Dinheiro em cédulas: o principal adversário para a fintech argentina continuar avançando (DircinhaSW/Getty Images)
Karina Souza
Publicado em 20 de agosto de 2022 às 10h00.
Última atualização em 22 de agosto de 2022 às 10h31.
A fintech por trás das empresas de pagamentos. Assim pode ser definida a Geopagos, empresa argentina que captou US$ 35 milhões em uma rodada liderada pelo Riverwood Capital (fundo que já investiu em Gupy, Arquivei e Petlove). O aporte, o primeiro liderado por uma instituição financeira, vai permitir que a companhia ‘entre com o pé direito’ no Brasil, principal mercado da América Latina. Em tempos duros para injetar dinheiro em startups, Julian Lisenberg, co-fundador e chief revenue officer da Geopagos, afirma ao EXAME IN que conseguiu atrair a atenção do fundo por ser rentável há alguns anos e pela proposta de valor da empresa, de digitalizar o mercado de pagamentos latino-americano. O ‘pontapé inicial’ já foi mais do que dado: hoje, está presente em 15 países e movimenta 150 milhões de transações por ano.
No Brasil do PIX, meio de pagamento preferido pelos consumidores (44% usam a transferência para pagar, segundo a pesquisa O Perfil do Consumidor, da Opinion Box, Social Miner, Bornlogic e All iN), é mesmo necessário chegar com fôlego. Além dessa novidade, que tornou fácil transferir quantias pelo celular, ainda há um mundo de marcas de maquininhas rodando por aí. Especialmente em São Paulo, não é difícil ver aparelhos de pelo menos quatro empresas: PagSeguro, Cielo, GetNet e Stone. Conforme elas evoluem, os consumidores acompanham as novidades e pedem por mais. Ainda segundo a mesma pesquisa, feita neste ano, o cartão por aproximação é o preferido de 40% dos consumidores, seguido pela carteira digital, com 26%, e o pagamento por QR Code (20%). Isso, lembrando, relacionado somente à população bancarizada do país. Hoje, 38,5% da população adulta não tem nenhuma conta, segundo um levantamento da Brink's e da Fundação Dom Cabral. Entre este público, 53,4% prefere, é claro, o dinheiro em cédula como forma de pagamento.
Em um mercado tão disputado, a estratégia da empresa argentina não é a de entrar diretamente no ramo de adquirência nem nada parecido com isso. O negócio da Geopagos é mesmo de tecnologia e infraestrutura. Em outras palavras: a companhia quer ser a fornecedora-chave de tecnologia para todos os agentes envolvidos na cadeia de meios de pagamento – dos bancos às donas das maquininhas – para que possam incorporar de forma rápida soluções inovadoras por meio de APIs. Tudo de forma white-label.
Fora do Brasil, isso já foi feito com a Visa para desenvolver o aplicativo VendeMás, que permite a estabelecimentos comerciais no Peru transformarem celulares Android em pontos de pagamento – em poucos meses de uso, a Visa informa que cadastrou mais de 25 mil estabelecimentos comerciais por lá. Entre os principais clientes, estão Santander, BBVA, Itaú, Banco Estado de Chile e outros.
Por aqui, a principal oferta será a tecnologia Tap to Phone (também usada no app peruano), que permite que todo celular se transforme em um terminal de pagamentos. A companhia não venderá essa solução de forma direta aos estabelecimentos comerciais, mas deve ofertá-las aos bancos e demais agentes da cadeia de meios de pagamentos para que elas, por sua vez, disponibilizem essa tecnologia aos clientes delas. O executivo não divulga o potencial de crescimento no país, nem projeções de crescimento locais. Mas dá uma ideia da atuação por aqui em relação aos países vizinhos.
“O Brasil já é um mercado muito desenvolvido. Na Argentina, observamos o crescimento dos pagamentos digitais de forma mais recente e, no Chile, isso ainda está em fase inicial. A Colômbia talvez seja o mercado em que vemos mais espaço para desenvolvimento, já que está num estágio parecido ao do Brasil quando tinha apenas Cielo e Rede”, afirma Lisenberg.
Trazendo dados para dar a dimensão desse comportamento, o relatório Global Payments Report, produzido pela FIS, mostra que o dinheiro em espécie segue sendo o principal adversário para o crescimento dos meios de pagamento digitais. Hoje, 36% das transações em pontos de venda são pagas em cash, seguidas por 28% do cartão de crédito -- um comportamento impulsionado pelo Brasil -- e 23% do débito. Carteiras digitais são apenas 8%, com previsão de chegar a 15% em 2025. E ferramentas como o boleto parcelado nem representam nem 1% do total neste ano. O que abre caminho para a fintech argentina crescer.
No Brasil, o plano é que o Tap to Phone seja apenas o começo por aqui e só a ponta dos planos da fintech após a rodada de captação. A ideia é aprofundar o olhar local em cada um dos 15 mercados que a empresa está presente e garantir que todos tenham acesso às ferramentas mais adequadas para cada realidade. Hoje, por exemplo, a solução para celulares está disponível em apenas dois desses mercados. Além dela, a companhia oferece uma gama de outras, como QR Code, gateway de pagamentos e mPOS, também distribuídas de forma desigual.
O foco no futuro, segundo o executivo, também contempla o desenvolvimento de novas funcionalidades que podem ser agregadas à plataforma, de olho no comportamento de diferentes setores. Lisenberg cita o do varejo, por exemplo, com a possível oferta de uma solução de gestão de estoques agregada ao sistema da Geopagos – o que, em uma comparação no cenário brasileiro, seria parecido com o que a Cielo Store oferece.
Uma evolução e tanto para uma corporação que surgiu a partir de uma visita a uma loja da Apple, há dez anos. Em 2012, um dos fundadores morava em Nova York e, ao se dirigir a uma loja da Apple, ficou maravilhado quando concluiu uma compra com cartão de crédito direto no celular do vendedor – que usava um aparelho da Square, fundada por Jack Dorsey, ex-CEO do Twitter.
A partir daí, pensou em como fundar uma empresa que pudesse fazer algo semelhante na América Latina. O resultado foi um time de peso: Sebastián Nuñez, o atual CEO, trabalhou 14 anos na American Express, Julián Lisenberg fundou três empresas de tecnologia. Na última que fundou, a Metrogames, desenvolvedora de jogos argentina, trabalhou com Fernando Tauscher, advogado especializado em fusões e aquisições, que hoje está à frente da parte jurídica. Por fim, Raúl Oyarzun desenvolvia tecnologia para diferentes startups e hoje é CTO da companhia.
A Geopagos começou na Argentina no mesmo ano e, hoje, está presente em 15 países, com 250 milhões de transações por ano. O TPV de 2021 foi de US$ 5 bilhões. Não é divulgada uma política clara a respeito do valor cobrado dos agentes financeiros, mas apenas dá para entender que varia entre acordos por volume transacionado e de novos usuários.
“A empresa já vinha crescendo muito bem, mas para entrar no mercado brasileiro tínhamos de ter um sócio de renome, que nos ajudasse não só com dinheiro mas com experiência. Acho que encontramos o parceiro perfeito, porque a Riverwood atende a esses critérios e pode nos ajudar a crescer, até mesmo o suficiente para um IPO”, diz Lisenberg.
A seu favor, a companhia conta com o histórico e com a entrada de novos players no setor ameaçada, ao menos em curto prazo, pelas condições macroeconômicas desfavoráveis. Além disso, a Geopagos também pode se tornar atrativa na medida em que pode ter uma previsibilidade de receita maior – uma vez que tem contratos diretos com as instituições financeiras – sem a necessidade de arcar com consequências de serviços prestados na ponta (a Geopagos pode desenvolver uma tecnologia para ofertar crédito, por exemplo, mas jamais aplicará a ferramenta aos lojistas). Contra a companhia, os velhos inimigos: a falta de população bancarizada e a desconfiança em relação aos meios de pagamento digitais.
Com a visão de quem atua nesse mercado há dez anos e diante das transformações iniciadas pela pandemia, a fintech quer mostrar que sabe equilibrar a balança e que, a partir do olhar dos fundadores locais, será possível fazê-la pender para o crescimento e na região.
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