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Fundadores da IG4 criam Instituto Îandé: filantropia com foco em crianças e adolescentes

Tese do Îandé é atacar a pobreza pela causa, com recursos para desenvolvimento equitativo das capacidades humanas

Filantropia: "retorno do investimento é para toda a sociedade", ressalta Paulo Mattos, fundador da IG4 e do Instituto Îandé (Manusapon Kasosod/Getty Images)

Filantropia: "retorno do investimento é para toda a sociedade", ressalta Paulo Mattos, fundador da IG4 e do Instituto Îandé (Manusapon Kasosod/Getty Images)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 28 de dezembro de 2022 às 11h33.

Última atualização em 28 de dezembro de 2022 às 23h57.

Depois de consolidar a estratégia de colocar em ação os valores sociais, ambientais e de governança para transformar os negócios nos quais investem, os fundadores da gestora de private equity IG4, Paulo Mattos e Gustavo Buffara, decidiram criar um instituto filantrópico para transformar pessoas por meio de oportunidades, o Îandé. “Significa nós, o coletivo, em tupi-guarani”, conta Mattos, que é também conselheiro e co-presidente do novo projeto, em entrevista exclusiva ao EXAME IN. 

O instituto, que receberá recursos dos sócios da IG4 e não dos fundos da casa ou da gestora propriamente, tem como temática para seleção dos projetos a promoção da equidade social por meio de oportunidades de desenvolvimento das capacidades de crianças e adolescentes em situação vulnerável. A escolha está calcada nos conceitos difundidos pelo Nobel de Economia e filósofo Amartya Sen. O prêmio foi concedido em 1998, mas Sen continuou desenvolvendo seus pensamentos sobre a economia do bem-estar, com respeito às liberdades e às individualidades. Ex-professor de Cambridge, Sen é indiano nascido em família de acadêmicos de classe média baixa. Sua experiência pessoal foi o que despertou seu interesse por desenvolvimento econômico, pobreza e desigualdade.

“Depois que existe a desigualdade social, você pode tentar remediar. Mas remediar desigualdade é mais difícil do que atacar o que a gera, que é o não desenvolvimento com equidade das capacidades humanas”, explica Mattos. “Uma criança que não tem saúde adequada na primeira infância, tem perda de seu potencial cognitivo e já sai em desvantagem”, exemplifica.

A IG4 é a gestora responsável pela criação da companhia de saneamento Iguá, a partir da reestruturação da antiga CAB Ambiental. A companhia foi uma das vencedoras do leilão de privatização da carioca Cedae. Esse foi o projeto número 1 da casa. Depois, vieram a Opy Health, empresa de gestão e administração de infraestrutura hospitalar, iniciado por meio da compra de ativos do grupo Andrade Gutierrez, e a CLI, de terminais portuários, que começou pela aquisição de terminais no Tegram, o porto de grãos do Maranhão. Fora do Brasil, a IG4 tem ainda a Adelco, dona de estruturas logísticas para o varejo, no Chile, e a Aenza, a maior empresa de infraestrutura do Peru. No total, a gestora tem uma carteira com US$ 1,2 bilhão já investidos e está estruturando novos portfólios. Os ativos sob seus cuidados somam uma receita anual da ordem de US$ 2 bilhões, com mais de 20 mil colaboradores e que atendem a cerca de 15 milhões de consumidores.

O Îandé é um projeto inovador no Brasil. “Será um instituto de institutos, como um fundo de fundos”, complementa Mattos, ao explicar que isso significa não ter projetos próprios. O objetivo é contribuir e induzir os programas de filantropia das investidas. A Iguá foi a primeira a ter seu próprio instituto e, em seguida, a Opy. Em breve, a CLI também terá o seu. Mas, além disso, também poderá apoiar projetos sem nenhuma relação com a IG4, desde que estejam dentro da temática escolhida.

A estrutura, segundo o fundador, é para catalisar e organizar investimentos nessa direção. A ideia é usar a expertise e a rede de relacionamentos construída no Brasil e fora — a IG4 tem escritório em diversos países da América Latina e ainda em Londres — para atrair recursos para os projetos selecionados.

Renata Ruggiero Moraes, presidente do Instituto Iguá, co-presidente e conselheira do Îandé, explica que o propósito dessa estrutura é “transformar 100 em 1 milhão”, ter um efeito multiplicador. “Filantropia se faz com capital, mas não só. A IG4 traz muito conhecimento que pode ser usado nas causas”, enfatiza.

Não existe um orçamento prévio definido. “Não faria sentido, já que é um projeto perene, cujo objetivo é construir um legado.” Mattos faz questão de explicar que adotar o ESG como pilar para os negócios é muito diferente de fazer filantropia. “O ESG gera valor para as empresas. Por meio de indicadores-chave de performance, colocamos esses fatores para trazer retorno para os negócios. Na filantropia, o retorno é para a sociedade.”

Iguá e Opy trabalham em seus respectivos institutos bastante focadas no objeto social de cada empresa. São setores diferentes, mas com propósitos que vão na direção das crenças dos fundadores da gestora. Mattos conta que durante o processo de formulação do Îandé, que ocorreu ao longo de todo ano de 2022, foi dedicado tempo para que os desafios sociais fossem mapeados. E, foi assim que a temática foi selecionada. “Quando falamos de oportunidades não é só sobre educação. É sobre ter as condições para absorção dessa educação e integração social para colocá-la em prática.”

No Instituto Iguá, o objetivo é promover a ampliação do impacto socioambiental do saneamento. "Acreditamos que o acesso ao saneamento básico para crianças e adolescentes é condição necessária para o pleno desenvolvimento das capacidades cognitivas, melhoria da frequência e desempenho escolar e redução do índice de mortalidade infantil e incidência de doenças de veiculação hídrica", diz o texto da organização. Já o Opy atua no cuidado dos primeiros 1.000 dias de vida e na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, identificando soluções e tecnologias já existentes e trabalhando de forma articulada na melhoria dos serviços de atenção básica.

Além de co-investir nos projetos das companhias geridas, o Îandé acaba de selecionar o primeiro destino de recursos fora de seu ambiente original: trata-se do Projeto de Educação Antirracista, criado pelo Projeto Travessias e atualmente gerido pela Escola Vera Cruz, de São Paulo.

A escolha coloca em prática a busca a tese escolhida. São múltiplas frentes de ação. Além da concessão de 18 vagas anuais no Vera Cruz desde a educação infantil (por meio de bolsas que incluem a mensalidade escolar, auxílio financeiro de permanência para alunos pretos, pardos e indígenas), o programa ainda inclui a revisão de conteúdo do ensino, para uma abordagem antirracista, e também a formação de professores, e não apenas os da própria escola.

"Acreditamos em projetos que possam transformar a vida das pessoas e, dessa forma, toda a sociedade, quando desenvolvidos de forma consistente. Nosso objetivo não é apenas aliviar a pobreza já instalada, é atacar a origem dela", encerra Mattos.

 

 

 

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