Petrobras: eleição de agosto também pode colocar o bilionário discreto, Juca Abdalla, na vitrine (Sergio Moraes/Reuters)
Graziella Valenti
Publicado em 29 de julho de 2021 às 19h29.
Última atualização em 30 de julho de 2021 às 18h12.
A Petrobras foi o pivô do aumento da percepção do risco estatal no Brasil quando o presidente Jair Bolsonaro decidiu tirar o ex-presidente Roberto Castello Branco e colocar o general Joaquim Silva e Luna à frente da empresa. A desconfiança com as estatais continua. Mas, até por causa dessa situação, quase ninguém se deu conta de que a petroleira poderá ter um número recorde de representantes no conselho de administração eleitos pelos acionistas minoritários — até cinco membros. Situação para lá de inusitada.
Na lista de candidatos da eleição de conselho que ocorrerá na assembleia geral de 27 de agosto, há três nomes indicados por investidores de mercado: Marcelo Gasparino, Pedro Medeiros e Juca Abdalla. Há chances matemáticas importantes de que o trio seja eleito. O resultado forçaria a União controladora a ampliar o total de membros do conselho de administração para 13. Dessa forma, seriam sete representantes do Tesouro Nacional (ou do governo), cinco de minoritários e mais o representante escolhido pelos trabalhadores.
Além das oito vagas — ou dez, a depender do resultado — que serão preenchidas com essa eleição, o colegiado já conta com Rodrigo Mesquita Pereira e Marcelo Mesquita, eleitos respectivamente pelos acionistas preferencialistas e ordinaristas de bolsa (além de Rosangela Buzanelli Torres, escolhida pelos trabalhadores).
Essa assembleia fora de temporada para seleção de conselho é fruto da controversa eleição deste ano. Os documentos usados para a reunião ordinária provocaram polêmica. A combinação dos manuais da empresa e das instruções de voto pelas agências prestadoras de serviço para estrangeiros terminaram por induzir a um erro na distribuição dos votos. O resultado prático foi a eleição de apenas um novo membro selecionado por minoritários para o conselho, quando havia chance para que dois nomes fossem emplacados.
Em razão disso, Marcelo Gasparino, o eleito da ocasião, optou por renunciar. Como o colegiado foi formado por voto múltiplo — quando os acionistas pedem um sistema de votação na qual escolhem nome a nome, e não uma chapa — , a decisão de Gasparino provocou a necessidade de nova eleição. Em colegiados formados por voto múltiplo, a queda de um pode levar a queda de todos.
Essa polêmica, combinada ao entendimento da própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de que houve confusão nos votos, acabou obrigando a estatal a convocar mais rapidamente do que pretendia uma nova assembleia para formação do conselho. Só que, desta vez, os nomes de mercado aumentaram.
Essa assembleia, além da situação inédita na Petrobras, pode colocar um personagem famoso e desconhecido, ao mesmo tempo, em foco: o bilionário Juca Abdalla, como é conhecido José João Abdalla Filho, dono do Banco Clássico, criado para administrar a fortuna que herdou de seu pai, um industrial da década de 1960.
O bilionário, que não gosta de holofotes, aos poucos se oferece para se tornar figura muito mais pública. É hoje o maior acionista, disparado, da Cemig, só perdendo para o Estado de Minas Gerais. Seu fundo, Dinâmica Energia, tem 26% das ações ordinárias e 5,60% das preferenciais, o que lhe confere uma fatia de 12,5% da estatal mineira. Desde o ano passado, “como dono” dessa posição, ele decidiu compor o conselho da empresa.
Agora, pode ir para uma vitrine absurdamente maior. Algo que não deixa de ser curioso para uma figura que não gosta de aparecer, ser fotografado, emitir opiniões ou dar entrevistas. Se tem algo que exige opinião, é o conselho de administração da Petrobras. E não é de hoje.
Na assembleia passada da Petrobras, houve um comparecimento de 78% do capital votante da empresa. Ou seja, os minoritários participaram com 27% do capital de ações ordinárias. Se todos esses votos fossem distribuídos igualmente pelos três nomes de mercado, todos seriam eleitos. Esse é o cenário ideal, na visão dos candidatos, mas menos provável. Só que, para lidar com a realidade, há a organização dos investidores. Caso falte pouco para garantir o resultado positivo a todo o trio, há um grupo, no qual a própria participação de Abdalla está incluída, que deixará para fazer o voto no dia, no ato da assembleia, podendo concentrar no nome que estiver com a posição mais fraca.
Abdalla é famoso por ser o maior acionista pessoa física da Petrobras, com cerca de 1% da estatal, o que significa uma fortuna, só na petroleira, superior a R$ 3,5 bilhões. Mas esse não é o único grande investimento. Em Cemig, tem mais de R$ 2,75 bilhões alocados. E isso é apenas o que se conhece, além de uma fatia histórica em Eletrobras.
O mecanismo do voto à distância acabou com as desculpas para o absenteísmo das assembleias. Mas trouxe outros desafios. Na assembleia geral ordinária da Petrobras do começo do ano, foi a questão da ordem de apresentação dos nomes, que prejudicou a contagem. Agora, há outro dilema “da indústria do voto” que se torna explícito – e suas inconsistências.
Vacinada, a Petrobras produziu um boletim de voto à distância digno de aula para alunos do ensino fundamental. A prova de incompreensões e de questionamentos legais. Há um problema, porém. A indústria da votação dos gestores internacionais, dominada pelas plataformas do Intitutional Shareholder Services (ISS) e Broadbridge, segue a lógica americana das eleições.
No Brasil, quando o voto múltiplo é selecionado como dinâmica para eleição — algo que depende de solitação de investidores que tenham pelo menos 5% do capital da empresa — cada ação ordinária dá direito a tantos votos quantas vagas de conselho existirem. Nesse caso, um investidor pode escolher concentrar todo seu poder de fogo em apenas um ou poucos candidatos para garantir sua eleição. Não precisa votar em um total compatível com o número de vagas. Mas precisa informar como quer distribuir seu poder de fogo.
Para lidar com esse cenário, o boletim de voto à distância produzido pela Petrobras pede que os investidores distribuam seu votos entre os nomes da lista. Ou seja, preencham o boletim não com um X — dos tradicionais a favor, contra e abstenção —, mas com um número.
Problema técnico: as plataformas da ISS e da Broadbridge não oferecem essa possibilidade. Permitem apenas que as respostas sejam assinaladas e não escritas.
Problema maior ainda: a Petrobras disse que vai desconsiderar os votos que não fizerem esse preenchimento. Ciente desse desafio, a única alternativa que restou à companhia foi oferecer aos investidores como alternativa que encaminhem ao seu departamento de relações com investidores, por e-mail, a distribuição dos votos. Acionistas estrangeiros não gostam de ter trabalho e gostam menos ainda de processos que não sejam sempre os mesmos, que sejam exceção. Ainda não está claro qual impacto essa questão pode ter sobre o resultado final.
Apenas para mostrar como a mecânica da indústria do voto ainda tem muito a se aprimorar, os investidores que são detentores de ADRs, os recibos de ações negociados na bolsa de Nova York, não precisam se preocupar com nada disso.
Eles podem preencher seus documentos da forma que faziam até então — com a opção de apenas selecionar os nomes nos quais os votos devem ser concentrados, nessa hipótese. Isso porque a documentação é diversa e reflete a comunicação que esse acionista possui com o custodiante das ações que dão lastro aos recibos — são os custodiantes que, na verdade, executam os votos.
Parece que tudo está mais claro para os participantes desta vez. Mais claro, porém, não quer dizer menos complexo. Haja letrinha miúda para prestar atenção.
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