Light: metade das emissões domésticas foram em debêntures incentivadas, distribuídas diretamente no varejo (MadamLead/Getty Images)
Editora Exame IN
Publicado em 12 de abril de 2023 às 12h01.
Última atualização em 14 de abril de 2023 às 20h08.
A Light (LIGT3) tem um desafio e tanto pela frente. E não se trata da dívida financeira em si, que ultrapassa R$ 11 bilhões, nem o problema do vencimento das concessões em breve, nem as perdas geradas com acessos irregulares à rede de abastecimento. É tudo isso com um agravante: reunir a base de credores para conseguir estabelecer uma negociação, qualquer que seja. Existem duas iniciativas em andamento: um grupo de bondholders que está perto de contratar a Moelis &Co, que participou das renegociações de Oi e da OEC, a construtora do antigo grupo Odebrecht, e os debenturistas, que contrataram o escritório de advocacia Lefosse. Montar a dinâmica para um acordo, seja dentro ou fora de uma recuperação judicial, não será nada trivial nesse caso.
Os bondholders são um grupo mais homogêneo, menos disperso. Já os debenturistas estão espalhados por milhares de CPFs, graças às plataformas digitais de investimento. Do total de compromissos financeiros, R$ 7 bilhões estão nas mãos de debenturistas e R$ 3,3 bilhões são papéis emitidos no mercado externo, os bonds. A diferença até o total da dívida está em créditos bancários. O problema maior está nas debêntures, em que mais da metade está dispersa entre pessoas físicas. Entre 2017 e 2021, a Light emitiu R$ 3,5 bilhões em debêntures incentivadas, isentas de imposto de renda, que são classicamente distribuídas entre investidores de varejo, via plataformas. Inclusive em 2021, a companhia emitiu papéis com vencimento em 2031, ou seja, com prazo superior ao vencimento das concessões.
Próxima de ter de honrar um vencimento da ordem de R$ 450 milhões em amortizações e juros, a companhia recorreu à Justiça e solicitou uma medida cautelar que funciona como proteção contra credores para conseguir negociar via mediação.
Essa etapa intermediária foi criada na reforma da Lei de Falências e sua relevância foi destacada dentro do caso Americanas, quando a Justiça decidiu que a proteção contra execuções só valeria a partir do pedido de recuperação judicial, apesar de ter existido uma cautelar 7 dias antes – justamente porque a companhia não tentou nenhuma negociação mediada antes, ou seja, pulou uma etapa. Essa fase não é obrigatória. Mas é necessária quando existem pedidos de urgência.
A iniciativa só deixou frustrados, conforme o EXAME IN apurou, aqueles que receberiam os recursos. Os demais credores entenderam a iniciativa como sensata, dado o temor sobre o futuro que se instalou no caso da companhia.O ano de 2023 não seria nem o pior. A empresa terminou dezembro com R$ 2 bilhões em caixa, para vencimentos pouco superiores a R$ 800 milhões ao longo do exercício. O problema maior estaria justamente entre 2024 e 2026, com R$ 8,2 bilhões em compromissos financeiros concentrados nesse período – justamente o momento quente da discussão sobre a renovação das concessões. A da distribuidora vence em 2026 e da geradora, dois anos depois, em 2028.
O aumento das incertezas em relação ao futuro da Light ocorreu após a divulgação do balanço referente a 2022. A percepção é que houve uma faxina geral dos números e muitos ajustes sobre o que era divulgado antes apareceram como necessários de uma só vez: a soma dos diversos itens não recorrentes trouxe um impacto negativo superior a R$ 5 bilhões no balanço.
Houve um susto e, partir de então, o nível de incerteza aumentou drasticamente e a companhia sofreu rebaixamentos relevantes no rating de suas dívidas financeiras, o que gerou a necessidade de execução de alguns compromissos antecipadamente.
A empresa então pagou o FII-FGTS, mas o receio de que outros detentores de dívida começassem a ‘puxar’ ou solicitar vencimento antecipado de dívidas levou à iniciativa pela via Judicial. Dito e feito. O pedido de proteção contra credores foi feito no dia 10 deste mês. Ontem, dia 11, a companhia recebeu notificação das distribuidoras de valores responsáveis pelas debêntures sobre a declaração de vencimento antecipado dos compromissos – Pentágono, XP, Vórtx e Simplific. Os compromissos todos, portanto, seriam acelerados.
A Light é uma concessionária de serviços públicos. Portanto, não pode colocar as empresas operacionais dentro de uma recuperação judicial, caso julgue necessário. Mas há caminhos. É possível fazer com que a holding solicite a proteção e que o juiz, a pedido da companhia, estenda a proteção contra credores para as controladas que detêm realmente as atividades.
A solução para o futuro da Light não tem um caminho fácil. Além de organizar o problema bastante relevante, o da pulverização da base, é preciso dar um fim à falha estrutural de modelo. A companhia tem perdas muito relevantes com as fraudes no acesso ao sistema, da ordem de 52% de sua receita.
A situação no Rio de Janeiro é tão insolúvel que já existe uma previsão de que essas perdas sejam colocadas na fórmula de cálculo aplicada pelo regulador do setor, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Só que a autarquia trabalha com um nível de perda estimado de 30%.
Aplicar os 50% na fórmula, na visão de especialistas, não resolve o problema. Ao contrário, pode torná-lo maior. Com uma tarifa muito alta, uma parcela maior da população pode decidir deixar de pagar e partir para a irregularidade. E dividir as perdas com a população local pode tornar a tarifa ainda mais cara.
Existem discussões sobre uma possível socialização maior do problema, através de acesso a recursos de fundos setoriais – existentes ou novos. Só que esse debate precisa ocorrer dentro da discussão da renovação da concessão, pois tem a ver com as regras de viabilidade econômica. O problema? O tempo que isso pode tomar. A Light precisa avisar no meio desse ano se pretende renovar a concessão da distribuidora. Passada essa etapa, a Aneel teria 18 para apresentar uma proposta. Só aqui já muito tempo se passou e a companhia entrará no período em que os vencimentos financeiros se concentram. E nesse intervalo, começará também a discussão sobre o vencimento da concessão de geração de energia.
Uma verdadeira salada de problemas, juntos e misturados. Uma saída de curto prazo seria a companhia captar recursos de alguma maneira. A liquidez não resolveria o problema, mas daria fôlego para a empresa debater tudo ao seu tempo. A grande dúvida é quem no atual cenário de forte restrição ao crédito concederia recursos à companhia e qual custo.
Há cerca de três anos, Ronaldo Cezar Coelho, ex-controlador do banco Multiplic e dono do fundo Samambaia, decidiu se tornar o acionista de referência da Light. Tem pouco mais de 20% do capital. Junto com ele, veio Beto Sicupira, do trio de investidora da 3G Capital e o sócio mais próximo da varejista Americanas, e adquiriu 10% da empresa.
Coelho e Sicupira, portanto, são donos conjuntamente de 30% da Light e respondem pela gestão da companhia. Desde meados de 2022, a empresa passou por mudanças relevantes no comando, Firmino Ferreira Sampaio Neto e Raimundo Nonato renunciaram das posições de presidente do conselho de administração e presidente executivo (Sampaio segue como conselheiro). Já ali as tensões em torno do ativo aumentaram. Ambos eram considerados relevantes para o projeto de recuperação do negócio e tinham passagem pela Equatorial Energia, um negócio construído pela GP Investimentos.
A GP Investimentos foi o berço dos investimentos do trio Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles. Mas, desde o começo dos anos 2.000 os três deixaram o negócio para os sucessores e se afastaram por completo do quadro societário.
Entre o fim de março e início de abril, o conselho de administração da Light sofreu duas baixas: saíram Ana Amélia Campos Tosi e Lavinia Rocha de Hollanda. No conselho de administração atual predominam pessoas com passagem ou vínculos com empresas que foram ou são ligadas à GP e ao trio 3G, como o próprio Firmino Sampaio, Abel Alves Rochinha, Vanessa Claro Lopes (ex-conselheira e membro do comitê de auditoria da Americanas) e Yuiti Matsuo Lopes, que trabalha na LTS Investments (de Lemann, Telles e Sicupira). Também compõem o colegiado, Wilson Poit, atual presidente do órgão, e Hélio Ferraz.
Para eleição na assembleia de 28 de abril, a sugestão da empresa são os mesmos nomes, exceto por Vanessa Lopes. No lugar dela consta a indicação de Thiago Osório, que atuou no banco Rothschild por 15 anos. A Geração Futuro, por meio do fundo do investidor Lirio Parisotto, solicitou voto múltiplo e indicou para o colegiado Octavio René Lebarbenchon e mais dois nomes para conselho fiscal.