenho, e também ele tem de confiar em mim, porque faço o preço para ele vender. Eu perco um pouco da minha margem para garantir o preço baixo e ele tem de reduzir um pouco a dele para que o produto se torne atrativo. Veja, se eu vendo um produto por R$ 1, pra ele vender por R$ 2, se ele botar por R$ 5 esse produto vai dar problema depois”, diz Ferreira.
O segundo, ainda em pessoas, está em convencer os donos de farmácia de que mais vale ter recorrência de clientes do que vender um monte de medicamentos de uma vez só. Hoje, um modelo comum em Manaus é o de farmácias independentes comprarem poucos produtos em grande quantidade, de olho em vendas maiores para os clientes. O desafio, agora, é mexer no mix de produtos desses locais, convencendo os donos dos estabelecimentos de que a conta vai fechar no fim do mês com a maior recorrência de clientes.
Trabalhar a gestão ‘da porta para fora’ será um ponto essencial para o grupo avançar. Não dá para esquecer que foram erros justamente nessa frente (e a ambição de incorporar redes menores, com integrações incompletas) que contribuíram para que a BR Pharma tivesse o fim que teve. Em meio a concorrentes com experiência centenária no setor, o Grupo Tapajós quer mostrar que pode escrever uma história diferente, rumo a se tornar uma companhia longeva. Validado o modelo no norte — e superados os desafios atuais — a empresa estuda, sim, uma expansão nacional. Mas tudo com muita calma. O foco, primeiro, é o de fazer o que tem feito ao longo dos últimos 28 anos: prestar um serviço de qualidade à população local, usando o melhor da experiência que tem.