Salto Arezzo: prêmio implícito de 100% oferecido por Grupo Soma não faz sentido para empresa de Alexandre Birman (Arezzo/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 27 de abril de 2021 às 07h14.
Última atualização em 28 de abril de 2021 às 07h01.
A Arezzo fez e refez as contas e tudo indica que não vai entrar na briga com o Grupo Soma pela Hering. O motivo é o preço. O Grupo Soma atribuiu um valor de R$ 5,14 bilhões à companhia e seus 140 anos de história. É 50% acima do que a Arezzo propôs e carrega um prêmio implícito de praticamente 100% em relação ao valor que a empresa negociava na B3 antes de atrair atenção de compradores potenciais — percentual nada trivial.
No meio desta segunda-feira, 26, Soma e Hering fizeram uma coletiva conjunta na qual os representantes de ambas as empresas trocaram elogios a respeito das respectivas trajetórias, após anunciarem um acordo prévio. “Nós escolhemos o Grupo Soma”, frisou Fabio Hering num dado momento. Ele será o chairman da companhia combinada.
Pela transação, que precisa ainda ser levada ao crivo dos demais acionistas, os investidores da Hering serão titulares de 34,4% da empresa combinada e ainda receberão mais R$ 1,5 bilhão em dinheiro. A família Hering, que é dona de 22,3% do capital total da varejista têxtil centenária, ficará com 7,6% da companhia resultante e os demais investidores, com 26,8%. Seria quase uma compra às avessas, não fosse o capital pulverizado da Hering, que não dá uma posição de vantagem a nenhum sócio específico.
A estrutura da transação deixa espaço para que possa surgir uma outra proposta. O acordo selado pela Hering vincula apenas a participação da família e a multa de R$ 250 milhões prevista só é cobrada da empresa se o conselho de administração recomendar um outro comprador. Se a decisão for da maioria dos acionistas, não haveria penalidade. Dessa forma, se a Arezzo quisesse, poderia se lançar na briga pela empresa. A companhia, contudo, deve continuar em busca de outras oportunidades para acelerar sua vertical de "lifestyle".
Embora penalizada na bolsa pela falta de crescimento na última década, a Hering carrega uma emblemática história de sucesso e sobrevivência, que superou desde uma intervenção durante a Segunda Guerra Mundial até a crise do setor têxtil com a abertura econômica, na década de 90. Situações nada óbvias de serem ultrapassadas. O segredo para resistir à caneta veloz do ex-presidente Fernando Collor foi justamente a transição para o varejo. A companhia pode não ter tido forte expansão, mas a saúde financeira é invejável. Após passar a pandemia de 2020, encerrou o ano com um caixa líquido de R$ 265 milhões.
A Hering tem dois grandes ativos, um deles bastante contraintuitivo. O mais óbvio é a marca, respeitada e “desejada” pelos brasileiros, conforme palavras de ninguém menos do que Roberto Jatahy, presidente do Grupo Soma e um dos sócios criadores da grife Animale.
O outro é uma joia escondida: a operação fabril, a origem de tudo, em Blumenau, e que passava despercebida por quem avalia a operação à distância. A atividade industrial de malhas dá tremenda competitividade à Hering e lhe assegura, com uma marca que vai da classe A até a C, margens muito semelhantes — algumas vezes, ligeiramente maiores — às das boutiques da moda, de alto valor agregado, dedicadas ao público A e B e que estão na holding comanda por Jatahy. E uma geração de caixa de fazer inveja no setor.
A Hering produz cerca de 75% de tudo que vende e 25% é terceirizado. Além da malharia em Blumenau, tem operações de acabamento e tecidos planos em Goiás e no Rio Grande do Norte. O grande diferencial de eficiência, contudo, está mesmo no seio catarinense, sua origem.
A transação expande o mercado potencial do Grupo Soma de R$ 30 bilhões para R$ 110 bilhões, conforme dados destacados hoje em uma apresentação pública. O tíquete médio da Hering é de R$ 150, enquanto o do Grupo Soma é de R$ 280.
Com a transação aprovada, Jatahy terá sob seus cuidados as duas maiores marcas de moda do país. A Hering, em modelo mais fast-fashion, cuja receita líquida é da ordem de R$ 1,5 bilhão sem pandemia, e a Farm, cheia de personalidade e com consumidoras fiéis, que movimenta mais de R$ 600 milhões por ano. Thiago Hering ficará á frente do futuro da marca, dentro do modelo do grupo de respeitar a independência de cada ativo.
Mas são justamente as sinergias entre essas duas bandeiras que serão as mais exploradas — estimadas em R$ 200 milhões na linha do Ebitda. A ideia é que a Farm traga à Hering um rejuvenescimento de apresentação, enquanto a companhia catarinense pode aportar a experiência industrial e com o modelo de franquias — ainda que muitos vejam espaço expressivo para melhoria nos contratos. Tudo isso potencializado pela experiência digital do Grupo Soma.
A competitividade fabril da Hering — embora pouco abordada — também era um ativo de brilho para a Arezzo, que adquiriu recentemente a Reserva, que tem parte relevante das vendas no segmento de malhas. Não por acaso, Rony Meisler, fundador da marca descolada de roupas casuais, participou da conversa com Fabio Hering.
Pesou na tal “escolha” da Hering, de acordo com pessoas próximas ao negócio, o tipo de abordagem. Os tomadores de decisão na empresa catarinense acreditavam que a Arezzo poderia, a qualquer momento, transformar sua proposta amigável em uma oferta hostil. Assim, o tapete vermelho que Jatahy estendeu à família fez toda diferença nas conversas, que puderam evoluir muito rapidamente.
Agora, serão cenas dos próximos capítulos. A transação, quando aprovada, vai mais que dobrar o Grupo Soma de tamanho, em receita, em Ebitda e em lucro. Juntas e sem pandemia, as empresas teriam receita líquida superior a R$ 3,7 bilhões, Ebitda de quase R$ 540 milhões (sem sinergias) e a última linha ficaria positiva em mais de R$ 414 milhões.
Surpresa agora só se aparecer a interessada mais desejada por vários dos investidores que passaram pela Hering: a Alpargatas, dona da marca Havainas. Mas, até o momento, não há nenhum indicativo nessa direção. E o conservadorismo do grupo controlador das "legítimas", uma combinação de Itaúsa com o fundo Cambuhy, não oferece grande espaço para aposta em uma briga de preços.
"Quando o Santander comprou o Banespa com ágio enorme no leilão, muita gente disse que o grupo espanhol estava louco. Mas deu super certo. Nem sempre é assim", comenta uma fonte que conhece os negócios.