Fábrica da Klabin: royalties deste ano devem alcançar R$ 67 milhões (Germano Lüders/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 16 de setembro de 2020 às 21h16.
Última atualização em 16 de setembro de 2020 às 23h41.
Os donos da Klabin já vão sair no lucro se a operação em curso de compra da marca, que pertence à família controladora e não à empresa, for concluída com sucesso. O valor de mercado das 93 milhões de ações ordinárias que receberão como pagamento está agora em mais de 490 milhões de reais. A companhia planeja, desde o ano passado, comprar seu próprio nome, pelo qual atualmente paga royalties: 1,3657% da receita com papel cartão e papelão ondulado. Esse contrato, que data de 1995, é uma âncora na percepção de governança da empresa.
Quando a operação foi anunciada, a Sogemar, holding que tem os direitos em nome da família, foi avaliada em 367 milhões de reais. Na ocasião se estabeleceu a quantidade de ações com base em uma média da cotação das units — uma cesta de ações que contém 1 ordinária e 4 preferenciais — de 60 dias. São os papéis mais líquidos da B3 e, em tese, os que refletem melhor a percepção de valor do negócio. O intervalo usado de parâmetro terminava em 25 de junho. O acordo foi anunciado ao mercado em 22 de julho, quase um mês depois.
Na tentativa de aprovação dessa transação em 2019, o critério usado foi rigorosamente o mesmo. A empresa, portanto, seguiu a mesma lógica. Há uma única e pequena diferença: a média de 60 dias foi fechada em 1º de fevereiro e a operação, anunciada dia 6. A empresa teve de acelerar a divulgação porque o tema saiu na imprensa.
Desde que a operação foi novamente colocada em marcha neste ano, a Klabin seguiu se valorizando na B3 e está atualmente próxima de sua máxima histórica, em 28 bilhões de reais.
A Klabin seguirá em sua rotina de relacionamento com investidores e deve montar uma página específica para essa operação, na qual os acionistas poderão encontrar as informações todas já produzidas sobre o assunto — centenas e mais centenas de páginas — e todos os ritos de governança realizados até agora.
A companhia precisa do aval do mercado se quiser encerrar de uma vez por todas essa questão e aprovar o negócio em andamento. A administração da Klabin já consentiu. O conselho, por maioria, recomendou que o assunto seguisse em frente — com voto contrário do membro independente e indicado pelos minoritários Mauro Cunha. Faltam, contudo, os acionistas de mercado – que têm a palavra final.
O assunto depende de aprovação em assembleia de acionistas sem o voto do controlador – que detém direta e indiretamente cerca de 45% do capital total. O encontro foi marcado para 30 de outubro. Será necessário um esforço relevante de comunicação da empresa, pois o BNDES, maior acionista minoritário, não está de acordo com a proposta que será votada. O relacionamento entre a companhia e o banco estatal segue tenso, desde a tentativa de acordo em 2019: a única diferença em relação ao ano passado é que não houve mais nenhuma troca pública de farpas.
O BNDES detém 7,5% do capital total — mais que os 5,5% do ano passado, após uma conversão de debêntures. Na prática, significa quase 15% dos votos da assembleia. Portanto, a Klabin precisa que muitos investidores compareçam ao encontro e que votem a favor. Do contrário, mais uma vez a questão — que está sob a lupa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) — ficará para o futuro e a responsabilidade de resolvê-la, novamente, para os executivos da empresa.
O tema dos royalties desce atravessado nos investidores já há tempos. O BNDES sempre foi um dos mais ativos em defender o fim desse contrato. Com o crescimento da Klabin e a alta do dólar, os volumes pagos são crescentes ano a ano. Foram 58 milhões de reais em 2019, devem ser 67 milhões de reais neste ano e 76 milhões de reais, em 2021.
A Klabin afirma que o valor atual do acordo, os 367 milhões de reais de avaliação da Sogemar, equivale a uma correção pelo CDI dos 344 milhões de reais anunciados como acordo no ano passado. Em 2019, o valor presente do fluxo de royalties estava em 702 milhões de reais. Agora, esse total subiu para mais de 1 bilhão de reais devido à aquisição da International Paper, no início da pandemia, e à perspectiva de compra de uma máquina de papel cartão para o projeto Puma 2. O desconto, aponta a companhia, seria da ordem de 65%, portanto. Frente ao preço de mercado, o deságio é menor. Mas é bem verdade que o preço em bolsa da companhia poderia ter caído desde que as condições foram estabelecidas.
Além de recursos, o tema tem consumido tempo e energia da administração, que iniciou uma discussão sobre um eventual acordo ainda no fim de 2017 — há quase três anos, portanto. De 2019 até agora, foi um dos assuntos mais recorrentes dos executivos, em função do embate público com o BNDES desde que colocou o assunto para aprovação do mercado em fevereiro do ano passado.
Caso a assembleia de acionistas rejeite o acordo com Sogemar, é a administração da empresa que ficará na situação mais delicada. Terá de decidir sobre como conduzir a realidade do contrato, já sabendo que CVM quer que sejam apresentadas justificativas a cada ano que passa para a manutenção do acordo.
Não foi apresentado ao mercado nenhum plano B. O EXAME IN apurou que, neste momento, a administração não tem nenhum. Mas que, diante do cenário, seria praticamente forçada a potencialmente atuar no desenvolvimento de uma nova marca.
O Grupo de Trabalho que foi constituído para analisar a questão no ano passado (com seis participantes) concluiu que os termos de 2019 eram razoáveis dentro de um intervalo possível e difícil de ser estimado — e que era melhor adquirir o nome do que desenvolver um novo. Cunha foi o único contra o entendimento de que as condições do ano passado eram aceitáveis — posição que sustentou até o fim. Os estudos feitos pelo grupo sugeriam caminhos possíveis.
Para a conclusão, os conselheiros independentes avaliaram desde qual a percepção de valor da marca Klabin até quanto custaria desenvolver uma nova. A Kantar encontrou um valor de 1,1 bilhão para o nome Klabin. Mas, desse total, cerca de 60% está curiosamente na operação de celulose — sobre a qual os controladores não recebem royalties. Já o custo de fazer uma marca nova poderia variar, em uma matriz de sensibilidade que inclui perdas possíveis em volume e margem, de 83 milhões de reais a mais de 1,3 bilhão de reais.
Organizar o desenvolvimento de um novo nome e implementar requer tempo — durante o qual possivelmente a família exigirá o pagamento de uso da marca. Só nos próximos dois anos, a companhia deve gastar mais de 150 milhões com a família. A situação dos gestores executivos da Klabin, portanto, é a mais desafiadora entre todos os participantes desse caso.
Para a família, a situação não é ruim. Entre o ano passado e agora, a alta na bolsa acabou levando a uma redução na quantidade de ações necessárias para o pagamento pelo nome, de 101 milhões de ordinárias para 93 milhões. Mas a valorização de mercado mais do que compensou essa diminuição. Enquanto isso, recebeu os royalties do período. Em 21 de julho, quando mais uma vez votou contra os valores sugeridos, o conselheiro Cunha afirmou que entre uma tentativa e outra, a Klabin desembolsou 83 milhões de reais pelo uso de sua marca.
Nesse cenário, em que a Klabin larga em desvantagem, com o maior minoritário contra a transação, a recomendação de voto da ISS acabar sendo o fiel da balança para as decisões dos demais. Muitos investidores estrangeiros seguem a casa, pois contratam os serviços de procuração de votos. Por questões ligadas aos deveres fiduciários dos gestores, a conclusão da ISS acaba causando impacto também no Brasil.
Votar na contramão do banco estatal, que tem entre suas missões o desenvolvimento do mercado de capitais, é algo que alguns gestores consultados pelo EXAME IN até estão dispostos a fazer para dar fim a essa polêmica e permitir que a companhia cuide do negócio. Mas ir contra o BNDES e a ainda contra a ISS, pode ser demais.
No ano passado, a casa de serviços de voto em assembleias foi contra a proposta da Klabin. Na ocasião, os argumentos principais estavam ligados à governança do processo e às informações disponíveis. Em 2019, o conselho da Klabin que deu aval ao negócio era basicamente formado por acionistas que receberiam com a transação e que votarão sobre o assunto. Além disso, a empresa não havia tornado os contratos públicos e nem realizado estudos de avaliação da marca e de custo comparativo de fazer uma nova. Todos esses pontos foram atendidos desta vez.
O esforço da Klabin de produzir material está ligado a um acordo realizado com o banco de fomento, para que suspendessem a briga. Em uma atitude extremada, o BNDES chegou a solicitar uma assembleia para cancelar o contrato — sem que a empresa tivesse sequer preparado um plano B ou mesmo soubesse as consequências. De lá para cá, o banco evoluiu na percepção de valor dos direitos dos acionistas. Na largada, via zero de valor no contrato. Em seguida, sinalizou 140 milhões de reais e, mais recentemente, subiu esse total para 274 milhões de reais. Os controladores da companhia, porém, não cederam em nada — nem mesmo após o pedido do conselheiro Amaury Bier, na reunião de 21 de julho. O profissional concordou com o negócio, repetindo o entendimento de que era razoável. Porém, fez apelos para que buscasse um consenso com o BNDES.
Bier deu como ideia substituir a correção do CDI do acordo de 2019 pelo seguinte cálculo: acréscimo dos dividendos que a família não recebeu a mais das ações extras que teriam e subtração dos royalties pagos no intervalo. Em seu voto, que foi acompanhado na íntegra pelo de Pedro Oliva Marcílio, Bier enfatizou que essa conta ficaria mais próxima dos limites indicados pelo BNDES.
Agora, o mercado é quem vai decidir o que quer fazer. Nada mais justo.