Exame IN

Hapvida perde R$ 12 bi na bolsa em um dia com tormenta nas finanças e no operacional

Despesa financeira maior e Ebitda menor devem levar a corte superior a 25% do lucro projetado para 2023 e 2024

Hapvida: dívida líquida cresceu R$ 630 milhões em três meses (Hapvida/Divulgação)

Hapvida: dívida líquida cresceu R$ 630 milhões em três meses (Hapvida/Divulgação)

Graziella Valenti
Graziella Valenti

Editora Exame IN

Publicado em 1 de março de 2023 às 14h23.

Última atualização em 1 de março de 2023 às 14h29.

O tamanho da decepção dos investidores com Hapvida  (HAPV3) foi para o preço das ações. O tombo é superior 35%. A companhia perde agora quase R$ 12 bilhões em valor de mercado em um único pregão. Não se trata apenas de uma frustração só com o desempenho do quarto trimestre do ano passado, anunciado ontem à noite, dia 28. A questão é que as expectativas para o futuro também pioraram.

No quarto trimestre, a empresa teve um prejuízo de R$ 317 milhões, ante lucro líquido em igual período de 2021 e também no terceiro trimestre do ano passado. Mesmo a última linha ajustada a incentivos de longo prazo para executivos e amortizações de marcas e patentes e ainda carteiras de clientes teve piora importante. Feitas essas exclusões, o resultado do quarto trimestre passa para um lucro líquido de R$ 161 milhões, mas o número equivale a uma redução de 56% na comparação anual e é 76% menor do que no terceiro trimestre.

Queima de caixa, despesas financeiras salgadas e aumento da dívida são a tônica do problema. Essa combinação faz a expectativa de lucro para os próximos anos ser menor, pois não há sinais de que o quadro será revertido tão rapidamente. Os desafios operacionais já conhecidos, com aumento do custo e alta taxa de uso dos hospitais, não são simples de serem ajustados e alguns sequer dependem da empresa. Efeito prático? A companhia vale hoje cerca de 1/5 da avaliação que tinha quando foi anunciada a fusão com Notre Dame Intermédica (GNDI). Na época em que a transação foi comunicada aos investidores – em um cenário macroeconômico bastante diferente, claro – a soma de Hapvida e GNDI superava R$ 100 bilhões de valor em bolsa.

A dívida líquida da companhia saiu de R$ 6,466 bilhões ao fim de setembro para R$ 7,1 bilhões no fechamento do ano, um aumento de R$ 630 milhões em apenas três meses. Essa alta reflete, principalmente, um fluxo livre de caixa negativo em mais de R$ 220 milhões, somado a R$ 398 milhões de despesa financeira. Com isso, a alavancagem saiu de 2,2 vezes o Ebitda anual para cerca de 2,5 vezes.

Tudo isso justamente quando o que se esperava era o fim da tormenta de 2022 difícil. Aliás, para alguns investidores, há uma frustração com o discurso da companhia que sempre sinaliza melhorias à frente, mas os trimestres a seguir seguem desapontando. A intensidade do tombo de hoje é um sinal de quebra de confiança.

Houve algumas novidades positivas, mas todas ofuscadas pela questão financeira, como o ligeiro aumento do tíquete médio e maior controle das despesas administrativas. No quarto trimestre, a receita líquida aumentou 3% sobre os três trimestres anteriores, para R$ 6,5 bilhões. O Ebitda caiu 32%, para R$ 529 milhões. O Ebitda ajustado foi de R$ 512 milhões. Para se ter uma ideia da frustração, o número é 20% menor do que a estimativa do analista Samuel Alves, do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame). A adição líquida de usuários também frustrou: o especialista projetava 119 mil e o dado real ficou em 103 mil.

A pressão financeira fez a ansiedade dos investidores em torno de sinistralidade, inadimplência e preocupação com margem aumentar. E esse foi o clima da apresentação de resultados em uma teleconferência que se estendeu por quase duas horas. A sinistralidade aumentou quase 2 pontos percentuais, chegando perto dos 73%.

Um olhar em retrospecto ajuda a entender. Cerca de um ano atrás, as expectativas eram que a empresa tivesse um Ebitda ajustado de R$ 5 bilhões em 2022 e o número ficou ligeiramente abaixo de R$ 2 bilhões. A margem pro-forma estimada, que era da ordem de 15%, ficou em torno de 8%.

A combinação de dívida maior, o que leva a mais despesa financeira, e Ebitda menor faz com que haja espaço para uma redução superior a 25% nas projeções de lucro para 2023 e 2024. Essa é a conta que alguns analistas estão fazendo.

O que a empresa está fazendo a respeito?

O tom da Hapvida é o de quem busca “reorganizar a casa” para 2023 focada principalmente em dois pontos: aumento do tíquete médio e redução da sinistralidade. No que diz respeito ao preço, o CEO Jorge Pinheiro afirmou que a empresa deve praticar reajustes de duas a três vezes a inflação para este ano.

“Quando a gente nota nossos números e nos relativiza ao que está acontecendo ao nosso redor, vemos que qualquer iniciativa de outra empresa que não cabe na estrutura de custos é uma iniciativa rasa. Temos uma maneira sustentável de sermos mais competitivos, dado o nosso modelo de negócio, e a situação da concorrência em geral. Quem não tem base de custos sustentável tende a ser mais frágil”, afirmou o CEO.

Em relação à redução da sinistralidade, um das pontos mais importantes é a estratégia de verticalização da companhia. Para dar conta dela, a Hapvida dividiu sua atuação nacional em três regionais: a primeira, que engloba todas as operações originais Hapvida (que tem um nível alto de verticalização e perspectivas de que volte aos níveis históricos mais rápido); a segunda, que engloba ativos da Notre-Dame Intermédica, que terá níveis de verticalização ampliados neste ano, e a terceira, menos madura, de operações de PMEs espalhadas em diferentes partes do Sul e Sudeste, com 1,2 milhão de vidas, onde a sinistralidade é mais elevada. “Temos mais mato alto a ser destravado ali”, afirmou Pinheiro.

De olho em uma operação mais focada nos recursos próprios e com um olhar mais regional, a companhia afirmou que tem reservados R$ 400 milhões para investir ao longo do ano em novas unidades. Além disso, há oportunidades a serem destravadas, como leitos ociosos, aluguéis de ambulatórios já prontos em unidades de pronto atendimento e unidades build-to-suit para casos mais complexos.

Não há um timing único para que o efeito dessas mudanças seja sentido de forma completa. “Devemos respeitar o tempo de cada um das unidades em que nos dedicamos e usar a nossa experiência de integração, definir sistemas de remuneração e parceria com a rede. São iniciativas que começam hoje, mas que têm um processo gradual e contínuo. A HB [adquirida em 2021], por exemplo, que conta hoje com uma sinistralidade de 95%,  tem potencial para ficar nos 70% ao longo dos próximos 18 meses, mas é uma jornada”, afirmou Pinheiro. "Estamos seguros que ao longo dos próximos trimestres vamos rer recomposição de margens históricas, respeitando novas aquisições."

Agora, é aguardar se as diversas iniciativas que a companhia comentou na teleconferência serão suficientes para fazer os analistas não cortarem de forma importante as projeções de lucro para os próximos anos. Não é o que os preços em bolsa indicam.

 

 

Acompanhe tudo sobre:BalançosHapvidaJurosNotreDame IntermédicaPlanos de saúde

Mais de Exame IN

Fim da guerra da cerveja? Pelas vendas de setembro, a estratégia da Petrópolis está mudando

“Equilíbrio fiscal não existe, mas estamos longe de uma crise”, diz Felipe Salto

Mais Porto, menos Seguro: Diversificação leva companhia a novo patamar na bolsa

Na Natura &Co, leilão garantido e uma semana decisiva para o futuro da Avon