Cândido Júnior e Jorge Pinheiro Koren, controladores da Hapvida: diluição da família para fatia de 37,6% (Hapvida/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 11 de janeiro de 2021 às 00h09.
Última atualização em 11 de janeiro de 2021 às 00h46.
“É a realização de um sonho antigo”, diz Jorge Pinheiro Koren, presidente do grupo Hapvida, a respeito da possível combinação com o Grupo NotreDame Intermédica (GNDI), em entrevista ao EXAME IN. Na sexta-feira, as companhias encerraram o dia avaliadas em 118 bilhões de reais, na soma das duas, após o mercado tomar conhecimento de uma proposta de fusão encaminhada pela Hapvida à Intermédica.
“A junção das duas empresas é transformacional e impacta milhões de brasileiros. A complementariedade das empresas é impressionante, realmente única. Praticamente não há nenhuma sobreposição. Nada se encaixa com tanta perfeição”, diz o executivo, que é também herdeiro do fundador Candido Pinheiro Koren, com entusiasmo de quem quer transmitir uma mensagem de que tudo vai dar certo. A Hapvida tem foco nas regiões Norte e Nordeste, enquanto a Intermédica se dedica ao Sul e Sudeste do país.
“Quase fizemos isso acontecer no passado. Essa conversa é antiga, do tempo do Paulo Barbanti [ex-controlador da GNDI, antes da aquisição pela Bain Capital, em março de 2014].” Pinheiro conta que Barbanti telefonou quando soube das conversas, em tom otimista e se declarou torcedor do negócio.
A proposta da Hapvida ao conselho da Intermédica foi encaminhada no dia 21 de dezembro, de acordo com o executivo. O negócio, contudo, se tornou público só na sexta-feira, dia 8, após a informação sobre a existência de uma negociação ter sido divulgada com o pregão em andamento pelo colunista Lauro Jardim, de O Globo. Mas, antes mesmo que fosse confirmada, o mercado já reagia positivamente.
A reação — alta de 26,6% nas ações da Intermédica e de 17,7% nos papéis da Hapvida — cria uma pressão indireta em ambas as empresas. Sem negócio, as duas sofreriam forte correção nos preços e os acionistas, que aguardam uma transação há tempos, podem cobrar os desdobramentos.
Ao fim da última sexta-feira, após os comunicados de ambas as empresas, os investidores deram o recado de como receberam a potencial combinação: nada menos do que 23 bilhões de reais a mais no valor de mercado de ambas, uma vez que um dia antes (7/01) elas valiam juntas 95 bilhões de reais. A reação rápida e intensa indica que o mercado vê alta probabilidade no sucesso da operação.
De acordo com os cálculos de Mauricio Cepeda, analista do Credit Suisse, a transação pode agregar 40 bilhões de reais em valor de mercado à soma das duas companhias. Segundo relatório publicado no domingo, 10, pelo especialista, a alta de sexta-feira (dia 8), equivale a um ganho de 16 bilhões de reais à média da avaliação das empresas ao longo do mês de dezembro — 40% do potencial adicional estimado.
Pela combinação proposta, a Hapvida representaria 53,1% do negócio unificado e a Intermédica, 46,9%. Na média de novembro a dezembro, essa relação esteve em 55% e 45%, respectivamente.
Juntas, as companhias teriam 13,5 milhões de vidas atendidas, cerca de 8,5 milhões na área de saúde, uma fatia de pouco menos de 20% do mercado nacional. “Há uma enorme sinergia pelo surgimento da primeira companhia verticalizada nacional. Primeira e maior. Maior do mundo nesse modelo”, diz Jorge Pinheiro, com otimismo evidente. O executivo cita os 84 hospitais, 280 clínicas e mais de 250 unidades de diagnóstico que as empresas teriam unidas.
Pinheiro Koren está tão positivo que não acredita em necessidade de mudança nas condições oferecidas. Disse que a oferta realizada atende às expectativas da Intermédica e de seus acionistas, conforme as conversas realizadas — “e até um pouco mais”.
A grande vantagem das companhias combinadas é a capacidade de crescimento, para ele. Na largada, há um potencial apenas pela transformação em um negócio nacional — seria o primeiro. Há diversas empresas clientes com atuação em todo o Brasil, segundo o executivo, que são assinantes de planos de ambas. Mas há outras tantas que são nacionais e clientes de apenas uma delas.
Além disso, o executivo entende que o mercado “endereçável” é de 5 a 6 vezes maior que o tamanho atual da empresa, considerando a faixa de um a cinco salários mínimos. “Nossa missão é medicina de qualidade, com o menor preço possível.” Desde 2016, segundo ele, enquanto o mercado total de planos de saúde perdeu 1,6 milhão de clientes, as duas empresas conquistaram 2,3 milhões de novos usuários.
Ele enfatiza que o modelo é vencedor. “Temos a menor sinistralidade do setor, em torno de 60%”, afirma, sobre a Hapvida. “A Intermédica está um pouco maior, perto de 70%. Parte da sinergia, além do crescimento, é que podemos melhorar esse indicador.”
“Praticamente não há sobreposição. Nem no Estado de São Paulo. Enquanto, a GNDI é líder na região metropolitana e baixa santista, nós estamos no interior e Vale do Paraíba”, diz.
Pinheiro Koren, porém, não falou em valores absolutos das sinergias. A soma simples do Ebitda de ambas equivalia a 3,65 bilhões de reais em 12 meses, até setembro do ano passado. “Antes da pandemia, ter um plano de saúde era o terceiro maior objeto de desejo da população brasileira. Eu imagino isso agora, que saúde se tornou algo tão em evidência.”
O especialista do Credit Suisse vê uma economia de despesas administrativas e comerciais da ordem de 500 milhões de reais logo de cara. “O que é cerca de 50% das despesas atuais da GNDI”, escreve Cepeda no relatório. Além disso, ele acredita que pelo fato de as empresas deixarem de disputar os mesmos ativos — nas aquisições que ambas frequentemente realizam — haverá uma redução dos custos de transação da ordem de 20%.
Apesar do tom otimista, tudo que foi divulgado até o momento é uma proposta não vinculante. Fontes próximas às conversas afirmam que as condições foram estabelecidas após conversas prévias com o conselho de administração e acionistas da Intermédica e que o tema está bastante bem encaminhado.
O comunicado da GNDI, porém, tem tom bastante mais sóbrio. O texto afirma que o conselho aceitou a negociação, por entender que pode significar a criação de valor para o negócio e para os acionistas. Mas não traz nenhum sinal de que está tudo tão certo.
A GNDI é uma companhia sem controlador definido. A Bain Capital é a maior acionista, com uma fatia da ordem de 11% — após a oferta pública de venda realizada ao fim de novembro do ano passado. Após a fusão, nos termos atuais, teria uma fatia de 5,3%. Na oferta, a Bain vendeu as ações que fecharam sexta-feira a 91,40 reais por 69,50 reais.
Nesses casos, em que não existe um acionista majoritário, a administração tem papel fundamental em negociações de fusão ou aquisição. A gestão executiva da Intermédica tem 3,5% da empresa.
A família Pinheiro seria a maior acionista do negócio combinado com ampla vantagem: 37,6% do capital, mas sem controle majoritário. “Não foi simples para minha família abrir mão do controle majoritário. Mas aceitamos diante do potencial de crescimento e do tamanho que o negócio pode ter”, explica Jorge Pinheiro.
Jorge Pinheiro Koren contou que, idealmente, se o executivo aceitar, seria bem-vindo que Irlau Machado, presidente da Intermédica, aceitasse uma posição de co-presidência no negócio e ainda a participação no conselho de administração. “Queremos uma combinação dos negócios, mas com uma transição bastante suave e mantendo os talentos.”
A criação de uma companhia nacional integrada chega para se opor diretamente ao modelo de partes independentes. Hapvida e Intermédica têm conseguido, ambas, manter um custo substancialmente mais atrativo de planos de saúde. A Rede D’Or, primeira companhia independente de hospitais com ações na B3, listou ações recentemente na bolsa e levantou mais de 8 bilhões de reais em dinheiro novo, para reforçar capacidade de aquisições.
O grupo é dedicado a um mercado de alto padrão. Contudo, com o forte crescimento dos últimos anos e a expectativa de continuidade da expansão, há crença de que, cada vez mais, os modelos independentes e verticais se encontrem no ringue em busca de clientes.
Para Cepeda, do Credit Suisse, a combinação de Hapvida e Intermédica representa a vitória do modelo verticalizado na saúde. Com a soma das vidas atendidas pelas empresas, a companhia combinada teria 1,8 vez o tamanho da Bradesco Seguros e 2 vezes o da Amil.
Considerando o potencial calculado pelo analista, a companhia resultante da união de Hapvida e Intermédica daria origem a um negócio da ordem de 140 bilhões de reais — maior que a rede de hospitais controlada pela família Moll, que vale 120 bilhões de reais na bolsa, em valor de mercado e em receita líquida, que somou 13,3 bilhões de reais em 2019.
Na negociação, a Hapvida conta com assessoria do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME) e do Itaú BBA. A Intermédica contratou o Citi para acompanhar as conversas.