Francesca e Alfredo: empresa surgiu da vontade de executivos de fazer um trabalho com propósito (Integra Groupe/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 28 de setembro de 2022 às 17h06.
Última atualização em 28 de setembro de 2022 às 17h20.
O que uma americana e um venezuelano fazem no Brasil? Investem. Essa é a história de Francesca Whalen e Alfredo Vargas, dois executivos com experiência de sobra no mercado financeiro que se conheceram em Stanford e decidiram usar o próprio conhecimento a serviço de contribuir para o desenvolvimento de startups na América Latina. A região não foi escolhida por acaso. “Pedro nasceu ali e eu conheço o local pelo menos desde 2006. Resolvemos focar nesse local porque acreditamos que há muitos desafios a serem solucionados com tecnologia e queremos impulsionar esse mercado”, diz Whalen, ao EXAME IN. Há três anos, ela e o sócio fundaram o Integra Groupe, firma de venture capital que cumpre justamente com essa função: investir em early stage, de olho em empresas que tragam tecnologia para diferentes setores e que contem com critérios ESG. Mas esse não é o ‘pulo do gato’ completo que a empresa traz. O diferencial da firma está em uma ferramenta lançada ao mercado este mês, chamada iScore, a primeira no mercado a medir de forma quantitativa o avanço de startups em ESG.
A ferramenta foi criada da experiência dos executivos em desenvolver planos de investimento ESG dentro de grandes empresas. Whalen trabalhou por 17 anos em grandes empresas como a Northern Trust Asset Management, Deutsche Börse e Merrill Lynch e construiu a carreira trabalhando em mais de 50 países. E Vargas já foi CEO do Bancamérica, na República Dominicana. “Peguei o que eu realmente gostei de toda essa experiência e pensei ‘por que não construir uma firma com alguém com valores e princípios para fazer algo que possa gerar grande impacto?”, diz a executiva.
Nesse sentido, o lançamento reflete o próprio posicionamento da empresa: priorizar empresas de alto crescimento que contem com critérios ESG. Do ponto de vista prático, o intuito é trabalhar ESG dentro das startups usando os aprendizados do que grandes empresas fazem, adaptando, é claro, a ferramenta para a realidade delas. Não se trata de uma maior rigidez no processo de seleção das empresas a serem investidas, mas de ter critérios quantitativos para acompanhar a evolução delas — quer estejam no Integra Groupe ou não.
Para os empreendedores, o processo será feito com o mínimo possível de burocracia. Basta que entrem em contato com o Integra Groupe, que enviará um link com um formulário curto, de cerca de dez perguntas, que podem ser respondidas em aproximadamente 15 minutos. A partir do envio das respostas, será possível ter acesso à própria nota e conseguir acompanhá-la ao longo do tempo.
“Atualmente, a ferramenta usa os dados de 100 startups latino-americanas. É uma aplicação que pode ser usada pelos principais fundadores de empresas na região, sejam elas parte do portfólio do Integra Groupe ou não. Nosso objetivo é que todas as empresas possam conhecer o seu iScore e que essa métrica se torne cada vez mais popular”, diz Whalen.
Hoje, o Integra Groupe tem sete startups no portfólio. Entre elas, estão a Kurios, peruana, uma startup de ensino digital focado em tecnologia; a Siglos, mexicana, que promove acesso à internet para comunidades na América Latina; a Sellrs, também do México, de SaaS para varejistas físicos conseguirem gerenciar e escalar serviços ao integrar e-commerce com estoques, analytics e logística; a Papa, plataforma americana que conecta alunos de enfermagem na universidade para idosos que precisam de assistência; e a Plenna, também mexicana, de planos de saúde, que visa oferecer cuidados de saúde a um preço acessível.
Encontrar uma empresa de fora da América Latina no portfólio tem lá sua razão. A missão do Integra Groupe, no fim do dia, é impulsionar os negócios locais, o que pode incluir parcerias com empresas de fora da região — seja para aproximar demanda de oferta, seja para que as empresas possam realmente se unir. Tendo em vista que a firma está voltada para empresas que usem tecnologia em diferentes setores, beber da fonte do Sillicon Valley acaba se tornando um ponto inevitável.
Todos esses investimentos vieram da estruturação do Better Future Fund, o primeiro criado pela firma e que levantou US$ 25 milhões (cerca de R$ 125 milhões) com investidores pessoa física e empresas. “Nós seguramos os investimentos com o recuo dos mercados no início de 2022, mas ainda temos uma grande quantidade de capital para fazer aportes. Vamos continuar procurando por empresas em toda a América Latina em 2023, considerando que o fundo está no início do ciclo de investimento”, afirma a executiva.
Combinando o potencial da nova ferramenta ao dinheiro no bolso, dentro do Integra Groupe, o iScore deve aperfeiçoar o processo de seleção das empresas investidas. Hoje, para entender o fluxo todo, ele acontecerá da seguinte forma: seleção de empresas que estejam resolvendo problemas na América Latina usando a tecnologia (tanto por indicações, via networking, quanto com o trabalho conjunto com aceleradoras), passa por uma avaliação das equipes da empresa, daí vem a ferramenta ESG, que visa mitigar riscos para as companhias e permitir que as mais avançadas tenham acesso ao dinheiro com um menor custo de capital.
Além dos aportes financeiros, a firma também se caracteriza por uma abordagem de ‘mão na massa’ com as empresas em que investe. Ajuda com fatores operacionais, organizacionais e até mesmo de estruturação da oferta das empresas são pontos contemplados no investimento.
De olho no futuro, a executiva afirma que alguns setores chamam a atenção para investir no Brasil e na América Latina. Entre os principais, estão healthtechs, edtechs, SaaS e e-commerce. “O Brasil é uma economia muito importante na região. Estamos atentos aos desafios macroeconômicos, é claro, bem como ao cenário eleitoral, que não devem trazer muitas novidades, na nossa visão. Queremos atrair mais atenção para o mercado local, investimos em inovação de olho no futuro”, diz Whalen.
Fato é que a firma atua num setor mais ‘resiliente’ em meio à queda generalizada de ativos de tecnologia. Enquanto o private equity amarga as perdas depois de um ano recorde em investimentos, o venture capital focado em early-stage ainda consegue ‘resistir’ em meio aos tempos mais turbulentos. Uma prova disso pôde ser constatada no Vamos Latam Summit, evento promovido pela Latitud em São Paulo — que ficou lotado do começo ao fim, tanto de empreendedores como de investidores. Além da firma dona do evento, o Integra Groupe também esteve por lá, assim como Kaszek e Monashees.
Em uma perspectiva financeira, a preferência de investidores por apostas menores também pode ser medida. Das 327 captações realizadas no primeiro semestre deste ano, que totalizaram US$ 2,9 bilhões, a maior parte, US$ 1,5 bilhão, foi para captações seed e early-stage. O investimento semente, aliás, foi o único que cresceu na comparação com o mesmo semestre do ano passado. Todos os demais tiveram queda, segundo dados da plataforma Distrito.
Em agosto, para ter uma referência mais recente, foram investidos US$ 174,2 milhões em startups (todos os estágios), entre os deals que tiveram valores divulgados. Destes, apenas US$ 18,8 milhões foram para o chamado Late Stage — que inclui desde Série C até Private Equity. A comparação anual, mesmo sob o ponto de vista geral, ainda reflete ‘o inverno’ das startups: o montante investido em agosto deste ano é 20% do total do mesmo período do ano passado.
Ainda não dá — pelo menos por enquanto — para medir o peso que o ESG tem dentro desses investimentos, mas dá para observar uma procura maior também por parte de firmas brasileiras por agregar métricas a esses critérios. A GK Ventures, fundada por Eduardo Mufarej, também desenvolveu uma metodologia capaz de medir o impacto das empresas investidas. A mais recente é a Rehagro, empresa de cursos para profissionais do agronegócio, que recebeu R$ 30 milhões de aporte da gestora, junto com a 10b, como apurou o EXAME IN. O cálculo feito pela GK aponta que a companhia será capaz de gerar um impacto de R$ 1,3 bilhão — sendo que 61% vem da frente social e os 39% restantes com a questão ambiental. Os cálculos foram feitos em parceria com o Insper Metricis.
Em outra perspectiva, empresas abertas também serão obrigadas a divulgar, a partir do ano que vem, critérios ESG dentro dos próprios balanços. Algumas, até, já começaram esse movimento, iniciado pela Instrução 480/09 da CVM, aprovada em dezembro de 2021. No detalhe, a norma obriga empresas brasileiras a apresentarem esses indicadores, o inventário de emissões de gases de efeito estufa e prestar contas a respeito da diversidade no quadro de colaboradores.
Diante desse rumo cada vez mais claro de incluir a sustentabilidade como um critério-chave para a avaliação de negócios — indo além do qualitativo — o Integra Groupe quer ter um papel de destaque com as startups. No que depender da empresa, a ferramenta lançada neste mês é apenas o primeiro passo para fazer essa discussão chegar a empresas de todos os tamanhos na América Latina.
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