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IPOs de imóveis podem fazer em 2020 mais que em toda a história: R$ 20 bi

Parado há mais de uma década, setor fez 22 estreias entre 2005 e 2009 e muitas empresas sumiram no caminho

Vista de São Paulo: pandemia não freou planos ambiciosos do setor imobiliário para bolsa (Eduardo Frazão/Exame)

Vista de São Paulo: pandemia não freou planos ambiciosos do setor imobiliário para bolsa (Eduardo Frazão/Exame)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 19 de agosto de 2020 às 16h42.

Última atualização em 19 de agosto de 2020 às 17h15.

O setor imobiliário mudou muito em 15 anos. Surgiram empresas que não existiam e muitas ficaram pelo caminho. O que não mudou tanto assim, pelo visto, são os investidores. O segundo semestre vai ser o teste. Conforme o EXAME In apurou, há 20 empresas que planejam captar dinheiro com ofertas iniciais (IPO) na B3. Se todas tiverem sucesso, terão movimentado 20 bilhões de reais com suas operações. O que as empresas de 2020 pretendem levantar é mais do que todas as ofertas de ações realizadas no setor, entre IPOs e ofertas subsequentes, em todos os anos desde que o segmento estreou na bolsa com a listagem da Cyrela, em 2005.

De lá para cá, até o fim de 2019, as vendas de ações movimentaram 19,8 bilhões de reais — 12,8 bilhões de reais em ofertas iniciais. Houve uma febre de IPOs do ramo até 2007. A última a chegar, mas já depois de as operações terem secado, foi a Direcional Engenharia, há mais de dez anos.

A overdose foi tanta que a B3 ficou uma década sem um único IPO de uma companhia imobiliária. No ano passado, as já listadas voltaram a captar e levantaram 2,9 bilhões de reais — o que mostrou que o apetite do mercado pelo segmento tinha ressurgido. O setor ficou oito anos sem qualquer atividade na bolsa.

No total, da Cyrela até a Direcional, 22 companhias chegaram na bolsa entre 2005 e 2009. Se todas que tiverem plano agora conseguirem, 2020 fará literalmente cinco anos de euforia em um só.  Antes de a pandemia do coronavírus se espalhar pelo Brasil, duas novatas estrearam, a Mitre e Moura Dubeux.

Ontem, começou o período de reserva para as ações da Lavvi, uma investida da Cyrela para o setor de alta renda e luxo. A oferta pode movimentar cerca de 1,6 bilhão de reais. A precificação está prevista para dia 31 e a estreia no pregão, para 2 de setembro. Na visão dos potenciais compradores, é um dos melhores ativos do ano para vir, junto com dois outros do mesmo grupo, as empresas dedicadas ao segmento econômico Plano & Plano e a Cury.

A Cyrela, mais uma vez, marca presença e momento quando o tema é timing de mercado. A companhia de Elie Horn abriu as portas do mercado para o setor e agora percebeu primeiro a oportunidade de mercado para seus ativos. Depois dela, outras companhias já têm um IPO “para chamar de seu”. A Even quer trazer a Melnick Even, a EZTec pediu registro para a EZ Inc. Incorporações Comerciais, e a MRV planeja listar sua empreitada no ramo de loteamento, a Urba. “Todo mundo quer mostrar que tem valor escondido”, comentou um gestor de renda variável. Na avaliação dele, as companhias estão certas de aproveitarem o momento para tentar captar — a opinião é praticamente unânime — e cabe ao investidor ficar atento onde vai colocar o dinheiro.

Por isso, há muitas dúvidas sobre quanto o mercado vai de fato absorver da lista que se acumula na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) desde antes da pandemia e que mais do que sucesso já teve dois planos fracassados — Ravi e You Inc. Ambas desistiram de acessar a bolsa em 2020.

Entre as companhias que sumiram consolidadas em outras ou por desespero e necessidade ou por serem ativos interessantes, estão nomes conhecidos como Abyara, Klabin Segall, Brascan Residencial, Company. Outras literalmente quebraram, como foi o caso da antiga Inpar, hoje Viver, que levantou 1 bilhão de reais em duas ofertas e também a PDG Realty, um projeto de megacompanhia com obras espalhadas pelo país que chegou a ser a queridinha do setor, o ícone da euforia. A fez duas ofertas na bolsa, que movimentaram 2 bilhões de reais.

A quarta-feira acordou com uma notícia que ainda é rescaldo da euforia de uma década. A Gafisa, que nunca se recuperou, propôs, de forma muito genérica e ampla, o início de um diálogo para combinação com a Tecnisa. Ambas estão distante de seus melhores momentos.

Na primeira onda do setor, a palavra que resume é caos. Depois de décadas de informalidade, as empresas vieram à bolsa para levantar um dinheiro que nunca tinham tido acesso de uma só vez. A grande maioria não tinha sequer estrutura de controle para lidar com as novidades — nem para as obras, nem para o caixa. O resultado foi duplamente ruim. Muitas simplesmente desmoronaram. Para completar a bagunça interna, o mercado ficou ruim. Com todas capitalizadas ao mesmo tempo, houve inflação nos terrenos, de mão de obra e até no material de construção. Sem coordenação e com a margem corroída, foi o fim para várias.

Quando estavam aprendendo a digerir o tamanho que ficaram, vieram outros chacoalhões: recessão, juros altos, desemprego. Os distratos foram nas alturas e algumas companhias tiveram índices que chegaram próximos de 50% do que havia sido vendido. As dívidas, que eram para ficar somente nas obras, se tornaram corporativas e ficou impossível pedalar a bicicleta.

Quando em junho, o presidente e um dos sócios-fundadores da Trisul, Jorge Cury, falou sobre os planos de lançar projetos de 1 bilhão de reais ainda em 2020, relembrou a época do IPO, em 2007. A história do empreendedor é o retrato daquele tempo. Depois de fundir Tricury e Encosul, aconselhada por bancos de investimento, a companhia se lançou ao mercado como Trisul, sem nada conhecer da relação com investidores e, muito menos, sem estar pronta para ganhar tanta escala de repente e se diversificar regionalmente. “No fundo, a gente não tinha visão de governança, nem de gestão, nem de escala”, confessou ele, sem nenhum constrangimento diante do aprendizado.

“De repente, eu estava em 24 cidades do interior do estado. Era um risco enorme, tínhamos baixa rentabilidade e uma dispersão muito grande. Nossa dívida era cerca de 150% de nosso patrimônio líquido. Não sei como aceitamos fazer aquilo. Foi um sufoco sair daquela situação. Mas, aos poucos, entregamos tudo que tínhamos no interior e, a partir de 2014, voltamos a ficar só em São Paulo”, contou ele. “Agora, num só dia, parando para almoçar na minha casa, eu visito um terço de meus canteiros de obra. É um setor que não dá para você trabalhar por instrumentos. Tem de estar no comando.”

O grande motor dessa onda de 2020 — como de quase tudo que tem ocorrido no mercado neste ano — é o juro baixo, a Selic agora a 2%. De todas as formas que se mede, o crédito imobiliário cresceu no primeiro semestre. Na Caixa, por exemplo, as liberações superaram de janeiro a junho e aumentaram 22%. A expectativa de uma forte atividade para o setor atraiu a atenção dos investidores e a disposição das empresas de fazer lançamentos para voltarem a crescer. Mesmo assim, a história mostra que ter retorno neste setor está longe de ser uma tarefa simples.

 

 

 

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