Exame IN

JBS terá de processar família Batista, após iniciativa do BNDES

Família já é alvo de arbitragem na CAM para ressarcir companhia devido às práticas assumidas pelos irmãos Joesley e Wesley Batista em delação

Carnes: JBS vive dilemas inéditos como rescaldo das más praticas de seus fundadores (Victor Moriyama/Bloomberg/Getty Images)

Carnes: JBS vive dilemas inéditos como rescaldo das más praticas de seus fundadores (Victor Moriyama/Bloomberg/Getty Images)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 30 de outubro de 2020 às 17h56.

Última atualização em 30 de outubro de 2020 às 18h43.

Para manter o ritmo dos ineditismos de 2020, a JBS terá de processar seus próprios controladores em razão dos atos de corrupção assumidos pelos irmãos Wesley e Joesley Batista no acordo de colaboração premiada assinado em 2017. A decisão foi aprovada nesta sexta-feira, 30, em assembleia de acionistas, na qual os donos não votaram. A delação dos irmãos acabou gerando um acordo de leniência de quase 11 bilhões de reais — a maior pena corporativa já vista no Brasil, até mesmo entre as companhias envolvidas na Operação Lava-Jato.

A decisão de hoje foi toda, basicamente, tomada pelo BNDES, em continuidade a uma discussão iniciada há três anos, logo após as delações se tornarem públicas. Na assembleia, estavam presentes acionistas que representam cerca de 72% do capital total da JBS. Desse total, quase 41% pertencem à holding dos Batista (impedida de votar), a J&F, e quase 22% são do banco estatal. Portanto, havia pouco menos de 10% de outros investidores de mercado no encontro. A fatia de mercado quase que integralmente não participou do debate, se abstendo de decidir.

Ficou definido por maioria do encontro — composta quase que só pelo BNDES — que a JBS deve abrir uma ação de responsabilidade civil contra os irmãos Batista e ainda Florisvaldo Caetano, ex-conselheiro fiscal, e Francisco de Assis Silva, ex-diretor jurídico da companhia, em busca de indenização pelos maus feitos — com base no artigo 159 da Lei das Sociedades por Ações, que trata de atos dos administradores. O ressarcimento é pago à JBS e não aos acionistas. Além disso, a empresa também terá de abrir uma ação contra a holding J&F — agora usando o artigo 246 da Lei das S.As., que fala em abuso do controlador.

Em nota, a J&F Investimentos se manifestou sobre o assunto: "a companhia agradece a confiança de todos os acionistas minoritários da JBS, que deixaram isolado o voto de um acionista a favor do ingresso de ação de responsabilidade em face dos controladores, em assembleia. A J&F estará atenta para responsabilizar quem quer que seja pelos prejuízos em que a JBS poderá incorrer em virtude de uma ação temerária."

Tudo novo

Há dois (quase três) ineditismos nesse caso, considerando debates semelhantes que estão em curso no Judiciário e na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) — Braskem e CCR. A primeira novidade é que a empresa deverá ser autora direta do pedido de ressarcimento. É também o único caso de corrupção que discutiu o artigo 159 da legislação. Não se deve deixar escapar que, empresários foram presos por corrupção e improbidade nos escândalos recentes do país, mas até o momento não se viu os administradores serem processados.

A segunda novidade é que, exclusivamente na JBS, a figura dos administradores e dos controladores coincide, causando um debate sobre eficiência dos caminhos: processar os administradores ou donos ou ambos? Caso a Odebrecht fosse companhia aberta, poderia viver o mesmo dilema.

Quando o BNDES iniciou sozinho esse movimento em 2017, havia uma clara preocupação em garantir que os autores das más práticas, os irmãos, seriam afastados da gestão do negócio. O debate perdeu efeito logo em seguida, porque o próprio grupo acabou promovendo as mudanças, ainda que estejam no alto escalão da companhia até hoje o pai da dupla, José Batista Sobrinho, e o filho de um deles, Wesley Batista Filho. Colocados na gestão naquele momento justamente para substituir a dupla.

Durante esse tempo, ficou em debate uma arbitragem na CAM sobre se a holding J&F poderia votar na assembleia sobre a ação do artigo 159. O BNDES ganhou o debate e os controladores ficaram proibidos de decidir.

Tudo novo de novo

Nesse intervalo de três anos, enquanto se discutia o conflito da J&F, outros minoritários, que nem eram acionistas à época dos acordos de colaboração, iniciaram arbitragens contra os controladores na CAM, que pertence à B3. Foram autores a associação de minoritários Aidmin e a gestora de recursos SPS Capital, que tem o patrocínio de litígios entre suas especialidades. As iniciativas foram unificadas.

Também na CAM, corre o processo contra os controladores da CCR. Já no caso de Braskem, contra o grupo Odebrecht, o debate é feito na Justiça comum, pois a empresa não está obrigada a usar a arbitragem uma vez que não é listada no Novo Mercado como as demais.

Na ação do 246, os acionistas iniciam os processos em nome das empresas, mas têm direito a ficar com 5% do valor da causa para si — os advogados podem receber até 20%. São incentivos da lei para que investidores atuem em nome das empresas e sejam bem assessorados. No do processo iniciado pelo 159, como é a empresa quem move, quando aprovado em assembleia, não há nem prêmio nem custo para os investidores.

A JBS ainda não sabe qual caminho deve adotar para executar a decisão da assembleia. Mas garantiu em nota que ela será cumprida. O prazo para uma medida prática é de 90 dias. Há algumas possibilidades colocadas em pauta pela própria empresa na troca pública de correspondências com BNDES, que vão desde iniciar duas arbitragens novas (159 e 246) até à solicitação de participação no polo ativo, ou seja, como autora nas arbitragens já existentes e mais avançadas. Não se sabe como seria na prática a JBS se tornar autora na arbitragem em curso, se a SPS precisaria concordar ou se caberia apenas do tribunal arbitral a decisão. Mais uma vez: águas nunca antes navegadas.

Os advogados da companhia ainda vão estudar o melhor caminho a ser adotado. O especialista Eduardo Munhoz, que representou a J&F na assembleia, ressaltou durante o encontro que logo após a JBS afastar os irmãos da gestão, o BNDES poderia ter partido para uma arbitragem contra os controladores, pois o objetivo de ressarcir é o mesmo. No entanto, o banco não o fez.

Não custa nada lembrar que nesse intervalo de tempo, o banco de fomento passou por quatro presidentes. A discussão foi iniciada na gestão de Paulo Rabello de Castro e agora está sendo conduzida sob administração de Gustavo Montezano. E no meio deles estiveram Dyogo de Oliveira e Joaquim Levy. Além disso, ficou para o mercado o saldo da jurisprudência para outras situações desse tipo.

Dificuldades

O caso da JBS, como se não bastasse toda situação nova, há um desafio extra. O acordo bilionário de leniência não foi desembolsado pela companhia, mas sim pelo controlador, a própria J&F. Portanto, não há um dano quantificável fácil e evidente.

Dessa forma, calcular qual seria a indenização devida à empresa exige uma matemática mais sofisticada e distante do campo das ciências exatas. Será preciso definir e quantificar quais benefícios foram auferidos com os malfeitos e qual o dano reputacional gerado.

Por fim, terá que se verificar se eles foram maiores ou menores do que os recursos desviados da empresa — uma vez que o grupo tem outros negócios, tais como a companhia de papel e celulose Eldorado e o Banco Original, entre outros. Na época, a companhia Alpargatas e o negócio de lácteos Vigor também estavam no portfólio, mas foram vendidos para dar liquidez aos negócios e evitar uma crise financeira.

É, senhores, só o debate dessa conta pode levar muito tempo. Nos casos semelhantes em discussão, a Braskem teve custos, ela própria, de 3,6 bilhões de reais em razão dos atos de corrupção, e a CCR fechou um acordo de leniência de 750 milhões de reais.

Para evitar (mais) polêmicas

Antes da assembleia, houve um debate público e acalorado entre BNDES e JBS. A companhia queria inserir na pauta da assembleia um item que deixava claro que os administradores da empresa teriam liberdade para definir como aplicar a decisão da assembleia e se aplicar, considerando a existência da arbitragem na CAM.

Ao fim e ao cabo, a JBS excluiu esse tema do debate logo que a assembleia começou. Isso porque, nas correspondências anteriores, o BNDES admitiu por escrito que a administração já tinha, na prática, o poder de conduzir essa definição após a decisão da assembleia. O item tinha como função prática, além de deixar transparente ao mercado a visão da companhia antes do encontro, criar segurança jurídica suficiente para os administradores da JBS adotarem o que acreditam ser mais eficaz.

Conflito

Não são todos os participantes e espectadores interessados desse debate que veem com bons olhos a participação da JBS no polo ativo da arbitragem em curso. Isso porque como autora, a JBS estaria apta a opinar e participar da definição dos valores que julga razoáveis para ser indenizada, ou seja, quanto tirar do bolso de seus próprios donos. Há quem entenda que como os irmãos são os controladores, o conflito continua existindo e que a empresa pode, eventualmente, atuar no sentido de reduzir o valor em discussão.

Nas arbitragens, a definição do valor vem após a sentença arbitral. Primeiro, decide-se quem tem razão. Depois, como se aplica a vitória. Por isso, há especialistas e advogados societários que entendem que, especificamente neste caso, a aplicação do 246 por acionistas minoritários seria mais eficaz e o melhor caminho, uma vez que os irmãos já estão mesmo fora da gestão.

 

 

 

Acompanhe tudo sobre:acordos-de-lenienciaBNDESBraskemCCRCorrupçãoGovernançaJBSNovonor (ex-Odebrecht)

Mais de Exame IN

Fim da guerra da cerveja? Pelas vendas de setembro, a estratégia da Petrópolis está mudando

“Equilíbrio fiscal não existe, mas estamos longe de uma crise”, diz Felipe Salto

Mais Porto, menos Seguro: Diversificação leva companhia a novo patamar na bolsa

Na Natura &Co, leilão garantido e uma semana decisiva para o futuro da Avon