Carne: em uma década, China saiu do zero para 20% do consumo da produção brasileira (Marfrig/Divulgação)
Editora Exame IN
Publicado em 23 de fevereiro de 2023 às 10h23.
Última atualização em 23 de fevereiro de 2023 às 10h30.
A vaca louca ganhou mais uma vez as manchetes. Mas essa não é a primeira vez e provavelmente não será a última vez que o Brasil vai registrar um caso do que chamam de “vaca louca atípica”. Dessa vez, aconteceu no Pará. E, com tudo que se sabe até aqui, não há nenhum motivo de pânico. Mesmo assim os investidores reagem. Juntas, JBS (JBSS3), Marfrig (MRFG3) e Minerva (BEEF3) perderam R$ 5,3 bilhões em valor de mercado em uma semana, entre 15 e 22 de fevereiro, em razão das notícias sobre o tema. O montante equivale a quase 10% do que as empresas valiam juntas uma semana atrás: R$ 56 bilhões.
O país tem um rebanho de 200 milhões de bovinos, o que torna quase impossível que casos semelhantes ao do Pará não voltem a ocorrer. O que torna o caso algo nada assustador são os fatos da ocorrência: a doença foi verificada em um animal idoso — com nove anos, sendo que o abate tradicional ocorre até os três anos — e criado a pasto.
A doença chamada de vaca louca é uma encefalite espongiforme, uma deterioração dos tecidos nervosos. Nesse episódio, mal comparando, é como se fosse um caso de senilidade em uma pessoa idosa. Coerente com idade do animal. Mas, mesmo para esses casos atípicos, existe protocolo de conduta. Já houve registros semelhantes nos anos de 2012, 2015, 2019 e 2021. E o Brasil segue classificado pela Organização Internacional de Saúde Animal como um país com risco remoto de contaminação da doença. Justamente pelo fato de as ocorrências serem consideradas “atípicas”.
Haveria um problema sanitário se a doença fosse registrada em um animal jovem e criado a ração. Daí sim, viria a preocupação de contaminação via a alimentação dos animais. Ainda bem, não é o caso.
Qual a origem do nervosismo, então? O motivo é um acordo sanitário feito com a China em 2015. Antes da discussão dos problemas do acordo é importante lembrar o que aconteceu com esse mercado. Pouco mais de uma década atrás, em 2010, as importações de carne bovina pela China eram praticamente inexistentes. De lá para cá, por mil circunstâncias, incluindo o aumento do interesse por essa proteína após o problema com a criação de porcos naquele país, a China representa agora 20% do consumo de toda a produção brasileira: cerca de 2/3 de toda a exportação nacional.
De volta ao acordo: em 2015, o Brasil aceitou um protocolo com a China no qual tem que se autoimpor um bloqueio das exportações para lá em caso de registro de vaca louca. Pior do que esse autocastigo é a ausência de um protocolo objetivo que libere a normalização das vendas. Isso deixa o Brasil à mercê da vontade das autoridades chinesas.
Daí o medo dos investidores. Em 2019, a suspensão das vendas durou duas semanas. Mas, em 2021, quatro meses. O motivo: a aleatoriedade das qualidades das relações entre os países. Nadinha relacionado às questões sanitárias do setor.
No fim de março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá a Pequim em uma visita às lideranças do país. Com esse episódio da vaca louca – que não era louca, exatamente, mas velha – crescem as expectativas de que haja algum ajuste nos termos do protocolo acertado em 2015. O setor produtivo tem sido vocal nesse pleito.
A viagem marcará o encontro do maior produtor mundial de alimentos com o maior importador global de alimentos. Já havia a crença de que o agronegócio, em amplo espectro, fosse pauta importante do diálogo. Agora, além de uma expectativa, há um desejo do setor de que a questão vire assunto das conversas.
Para especialistas, há boa chance de isso acontecer. Espera-se que o Brasil consiga melhorar sua condição dada a atual posição privilegiada no cenário global. Além disso, está prevista uma nova rodada de habilitação de plantas para exportação de proteínas (diversas) para a China em breve. Assim, o fim de março é considerado uma data plausível, no mínimo, para o fim do auto-embargo ligado ao episódio no Pará. Sobre o acordo propriamente, não se sabe o resultado. Mas, não custa lembrar:
Se a China responde pelo consumo de 20% da produção brasileira de carne, o Brasil representa 40% das importações de bovinos do país. E há ainda bastante espaço para esse alimento ampliar a presença na mesa dos chineses.