Taciana Abreu: preocupação com ESG saiu do papel para ocupar o centro da estratégia no grupo de moda (Grupo Soma/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 7 de julho de 2022 às 09h26.
Última atualização em 7 de julho de 2022 às 15h24.
No Grupo Soma, dono das marcas Farm, Animale, Hering, Cris Barros, o ano de 2021 foi o de ‘arrumar a casa’ em ESG e, daqui para frente, o caminho será de ações capazes de tornar a companhia zero carbono até 2030. Essa é a principal conclusão que o relatório de sustentabilidade divulgado nesta quinta-feira, 7, traz. O documento é o primeiro elaborado pela área de ESG do grupo — montada em abril do ano passado — e traz como principal destaque as iniciativas dentro do ‘E’ da sigla (environment). Não à toa. O inventário do grupo dobrou desde a chegada da Hering, adquirida também no último ano. Vale destacar que a meta de 2030 é para emissões de escopo 1 e 2 (provenientes de fontes que pertencem à organização e indiretas de energia elétrica consumida). Para as emissões do escopo 3 (indiretas, que são acumuladas ao longo de toda cadeia de fornecedores) a ONU determina que empresas sejam net zero até 2050, cronograma seguido também pelo Soma.
De olho em criar uma estratégia capaz de atender aos desafios, o grupo fez, pela primeira vez, um inventário de emissões de gases de efeito estufa — uma iniciativa restrita antes a algumas coleções da Farm. “É um documento que te obriga a olhar tudo. Desde o consumo de água, energia, resíduos, vira um grande guarda-chuva de indicadores ambientais. Nós já trabalhávamos, antes, de forma muito ativa com os indicadores sociais, de olho em questões trabalhistas, uma prioridade dentro do setor de moda”, diz Taciana Abreu, head de Sustentabilidade do Grupo Soma, ao EXAME IN.
Essa não foi a única ação de olho no impacto no meio ambiente. No último ano, o grupo realizou uma série de compromissos visando a atender a cada vez mais critérios ESG: se tornou signatário do Pacto Global da ONU, aderiu aos dez princípios da Agenda 2030, assinou o Business Ambition for 1,5°C, um compromisso que visa contribuir para que o aumento da temperatura média global não ultrapasse esse limite. Com isso, também foi incluído na Race to Zero, uma campanha internacional liderada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCC). Também se filiou ao Fashion Industry Charter for Climate Action e assinou os compromissos Equidade é Prioridade e Elas Lideram 2030.
Mesmo com uma adesão relativamente recente aos compromissos, alguns resultados já apareceram no relatório deste ano. Ainda de olho no aspecto ambiental, o documento aponta que metade dos resíduos gerados pelo grupo (já incluindo Hering) foram destinados à reciclagem: das 9,5 mil toneladas de resíduos, 5,1 mil foram reaproveitadas. O grupo como um todo investiu mais de R$ 200 mil na gestão de resíduos distribuídos e desenvolveu linhas de produtos mais sustentáveis, como o jeans que usa menos água na fabricação. O grupo também mantém a parceria com a Eu Reciclo, que começou com a Maria Filó em 2018 e hoje abrange mais nove marcas do grupo. Em 2021, a parceria viabilizou o investimento na cadeia de reciclagem do país no equivalente a 570 toneladas.
Mais uma meta destacada no relatório é a de se tornar também aterro zero até 2030. Dentro do grupo, há quem já esteja mais avançado nas discussões e políticas ambientais estabelecidas e quem ainda está em fase de estruturação. No primeiro, estão as duas maiores marcas em receita para o grupo: Hering e Farm e, no segundo, as demais. Para garantir que as demais empresas também avancem ao longo do tempo, o grupo definiu uma série de prioridades a serem atendidas ao longo dos próximos anos — algumas palavras-chave são diversidade, inclusão e redução de emissões que serão atendidas com ações e compromissos dentro de cada empresa.
No caminho para chegar até lá, a Hering já mostra uma série de contribuições no relatório apresentado. Em 2021, a empresa se tornou uma 'B Corp', selo concedido até hoje para 231 empresas no Brasil e que reconhece aquelas altamente comprometidas com metas sustentáveis, de governança e sociais. No segmento de moda, a Hering foi a 21ª empresa a conquistá-lo. “A Hering já é uma ativista ambiental há muitos anos. Isso facilitou muito o ‘match’ com o comitê de sustentabilidade do Grupo Soma e nos deixou muito satisfeitos. Agora, nossa meta é trazer a mesma certificação para o grupo todo”, diz Abreu.
Entre as ações praticadas pela companhia catarinense destacadas no relatório, está o fato de destinar todas as sobras e aparas têxteis de forma adequada: em 2021, cerca de 0,9 tonelada foi doada para a Fundação Hermann Hering, 3,6 toneladas foram vendidas e outras 8,3 toneladas foram reaproveitadas. Além disso, a companhia catarinense conta com soluções de tratamento de efluentes e prioriza o uso de energia renovável na operação. Hoje, dentro do Grupo Soma, a Hering tem a Comissão Interna de Conservação de Energia e Meio Ambiente (CICE), que monitora e delibera sobre os impactos ambientais de todas as unidades da companhia.
De olho no futuro, a meta daqui para frente é reduzir em 45% o consumo de água na principal fábrica da companhia catarinense até 2030. A planta de Itororó é a responsável, atualmente, por fabricar mais de 90% da produção da empresa.
Excluindo a aquisição mais recente do grupo, a empresa-modelo em responsabilidade com o meio ambiente é a Farm. A empresa conta com uma área de sustentabilidade própria desde 2018 e, em dezembro do ano passado, bateu a marca de 500 mil árvores plantadas. A ação de plantar “mil árvores por dia” é destacada no relatório como uma das principais responsáveis pelo Grupo Soma conseguir compensar 100% das emissões do último ano — para ter uma ideia, cerca de 60 mil árvores plantadas seriam suficientes para compensar toda a operação da Farm. Com o pé no acelerador, a empresa tem a meta de plantar um milhão de árvores neste ano.
O desafio, agora, é o preço. Hoje, o crédito florestal é o mais caro de todos os tipos de compensação ambiental utilizados pelo grupo, já que é necessário acompanhar o crescimento de uma nova floresta ao longo de 30 anos. E os custos crescem cada vez mais: se no ano passado o crédito de carbono florestal custava R$ 33 a tonelada, este ano, já é negociado a R$ 40. “E quando vai pra uma alta emissão como a de Hering, praticamente dobra esse valor. Não é barato, mas é necessário”, diz Abreu. Há outras opções mais baratas, é claro, mas cujos custos também estão aumentando. Uma delas é a de conservação florestal, que em linhas gerais usa dinheiro privado para cercar áreas e permitir que aquilo não escape, um crédito de desmatamento evitado, por assim dizer. E, o último, é o de projetos de energia renovável, visando a criar tecnologia para evitar emissão futura – dentro deste, inclusive, vão entrar 66 lojas do grupo já em julho.
Para superar o desafio de um mercado cada vez mais aquecido, com custos crescentes, o grupo está trabalhando em parceria com a startup Jundu para acelerar a criação de crédito de carbono de reflorestamento atrelados aos projetos de plantio apoiados pela marca Farm, rastreando o crédito com blockchain e NFT.
“Tem muita terra passível de projetos de reflorestamento, que é o que temos que fazer. Só que são projetos caros, o valor do crédito tá subindo e ninguém tem isso orçado”, diz a executiva. Para se antecipar a um mercado que se torna cada vez mais aquecido, o Grupo Soma separou uma parte do orçamento, pela primeira vez, de olho na neutralização de carbono. Em 2020, mais de um milhão de reais foi gasto em políticas de neutralização de carbono e reflorestamento.
Em relação ao que as demais empresas fizeram em relação ao meio ambiente no último ano, um resumo rápido é o de que a Fábula já tem 68% da coleção feita com algodão certificado e realizou parcerias com atividades culturais voltadas ao público infantil. Na Cris Barros, o relatório destaca que 30% das peças são eco friendly. Isso além do trabalho individual das marcas com institutos como o Ipê, Vida Livre e Ampara Animal.
Em relação aos fornecedores, além da análise de conformidade legal e boas práticas socioambientais, o grupo realizou mais de 7.200 auditorias nos fornecedores Soma e 564 auditorias nos fornecedores da Hering. No ano passado, o grupo investiu mais de R$ 1,5 milhão na cadeia para adequação da certificação ABVTEX.
“Há um diálogo muito aberto com eles. Tivemos algumas rodadas de conversas e explicamos a estratégia ESG, gestão de energia, de água, como vamos fazer isso. E explicamos que precisamos de dados simples, como um excel com a quantidade de energia utilizada para fabricar nossos produtos. A impressão é que estão todos preocupados com o assunto. Já existe investimento do lado deles e o que precisamos é aproximar informação. Vamos dar mais escala a isso em 2022 e será fundamental na melhor gestão dos indicadores ambientais da cadeia”, diz Abreu.
Inclusive, dentro do relacionamento com os fornecedores, em 2021 o grupo já criou um programa para dar mais suporte à cadeia também do ponto de vista social: um programa para adiantar pagamentos de produções foi colocado em prática, de olho na sobrevivência de uma cadeia tão pulverizada no Brasil.
Da porta para dentro, o relatório mostra que o grupo estruturou em 2021 a área de Gente e Gestão, com uma série de iniciativas para a jornada do colaborador, envolvendo desde o recrutamento e seleção até à avaliação de parâmetros como GPTW e pesquisa eNPS para acompanhar a visão de quem já está no grupo. O grupo também conta com uma plataforma online de treinamentos chamada “Mais Saber”, disponível para todos os colaboradores, que conta com mais de 220 cursos e mais de 20 trilhas de aprendizagem.
Com um olhar individual de destaques por empresa, uma iniciativa que foi feita na Farm e será estendida para as demais empresas é um banco de talentos dos times comerciais. “A maior parte dos funcionários estão na loja e há muitos talentos por ali, gente que quer fazer carreira na empresa. Mudamos o olhar de procurar somente pessoas no mercado para procurar pessoas nas lojas para cargos corporativos e tem sido muito efetivo, muito eficiente”, diz Abreu.
Ao analisar políticas de diversidade, a Hering já tem políticas estruturadas e uma do grupo Soma virá ainda em 2022. O que dá para adiantar é que o grupo tem como um todo a meta de metade de mulheres na alta liderança até 2030, considerando CEO mais dois níveis abaixo. Falta chegar a esse patamar especialmente no primeiro nível e no conselho de administração.
Nesse sentido, um destaque é a Animale, única empresa do varejo que integra o movimento Elas Lideram 2030, também promovido pela ONU, e que tem como objetivo ampliar a participação de mulheres na liderança.
Em relação aos compromissos étnico-raciais, a companhia realizou um censo no último ano e admite que é um dos principais desafios a serem superados — desafio não só do grupo, mas de quase todas corporações brasileiras. “Incluir negros e trans é o nosso principal ponto de trabalho para incluir ambos em todas as empresas do grupo. É um trabalho duplo, o de encontrar esses profissionais, algo que estamos conduzindo junto a algumas consultorias, e o de desenvolver a carreira de quem já está dentro de casa. Temos como meta avançar em ambos”, diz Abreu.
Pela primeira vez, o grupo Soma respondeu em 2021 o questionário do Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3, o ISE. A companhia ficou ranqueada na 70ª posição, como mostra o relatório. A executiva explica que a posição, tão baixa em relação às expectativas, aconteceu por causa da nota do Carbon Disclosure Project (CDP).
“O ISE foi reformulado e o pilar de mudanças climáticas é a nota do CDP. Foi inteligente ter puxado isso, msa o CDP tinha um cronograma diferente de envio de respostas. E organizamos nosso cronograma de inventário de carbono para enviar respostas tendo como base a data de entrega do ISE, sendo que o CDP tinha de ser enviado três meses antes. Com a confusão, enviamos apenas os dados de inventário de Farm e ficou capenga. Estamos confiantes que em 2022 vamos dar um salto de qualidade bastante importante”, diz Abreu.
Segundo a executiva, a meta é compor a carteira. Algo que pode vir, no máximo, até 2023. “Somos competitivos”, diz.
É uma afirmação alinhada ao estilo de gestão do grupo: crescer com responsabilidade. Esse o mantra do CEO, Roberto Jatahy, para tudo. Antes, o grupo já era conhecido por fazê-lo nos termos financeiros. Agora, quer mostrar que tem fôlego para incorporar essa filosofia também na sustentabilidade. Estudar, aplicar e acompanhar é a filosofia agora também em ESG.
Seu feedback é muito importante para construir uma EXAME cada vez melhor.