"Copa das zebras": pesquisadores defendem que conhecimento, no futebol, é implacável para obter resultados ao longo do tempo (Christian Charisius/picture alliance/Getty Images)
Karina Souza
Publicado em 18 de dezembro de 2022 às 11h00.
Última atualização em 19 de dezembro de 2022 às 13h34.
A final da Copa do Catar aconteceu neste domingo (18). Saiu vitoriosa a Argentina, que possui uma seleção com tradição no futebol e com um dos jogadores de maior destaque na atualidade, Leonel Messi. Mas o desenrolar das rodadas levou muitos a chamar a competição de “Copa das Zebras”. A derrota da própria Argentina para a Arábia Saudita, da Alemanha para o Japão foram apenas algumas imprevisibilidades. Elas destruíram as apostas dos mais entendidos em futebol nos bolões Brasil afora. Diante de resultados pouco prováveis — principalmente nas primeiras fases do campeonato — quem se deu bem foram, é claro, os azarões. O que levanta a questão: afinal, dá para medir essa sorte? E até onde vale a pena mensurar resultados e estudar desempenhos para encontrar alguma previsibilidade?
Para um grupo na FGV, a discussão virou iniciação científica. Nove alunos (e três orientadores) analisaram todos os confrontos entre as 222 seleções da Fifa, realizados nos últimos quatro anos. Além disso, fizeram um milhão de simulações de toda a tabela da Copa. Com base nesse estudo (totalmente pré-torneio) apontaram que havia uma chance de 40% de o Brasil ser campeão. Agora, na reta final do torneio, com base nessa complexa análise, eles apontam que a Argentina tem uma chance de 37% de ser campeã e, a França, de 33%.
A final mostrou, neste domingo, que os hermanos levaram a taça — em uma disputa, de fato, apertadíssima. Mas, para além da final do torneio, o que o modelo mostrou foi que, apesar dos resultados improváveis, se mostrou suficientemente eficaz. Até agora, zerou em pontuação 12 dos 60 jogos realizados até esta terça-feira (13) — sendo estes principalmente as zebras do período. “O modelo não dá 100% de certeza de que um time vai passar e prevê desvios pequenos, como os que aconteceram. Ainda é um estudo em andamento, mas estamos bastante satisfeitos com os resultados”, afirma Juliana Carrica, uma das estudantes responsáveis pelo projeto, ao EXAME IN.
O que a aluna e o professor, Moacyr Alvim, afirmam, é que um dos fatores relacionados ao sucesso do modelo tem a ver com previsibilidade. Bem ou mal, são 11 jogadores de cada lado do campo, em partidas de 90 minutos. Há pouca variação — é claro que o desempenho não é exatamente igual a cada jogo — mas há um número limitado de fatores que influenciam o desempenho de cada time. Não à toa, ao longo do tempo, apesar de resultados improváveis acontecerem, a tendência é que quem acompanha os jogos e entende o desempenho de cada time consegue ter resultados melhores.
Por causa dessa correlação, há até mesmo um estudo conduzido pelo MIT que considera essa modalidade de jogo (chamada de Fantasy Game, no formato de apostas do tipo Cartola, por exemplo) não mais um jogo de azar. De fato, pessoas que têm grande conhecimento do histórico de times jogadores tendem a ter um nível de acerto fora da média.
O estudo do MIT é interessante aplicado ao universo dos jogos, é claro, mas está longe de ser o único que procura buscar um sentido entre quem estuda de fato um mercado específico e os ‘azarões’, comparando resultados para um e para outro. Saindo dos esportes e indo para os investimentos, o mercado de ações já foi alvo de alguns estudos similares. Ainda que a conclusão esteja longe de ser unânime, não deixa de ser interessante olhar para o que já foi feito e os resultados defendidos até então.
Em 1973, Burton Malkiel, professor da Universidade de Princeton, lançou o livro “Uma caminhada aleatória por Wall Street”, em que defendeu que um macaco, vendado, ‘jogando dardos’ sobre um jornal pode selecionar um portfólio que vai ter resultados tão bons quanto os cuidadosamente selecionados por experts”. A título de curiosidade: em um artigo posterior, de 2003, Malkiel explica um pouco melhor o experimento, falando que não se trata, literalmente, de uma seleção de poucas ações aleatoriamente, mas de um fundo amplo de ações que tenha uma estratégia de buy and hold e com taxas de administração relativamente baixas.
Fechado o parêntese, o que o professor defende em sua tese é a ideia de eficiência do mercado de ações. Que quer dizer, em linhas bastante gerais, que o mercado é eficiente em refletir o que se sabe sobre ações individuais e sobre o mercado de ações de modo geral, consequentemente. Vai em linha com a visão popularmente defendida lá pelos anos 1970, com artigos como o de Eugene Fama, intitulado “Efficient Capital Markets”, de que quando novas informações sobre uma empresa surgem, as notícias sobre ela se espalham rapidamente e são incorporadas aos preços das ações de cada dia. E, dado que as notícias são imprevisíveis, tentar encontrar algum sentido para previsibilidade do mercado não seria uma alternativa lá muito eficaz.
“Dessa forma, nem análise técnica, que consiste nos preços passados para tentar antecipar preços futuros, nem análise fundamentalista, que tenta encontrar ações ‘subavaliadas’, poderia proporcionar retornos acima da média para o investidor do que comprar e ficar com um portfólio selecionado de ações individuais. Pelo menos, para ações com risco comparável”, afirma Malkiel.
A pesquisa de Malkiel tem quase 50 anos, é verdade, mas em entrevista à Bloomberg em 2019, o autor afirmou acreditar no conceito mais do que nunca. "A S&P faz um estudo todo ano em que compara gerenciamento ativo com investimento em índices e o que eles descobriram nos últimos estudos é que, em um período de 15 anos, 90% dos active managers são superados pelo índice. Não é que ninguém supere o índice, claro, mas é como procurar uma agulha num palheiro. Eu acredito que índices podem responder por 60%, 70%, até 90% do mercado e ainda seriam mais eficientes, na mesma comparação". Questionado a respeito de como tornar a indústria de ETFs mais rentável, o professor aponta que os robôs advisors (lembrando que ele mesmo é CIO da Wealthfront, uma das primeiras firmas a fazer isso nos Estados Unidos).
Esse estudo não foi o único em busca de respostas. Outro, conduzido em 2001, pela Research Affiliates, buscou testar novamente o que Malkiel havia feito no passado. A companhia selecionou aleatoriamente 100 portfólios com 30 ações de um universo de 1.000 ações. Repetiram o processo a cada ano, de 1964 a 2010, e acompanharam os resultados. Na média, 98 dos 100 portfólios aleatórios bateram a capitalização de mercado do conjunto das 1.000 empresas a cada ano.
Em um artigo publicado pela Forbes, na época, o resultado (tanto o encontrado por Malkiel quanto o da empresa de investimentos) pode ser explicado pelo conjunto de empresas de valor e empresas de crescimento que compõem os grupos. Rick Ferri, analista financeiro, mostra que, de 1964 a 2011, o retorno anualizado pelas 1.000 ações selecionadas foi de 9,7%. Subdividindo por grupos, as 30 maiores empresas respondem por aproximadamente 40% da capitalização de mercado do todo, com um retorno de 8,6% anualmente. As outras 970 ações respondiam por 60% da capitalização e tinham um retorno de 10,5%.
“Qualquer portfólio de 30 ações selecionadas aleatoriamente da lista vai incluir principalmente pequenas companhias. Dado que elas têm um retorno superior ao das grandes empresas, é assim que os macacos de Malkiel batem o mercado”, afirma o executivo.
Também entra na conta o tamanho da incerteza ao longo do tempo. Focando principalmente no último ano da pesquisa, 2001, é quase impossível ignorar o período turbulento em que estava inserido, com crises em diferentes lugares do mundo desde 1995. “Em meio a um cenário tão incerto, não é raro que pessoas com apostas ‘estranhas’ tenham ido bem, porque tudo que era previsível até o momento deixou de ser. Um mix de empresas de valor com poucas empresas de crescimento tem grandes chances de ir bem nesse momento”, diz Sidney Oliveira, professor do Ibmec.
A tese é defendida por outros bilionários, como o próprio Warren Buffett, mas também encontra seus críticos. Michael Burry, o investidor que anteviu a crise do subprime e foi retratado no filme em "A Grande Aposta" afirmou em um artigo que os fundos de índice serão a próxima bolha do mercado. De acordo com ele, basicamente, à medida que o volume de investimentos nesse tipo de fundo aumenta, algumas ações ficam overvalued, o que o investidor compara às distorções de preço que geraram a crise do subprime.
Entre um e outro lado, o que fica óbvio e claro é que retorno acima da média só existe para quem está disposto a correr risco acima da média - o que não é exatamente uma novidade. No fim do dia, as bolhas são mais a regra do que a exceção, o que elimina espaço para que retornos excessivos estejam ‘de graça’ à disposição de investidores. Ainda assim, ninguém está imune às ‘zebras’.
No futebol, mesmo com uma previsibilidade muito maior do que no mercado de ações (considerados a quantidade de fatores envolvidos), a Copa do Catar deixou claro que, até para os mais estudados, é possível errar. Os bolões, entretanto, bem como os sites de apostas, seguem a todo vapor. Já no mercado de ações, períodos como o atual, de um acúmulo de incertezas — as questões entre China e Taiwan, guerra na Rússia, inflação ainda sem estar sob controle na maior parte dos países da Europa — provocam um período de turbulência em que azarões podem colher bons resultados.