Planta da Sigma Lithium, em Minas Gerais: extração de lítio 'verde' é patente da companhia (Sigma/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 9 de dezembro de 2022 às 07h00.
Última atualização em 10 de dezembro de 2022 às 18h32.
Transformar o Vale do Jequitinhonha no “Vale do Lítio verde”. Essa é a missão da Sigma Lithium, empresa canadense que já investiu mais de R$ 2,3 bilhões no país — cifra que vai chegar a R$ 4,8 milhões ao longo dos próximos anos. E ainda é só o começo, na visão de Ana Cabral-Gardner, co-CEO da companhia, em entrevista ao EXAME IN. Tanto otimismo, mesmo em um momento no qual a empresa nem começou a operação comercial propriamente dita, tem um motivo claro: a produção do minério de forma sustentável.
Trata-se de um objetivo que a empresa conseguiu atingir depois de seis anos de estudos e que resultou em um modelo patenteado, cujo resultado é um lítio de alta qualidade. Para ter uma dimensão do que isso significa, no mundo, só a Sigma e outra concorrente (em uma planta de cada uma) conseguem produzir lítio verde.
Não bastasse ter conseguido chegar no modelo ideal de transformação do minério, a companhia divulgou, nesta semana, que pode triplicar a produção inicialmente estimada para os próximos anos. E já conseguiu os fundos necessários para transformar isso em realidade. Falta, agora, a aprovação final do conselho para começar a colocar tudo em marcha.
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“As condições para analisar a proposta eram a viabilidade de a expansão ser alimentada com matéria-prima de minério integrada, ou seja, eu alimentar com meu próprio minério, e a segunda condição era financiamento. Conseguimos, neste fim de ano, mostrar os dois”, diz a co-CEO.
Em comunicado enviado ao mercado, a empresa canadense anunciou a captação de US$ 100 milhões para financiar a expansão da planta atual, um dinheiro captado com a Synergy Capital, companhia baseada nos Emirados Árabes e que já é acionista da Sigma (o controlador da empresa é o fundo de private equity A10 Investimentos).
O dinheiro será usado para ampliar a capacidade de produção de equivalente de carbonato de lítio (LCE), um dos principais componentes de baterias para carros elétricos. Em vez de serem produzidas 36.700 toneladas por ano, podem ser produzidas 104.200 toneladas, como mostram estudos recentes conduzidos pela empresa. Ao todo, serão produzidas 270 mil toneladas de concentrado de lítio por ano em 2023, uma capacidade que será triplicada até 2024, passando para 766 mil toneladas. Caso a proposta realmente seja aprovada, a companhia estará no patamar das quatro maiores empresas de lítio do mundo, do lado da Albemarle, SQM e Gangfeng.
Isso sem falar no quanto a tecnologia possibilita que a empresa avance a passos largos no mundo todo. A executiva afirma que, atualmente, há países oferecendo um fast track de licenças para companhias que têm um processo verde de produção do lítio. Governos da Argentina, Canadá e Arábia Saudita são alguns exemplos de locais que estão acelerando o processo de licenciamento -- o que, no fim, abre mais espaço para a companhia expandir.
Há uma razão a mais para o otimismo do mercado em relação à produção de lítio por parte da Sigma. Mais material em um mundo de escassez já seria ótimo, mas fato é que a Sigma afirma que o produto final entregue por ela é tecnicamente superior ao lítio extraído da forma tradicional. “A gente conseguiu acertar o processo de purificação, separação e concentração do lítio para esses altos níveis de pureza e mantendo nosso produto em alta qualidade. É um produto que está no Brasil há 30 anos, virava graxa. E o que fizemos? Construímos a planta e estimamos entregar um lucro líquido de US$ 1 bilhão por ano”, afirma Cabral-Gardner.
Em detalhes, o projeto tem três fases: na primeira, que compreende o primeiro ano de operação, a estimativa é gerar US$ 1 bi em lucro líquido. Na fase dois, entre o segundo e o oitavo ano, deve gerar US$ 2,6 bilhões anualmente e, na fase 3, entre o nono e o 13º ano, US$ 650 milhões. Hoje, a companhia já tem R$ 6 bilhões empenhados para a região, um orçamento que deve crescer cada vez mais, na visão da co-CEO, uma vez que a empresa é uma produtora de lítio de baixo custo.
“É como a Vale, por exemplo, quando o minério de ferro está a US$ 100, aparece muita concorrência, mas, quando está a US$ 40, só as maiores, como ela, geram receita, caixa e resultado positivos. O intuito da curva e da nossa estratégia é mostrar que como o mercado hoje está super aquecido, vale a pena trazer mais produção para já”, afirma a executiva.
O projeto, como um todo, foi inicialmente dimensionado para entregar a quantidade inicialmente proposta de lítio por cerca de 20 anos. Com a escassez do componente globalmente e o aumento de preços — o Financial Times aponta que os preços de lítio subiram dez vezes, para US$ 75 mil a tonelada desde o começo de 2021 — a companhia optou por conduzir estudos que provassem que era possível acelerar a produção, e o projeto foi reduzido para 13 anos. Mas não se trata de algo completamente resolvido. De acordo com a co-CEO, os planos são de a companhia conseguir voltar ao horizonte de 20 anos, mantendo a produção maior.
O conjunto da obra chamou a atenção do mercado. O Bank of America, em relatório publicado no início desta semana, aumentou o preço-alvo da ação para US$ 47 (hoje, a ação está cotada a US$ 36). Avaliada a US$ 3,5 bilhões, a companhia experimentou um salto de 275% no valor de mercado só neste ano. Além dos planos já propostos até o momento, que estão divididos em fase 1, 2 e 3, os analistas Matthew DeYoe, Steve Byrne, Rock Hoffman e Salvador Tiano afirmaram já esperar mais detalhes de uma possível fase 4 no fim deste ano. Eles estimam que a empresa possa ser negociada a múltiplos melhores, com isso, uma vez que a companhia ainda é negociada em patamares muito distantes dos observados na concorrente Livent Corporation: cerca de duas vezes EV/Ebitda, enquanto a outra companhia é negociada a dez vezes o mesmo múltiplo.
Olhando com mais detalhes para cada uma das fases, a Sigma divulgou ao mercado que a “Fase 1” do projeto consiste em disponibilizar lítio para a operação comercial, algo que deve acontecer já em abril de 2023. Na data, serão enviadas 60 mil toneladas de concentrado de lítio à LG, lembrando que a companhia sul-coreana tem uma joint-venture com a Stellantis. Ou seja, mais suprimentos para produzir baterias para carros elétricos.
A joint-venture com a empresa coreana é, indiretamente, uma forma de a companhia conseguir retornar a companhias que operam no Brasil parte do investimento feito por elas para permanecer por aqui. Em tempos de lítio escasso, a lista de prioridade da companhia é direcioná-lo a algumas das maiores empregadoras do Brasil.
É um objetivo que conversa, em boa medida, com a ambição de transformação social do lugar em que a companhia atua. Quando chegou à região, em 2010, a companhia encontrou um local em que 94% da renda era oriunda de algum tipo de assistência governamental. Em 2016, chegou ao modelo ideal de tecnologia para produção do lítio e, em 2018, abriu capital. “Na época, a planta não vivia ligada, a gente ligava só para rodar a amostra grátis para os clientes. Ninguém acreditava que o produto poderia ser tão bom. Depois de testá-lo, fechamos vários contratos”, diz a co-CEO.
Hoje, com base em todos os dados apresentados pela companhia, descontados os fluxos de caixa a valor presente, está avaliada em US$ 15,3 bilhões, um salto significativo em relação a maio deste ano, em que essa cifra era de US$ 5,1 bilhões. E ainda é só o começo.