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Gol prepara captação antes de pagar por incorporação da Smiles

Valor de mercado da Gol supera R$ 10 bilhões com geração de caixa em novembro e novo plano para incorporar a Smiles

Aviões da Gol: empresa tenta terceira incorporação da Smiles (Germano Lüders/Exame)

Aviões da Gol: empresa tenta terceira incorporação da Smiles (Germano Lüders/Exame)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 7 de dezembro de 2020 às 16h35.

Última atualização em 7 de dezembro de 2020 às 17h33.

A Gol fará sua terceira tentativa de incorporar a controlada Smiles, negócio de programas de fidelidade que nasceu dentro da empresa aérea e foi listada separadamente na B3 em 2013. Nesta segunda-feira, 7, uma proposta foi enviada ao conselho de administração da Smiles. A partir de agora, haverá uma negociação com os membros independentes da empresa alvo para os termos finais.

Como ponto de partida, a Gol ofereceu a cada ação ordinária da Smiles 0,825 ação preferencial de sua emissão ou 22,32 reais. Entretanto, na oferta levada à empresa, o pagamento será um misto de ações e dinheiro. Nesse modelo, nenhum acionista da Smiles poderia receber mais de 80% em dinheiro ou em ações — o teto será sempre essa proporção de 80%-20%, para qualquer preferência.

Atualmente, a Smiles é a única empresa de milhagem de companhia área apartada do negócio principal, a aviação comercial. No Brasil, a Latam incorporou a Multiplus em 2018 — quando começou a primeira tentativa da Gol.

A transação chega em um bom momento de mercado para a aérea, que está avaliada em mais de 10 bilhões de reais na B3 — bem acima dos 7 bilhões de reais que valia em fevereiro, antes de a covid-19 aterrissar definitivamente no Brasil. Já a Smiles, vale 2,77 bilhões de reais, pouco mais de um quinto do que valia em março de 2018, antes de reduzir o pagamento de dividendos e de a controladora anunciar o plano de tirar a empresa do mercado. Ao fim de fevereiro, a Smiles estava avaliada em 4 bilhões de reais.

De todas as tentativas anteriores, esse é o momento em que a relação de valor entre as companhias está mais favorável à Gol. No fato relevante que anunciou a proposta, a companhia aérea destacou a relação simbiótica entre os dois negócios e o fato de a controlada ser hoje a única operação apartada de fidelidade no setor, o que acaba gerando interesses divergentes entre os negócios e perda de competitividade para ambas.

No novo plano, portanto, a operação custará 1,3 bilhão de reais à Gol, se o modelo ficar tal como está e se todos escolherem o teto do pagamento em dinheiro. Se a preferência for receber em papéis da Gol, a despesa com a incorporação pode ser pouco inferior a 265 milhões de reais. Para os acionistas da Gol, a diluição com a incorporação nessa estrutura pode variar de 2,6% a 9,9%.

Já calejada por outras experiências em que a demora sempre contou contra a transação — confirmando a máxima de que o tempo mata as negociações —, a Gol já deu recado de que pretende resolver tudo rapidamente desta vez. Idealmente, quer convocar a assembleia até 18 de janeiro, o que pressupõe a realização das aprovações até 18 de fevereiro. O motivo é a volatilidade já tradicional do setor que se soma à instabilidade trazida pela pandemia.

O prêmio implícito no negócio foi de 26,3% para os acionistas da Smiles, considerando a média do preço da ação nos últimos 30 dias. “A média de prêmios de transações que não envolvem compra de controle varia de 19% a 29%. A Gol ficou perto do teto”, diz uma fonte com conhecimento dos detalhes do negócio.

Como se trata de uma incorporação de uma companhia do Novo Mercado por uma empresa Nível 2, com troca de ações ordinárias por preferenciais, o regulamento da B3 determina que a Gol não poderá votar na assembleia da Smiles, com seus 52,6% do capital. Portanto, mesmo negociada com membros independentes do conselho da empresa de milhagem, a incorporação só vai acontecer se os minoritários da Smiles quiserem.

Para 2022, a incorporação da Smiles, considerando a recuperação plena do setor de aviação, pode adicionar 500 milhões de reais ao ano ao Ebitda da Gol. De imediato, traria um saldo de quase 510 milhões de reais que estão acumulados no caixa (se fosse agora), mesmo após o acordo de julho, quando antecipou a compra de 1,2 bilhão de reais em passagens da controladora.

Na prática, portanto, o desembolso efetivo será a diferença entre o gasto e o caixa que vier dentro da companhia de milhagem. Se fosse hoje, com o saldo de setembro acumulado pela empresa, a incorporação poderia variar entre trazer quase 250 milhões de reais em dinheiro novo à Gol e gerar um gasto de 800 milhões de reais, aproximadamente. Os extremos consideram, respectivamente, a parcela mínima em dinheiro na absorção de todos os acionistas da Smiles e a parcela máxima em dinheiro — dentro da proposta feita nesta terça-feria.

Captação

A Gol tem na manga uma captação de recursos significativa para ser realizada dentro dos próximos cinco meses, portanto, antes do pagamento da incorporação, se ela seguir o cronograma acelerado desejado. Conforme o EXAME In apurou, a Gol não deve usar o modelo sugerido pelo BNDES. A empresa deve ir ao mercado externo para levantar dinheiro com uma emissão de dívida com garantia real de peças e motores. A empresa tem atualmente cerca de 1 bilhão de dólares em ativos disponíveis para esse tipo de operação.

A companhia segurou as pontas na pandemia — apoiada, em boa medida, na transação de adiantamento de compra de passagens pela Smiles — e não gastou seus trunfos.

A expectativa, segundo fontes ouvidas pelo EXAME In, é que a companhia consiga transformar em “ágio” para si o fato de ter sido uma das únicas — se não a única — empresa aérea do mundo a fazer amortização no mercado de bonds, que tem um grupo de investidores quase dedicado ao setor. Foi um pagamento total de 380 milhões de dólares, perto de 2 bilhões de reais. A Azul também honrou seus bonds, pagando juros, antes de colocar em marcha uma possível reestruturação dos títulos.

A Gol pagou 80 milhões de dólares de títulos que vencem em 2022 e ainda 300 milhões de dólares vencidos em agosto, que eram garantidos pela americana Delta. Do pagamento, de acordo com informações obtidas pela reportagem, 250 milhões de dólares foram refinanciados diretamente pela Delta, com vencimento ao fim de 2021. A Gol se comprometeu a pagar pouco mais de 15 milhões de dólares ao mês até o fim do próximo ano à ex-parceira americana.

Resultado positivo

A Gol também informou nesta terça-feira, dia 7, ter 2,3 bilhões de reais de recursos disponíveis. Mas a boa notícia do comunicado é que pela primeira vez desde que a pandemia tomou conta do mundo e do Brasil, a Gol teve uma geração positiva de recursos. A operação do negócio trouxe 30 milhões de reais para o caixa e as despesas e saídas necessárias totalizaram 27 milhões de reais, o que deixou o saldo positivo em 3 milhões de reais. O valor é tímido, mas pessoas próximas à companhia consideram uma vitória e um bom começo para quem planeja buscar recursos no curto prazo.

Para ter esse resultado, a geração de caixa subiu 22% na comparação com outubro e os desembolsos foram reduzidos em 9%.

A companhia estava operando com 60% a 70% de sua capacidade diária dentro do Brasil e deve elevar esse percentual a 80% em dezembro. No ano, a frota já foi reduzida em 12 aeronaves e mais 30 podem ser devolvidas até 2022 a depender do cenário global, que são contratos de aluguel de prazo mais curto. A partir de então, a empresa começa a receber encomenda de modelos novos, diluídos entre 2022 e 2032.

Nesta quarta-feira, a Gol também começa a operar o novo modelo da Boeing o MAX-737 após uma sabatina de revisões nos Estados Unidos, após dois acidentes em 2018 que tiraram a aeronave dos solos por mais de dois anos. O novo modelo representa uma economia da ordem de 15% com combustível, o principal custo de uma companhia aérea.

Histórico

Essa é a terceira proposta da Gol para incorporar a Smiles. A primeira ninguém conheceu os termos de mercado. Foi anunciado apenas o modelo, em outubro de 2018. Mas era tão complexo e tão polêmico, que acabou morrendo antes que as condições finais de uma negociação fossem alcançados. Nessa primeira versão, a Gol acabaria no Novo Mercado, mas da forma como tudo seria feito estava longe de ser algo para se comemorar. O controlador concentraria ainda mais poder, no lugar de dividir.

A segunda versão, que esteve em vias de sair do papel, foi abortada pela pandemia. Na primeira tentativa de aprovação da assembleia não houve quórum e ainda havia alguma resistência por parte de alguns acionistas minoritários da Smiles. De lá para cá, a vida e as perspectivas no setor aéreo mudaram completamente e a suspendeu a transação para evitar saídas extraordinárias de caixa.

O futuro das viagens corporativas, por exemplo, está absolutamente em xeque. Nesse momento, ainda estão praticamente paralisadas e faziam quase metade do tráfego aéreo global. No caso da Gol, era exatamente em linha com a proporção global.

 

 

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