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G2D: o sonho de ser o atalho do investimento disruptivo para o brasileiro

Em entrevista exclusiva, Fersen Lambranho, sócio controlador da GP Investimentos, fala sobre a G2D, que acaba de fazer uma oferta de R$ 300 milhões na B3

A estreia da G2D na B3: pessoas físicas compraram 60% de toda a oferta (B3/Divulgação)

A estreia da G2D na B3: pessoas físicas compraram 60% de toda a oferta (B3/Divulgação)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 23 de junho de 2021 às 07h00.

Fersen Lambranho é, sem dúvida, uma das figuras mais conhecidas do mercado de capitais brasileiro do início dos anos 2.000, sucessor do controle da GP Investimentos — um dos private equities mais badalados que o país já teve e tem, criado pelo trio 3G. Agora, Fersen está disposto a criar para o mercado brasileiro o principal veículo de investimento global em companhias disruptivas e de tecnologia, a G2D Investimentos, conforme ele contou em uma rara entrevista à imprensa, concedida com exclusividade ao EXAME IN. A empresa acaba de listar ações na B3, com uma oferta de R$ 300 milhões.

"Eu morro de inveja dos jovens que estão mais com a mão na massa do que eu estou. Eles vivem o mundo que eu sonhei viver. E a forma que encontrei de participar dessa festa, foi me aproximando de pessoas bem mais jovens, e ajudando nos seus investimentos, em busca dos olhos deles para ver o mundo."

Além de investimentos diretos no Brasil, principalmente em fintechs, a G2D está no berço de dois veículos de destaque do mundo disruptivo: a The Craftory, com sede na Inglaterra e dedicada a marcas de consumo, e o fundo Expanding Capital, bem ali no Vale do Silício, onde tudo acontece primeiro — "até foguete", segundo Fersen.

A listagem na B3, onde é negociada pelo código G2DI33, ocorreu em um dos períodos recentes de mercado mais duros com o setor de tecnologia e, por isso, foi tímida. O plano inicial era bem maior, mais que o dobro. Mas a operação atraiu mais de 5 mil pessoas físicas, que absorveram cerca de 60% da venda de papéis, algo incomum.

Fersen, a típica mistura de empreendedor e investidor fruto da cultura da casa, não tem pressa. Está maravilhado com o mundo novo, mas acredita que tudo está apenas no começo — “uma revolução que só tem precedente no processo de industrialização do século XIX”. O foco da G2D, para viver esse momento do mundo, são empresas em fase pré-IPO (abertura de capital) ou algum outro evento de liquidez. Esse é o ponto de melhor relação entre risco e retorno, na visão dele, que vê na empresa uma oportunidade para o varejo brasileiro participar de tudo que há de novo acontecendo no mundo todo.

Nem bem chegou e a G2D  já noticiou o lucro astronômico — superior a 6 vezes — com a realização de uma participação na Coinbase, que estrou na Nasdaq no fim do mês passado. No bolso, US$ 6 milhões. O investimento estava no  Expanding Capital.

Veículo no relevante no patrimônio, que estava em quase R$ 400 milhões antes da captação, é a The Craftory,  dedicada a marcas de consumo que incluam modelo digital e tecnologia embarcada, além de um posicionamento muito voltado a propósitos. Estão na lista de investidas, por exemplo, a Dyper, de fraldas biológicas a base de bambu, a Droops, de detergentes ecológicos, a Hippeas, de salgadinhos saudáveis a partir do grão de bico, além de nomes como a Tomboy, a marca de lingeries multigênero, e a NotCo, de proteínas a base de plantas.

Por fim, a G2D também investe diretamente em fintechs brasileiras, mas nada das mais óbvias. "Não estamos no mainstream, mas em coisas que acreditamos muito." Nessa carteira tem, por exemplo, Mercado Bitcoin — "mais até do que os criptoativos, acredito na tokenização como um caminho de grandes mudanças" — e a Cerc, plataforma digital de registro de recebíveis, entre outras e num total de sete negócios.

Na visão de Fersen, assim como ele aprende com os novos empreendedores, acredita que seus 30 anos de experiência podem agregar. "Essas empresas serão, em algum momento, grandes e com desafios em processos, sistemas e gestão. E entendemos muito disso. Não investimos acreditando que é só capital que faz diferença. Os maiores negócios do mundo foram feitos com pouco dinheiro", diz lembrando que um grupo de "desempregados" fundou a IBM e que Sam Walton criou o WalMart depois de quebrar.

Nessa conversa com o EXAME IN, que percorreu diversos temas, ele fala da G2D, das mudanças do ambiente de inovação do país e como ele próprio vê o mundo e suas mudanças.

Como surgiu, dentro da GP Investimentos, a ideia da G2D?

O processo veio, primeiro, do fato de termos feito muito venture capital no passado. Aprendemos muito com isso, na década de 90. Ficamos fora desse mercado por anos, mas quando percebemos que o digital seria preponderante em qualquer tipo de investimento voltamos a nos interessar novamente.

Mas voltaram pensando da mesma forma?

Não. Agora, focando em participações e não mais em controle de companhias. Foram essas algumas das lições da década de 90: você precisa de um empreendedor muito forte e uma tecnologia muito robusta. Então, começamos a fazer investimentos em vários lugares do mundo - no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos. Sempre em companhias disruptivas e em tecnologia, com visão global.

O que você chama de venture capital na década de 90, quando ainda quase nem se usava esse conceito?

Nós fomos, com certeza, o maior venture capital da época no Brasil. Vamos lá: nós fizemos Submarino, Shoptime, Webmotors, iG, iBest, Patagon, para citar as principais.

E nessa época não tinha empreendedor forte e tecnologia robusta no Brasil?

Não tinha. No final daquele ciclo, percebemos que faltava no Brasil essas duas coisas principais, empreendedor e tecnologia. Pode ver que, naquele momento, a grande realização era colocar as coisas na internet. Mas isso não significava ter tecnologia. Além disso, naquele período, muitas das companhias foram fundadas com executivos contratados. Você convidava o executivo para poder empreender. Isso não parecia ser algo razoável.

E o Brasil de hoje está melhor nessas frentes?

Naquela época, no fim da bolha, nasceu a Endeavor [cujo padrinho é Jorge Paulo Lemann] no Brasil. Uma instituição que desenvolveu muito o conceito de empreender no país. Hoje, o Brasil tem uma visão de empreendedorismo completamente diferente do que tinha naquela época. E a tecnologia evoluiu muito e agora viaja e você tem acesso a ela em qualquer lugar do mundo. Fez com que os investimentos tenham um suporte maior.

E agora ficou mais simples para investir em startups, então?

Importante explicar. A G2D se propõe a investir em companhias que, no meu entendimento, não são mais startups. São empresas que já cruzaram esse ponto. Ficamos restritos ao intervalo em que a companhia deixa de ser startup até justamente o ponto em que tem um grande evento de liquidez.

Por que não investir em startup?

Nosso entendimento é que startup tem muito risco. Por outro lado, quando alcança um IPO [oferta pública de ações na bolsa], a empresa já foi muito valorizada. É claro que, se você colocar dinheiro numa startup e acompanhar os ciclos de investimento ao longo do tempo, pode ter um retorno estrondoso. Mas corre um risco estrondoso também. No tipo de companhia que investimos, o negócio já existe, tem um nome, uma marca, receita. Acreditamos que esse ponto da curva, onde a G2D entra, tem a melhor relação de risco e retorno.

A GP sempre valorizou a cultura de dono. Na G2D, essa cultura de dono vem do empreendedor? De onde ela vem?

Exatamente isso. Partimos do pressuposto que as investidas têm um empreendedor que seria igual ou melhor do que qualquer pessoa que colocaríamos ali no modelo tradicional de GP. Esse é o critério fundamental, inclusive, de investir ou não.

Por que o digital se tornou algo tão sedutor até para os mais tradicionais empreendedores que, fizeram sua trajetória, no mundo físico?

Vemos que o movimento de digitalização é inexorável e vai atingir todas as indústrias. E a forma de participar disso não é imaginar que você consegue, sozinho, fazer os investimentos e operar tudo. A forma que existe de multiplicar o conhecimento de negócios é suportar pessoas que, por natureza, já têm um comportamento que a gente admira, que construiu algo em tecnologia que a gente acredita. E que podemos contribuir com nosso conhecimento de negócios em geral. Essa é a maneira que encontramos de nos multiplicar. Enquanto faço um investimento na GP, posso fazer dezenas na G2D.

Mas você, G2D, tem não só tecnologia. Tem empresas de consumo disruptivo. Como se faz essa seleção?

Na divisão de investimentos atual da G2D, tem 70% representado por marcas de consumo, com a The Craftory, com sede na Inglaterra, e fintechs brasileiras. E mais 30% por meio de um veículo nos Estados Unidos, que investe em empresas do Vale do Silício. Não significa que vai ser sempre assim, mas consumo, tudo que é empacotável, vai ser sempre relevante. O que diferencia a empresa de consumo do futuro da atual é que essas companhias, que começaram há um ou dois séculos atrás, não representam mais qualidade e modernidade. Existe uma tendência geracional de busca, pelo consumidor, por produtos que façam bem para si próprio e para o planeta. A The Craftory desenvolveu uma tecnologia baseada em dados que faz o escrutínio, a busca, dessas possíveis marcas. Não basta vender bem, crescer muito, precisa ter propósito. Mas também isso não é suficiente. O propósito precisa estar na cabeça de quem consome, e não apenas de quem idealizou o negócio.

Então, a disrupção não está só na tecnologia, está no consumo? Ou tudo se mistura?

A gente acha que existe uma disrupção brutal na área de consumo. Mas tudo tem uma questão tecnológica no negócio. Seja, na Dyper, com o bambu para as fraldas, na Seed, com o probiótico, ou na NotCo, com proteína a base de plantas. Tudo isso é tecnologia, é ciência.

A questão do propósito é o tal ESG? Isso veio para ficar ou é só uma moda, uma forma para o mercado empacotar as coisas?

Eu acho que o ESG veio para ficar. E a razão disso é geracional. As pessoas de 20 e 30 anos têm isso na cabeça como um valor muito forte. E isso é global. Portanto, o movimento ESG nada mais é do que essa constatação pelas companhias sobre o consumidor do futuro. Todo mundo sabe que essa geração de 20 anos de agora será a dos grandes consumidores no futuro. É essa a pressão do consumo que leva à mudança. Além disso, eu não consigo imaginar ou ver uma companhia formada nos últimos anos que não tenha uma pegada relacionada a isso. Você pode questionar se é verdadeira ou falsa.

A revolução digital, esse processo de digitalização, termina?

Não termina. Não para. Mas vejo as pessoas com muita pressa e me espanta um pouco. No fundo é um processo. O ser humano está se transformando. Quando ele anda 24 horas por dia com um telefone celular na mão, ele terceirizou parte do cérebro e aumentou a potencialidade. Quando eu tenho dúvida, quando quero saber quem é alguém que não conheço, eu entro no Google, no LinkedIn. Dá até para saber quem do meu círculo que conhece essa outra pessoa. Esse novo ser humano está só começando. Tenho certeza que o telefone celular vai se desmaterializar e vai ser parte do nosso corpo. Não sei se vai ser na retina, no cérebro, nos óculos. Mas vai acontecer.

E como isso conversa com as empresas, com os negócios?

Tenho certeza absoluta que todas as empresas do mundo estão no risco. E que os conselhos de administração não estão preparados para isso. E isso não é demérito. É geracional. E isso está ocorrendo em todos os lugares do mundo ao mesmo tempo. ´

Você acredita no movimento, que alguns falam, do investidor consumidor ou do consumidor investidor, no qual as coisas se relacionam?

A G2D traz essa possibilidade, que eu particularmente acredito muito. Ainda mais agora que tantas pessoas físicas estão adentando o mercado de capitais. Não tem motivo para não ter esse tipo de comportamento e visão de mundo no futuro. Precisa andar muito, mas vai acontecer. Nós, na G2D, estamos realmente buscando criar uma nova classe de ativos e estimulando as pessoas a olhar além dos balanços tradicionais. Essas companhias que estamos investindo estão criando conceitos novos, mas que as pessoas conseguem entender. A gente acredita que isso pode estimular muito as pessoas a ter outra visão do mundo. Eu talvez não possa falar os números da Dypers, mas posso falar do mercado de fraldas biodegradáveis. Talvez não consiga dar os dados da Hippeas, mas nada me impede de mostrar a evolução dos salgadinhos saldáveis, no lugar dos excessivamente industrializados.

E como você pessoalmente, como o Fersen Lambranho vê o mundo de hoje?

Tudo que fiz, que fizemos na nossa vida, foi baseado em qualidade total. O mundo atual tem a nuvem com alto potencial de processamento de dados e o celular que fornece tudo. Tudo isso permite que você use a qualidade total com uma força muito maior. Se no passado você saía da escola cheio de teoria e com dificuldade de aplicar na vida prática, hoje você sai da escola capaz de aplicar qualquer coisa. Isso é mudança brutal. Os cientistas venceram no mundo. Eles estão no consumo. Estão na área financeira, em todos os lugares. Eu morro de inveja dos jovens que estão mais com a mão na massa do que eu estou. Eles vivem o mundo que eu sonhei viver. E a forma que encontrei de participar dessa festa, num primeiro momento, foi me aproximando de pessoas bem mais jovens, e ajudando nos seus investimentos, em busca dos olhos deles para ver o mundo. O método científico ganhou um espaço no dia-a-dia das pessoas e permite que a gente entre numa fase da humanidade, onde os custos vão baixar, as pessoas vão viver melhor.

 

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