Lotação hospitalar: setor de saúde está no radar dos investidores, apesar de prejuízos causados pela pandemia (Silvio Avila/AFP)
Graziella Valenti
Publicado em 2 de abril de 2021 às 01h06.
Última atualização em 28 de abril de 2021 às 14h37.
O mês de abril vai ser quente na bolsa. A fome por saúde não escapa a ninguém, nem mesmo aos investidores. Todas as próximas cinco ofertas iniciais de ações (IPO) agendadas são desse segmento. Estão nessa lista a companhia de medicina diagnóstica Dasa, as redes de hospitais Matter Dei e Hospital Care e mais as fornecedoras Blau Farmacêutica (de medicamentos) e CM Hospitalar (Viveo, de variados produtos).
Juntas, elas buscarão em abril nada menos do que R$ 13 bilhões dos investidores, considerando o intervalo médio de preços sugeridos. Descontada a Dasa, que já é listada e fará o que o mercado chama de Re-IPO, as companhias valem entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões.
O setor também vive, nesse momento, a maior fusão já realizada no mercado de capitais brasileiro: a união entre as duas empresas integradas Hapvida e Grupo NotreDame Intermédica — ambas oferecem planos de saúde com serviços prestados dentro de uma rede própria de hospitais e laboratórios. Somadas, valem mais de R$ 105 bilhões.
A transação despertou muita atenção para o segmento. Geograficamente complementares e quase sem sobreposição, as empresas terão cerca de 20% do mercado nacional de planos de saúde, estagnado em 45 milhões de vidas há cerca de uma década, mas com grande potencial.
"O setor está passando por muitas modificações e ainda tem espaço para muita consolidação", disse um gestor interessado no segmento. O entendimento é que estão surgindo diversos novos modelos que podem reduzir custo e fazer o mercado voltar a crescer.
O ramo de saúde também foi responsável pelo IPO da maior empresa a estrear na bolsa, a Rede D’Or São Luiz, avaliada em cerca de R$ 120 bilhões. A estreia ocorreu em dezembro de 2020. Mesmo o maior grupo independente de hospitais, a companhia controlada pela família Moll tem 3% do mercado.
Essas próximas cinco operações vão testar a quantas anda o apetite do investidor para novas histórias. Curiosamente, os bancos de investimentos decidiram começar a segunda janela de ofertas do ano por esse segmento, cuja lucratividade — mesmo afetada pela covid-19, em muitos casos — já é visível e palpável e com tamanhos de negócios bem maiores do que aqueles vistos nesse começo de 2021.
A diversificação das empresas continua sendo um mote muito forte para a bolsa brasileira. O saldo de IPOs de 2019 ao primeiro trimestre de 2021 trouxe 50 companhias (49, para ser preciso) à bolsa. A B3 vive — ou vivia — um dos piores períodos de sua história em número de empresas listadas. Trata-se de uma contribuição e tanto considerando que agora, após todas elas chegarem, são 363 sociedades com ações negociadas no pregão. Juntas, elas valem atualmente R$ 5,150 trilhões.
As novatas dessa temporada somam mais de R$ 350 bilhões em valor de mercado, ou seja, perto de 7% do total. Mas, é preciso dizer que Rede D’Or e CSN Mineração respondem por mais de R$ 170 bilhões desse total — portanto, quase 50% das estreantes.
A principal característica da temporada até fevereiro era, sem dúvida, o valor e o tamanho das empresas. Com exceção das duas gigantes citadas, muitos negócios de médio porte e diversas companhias ligadas ao universo digital conseguiram seu espaço no pregão.
De todas elas, 37 têm capitalização inferior a R$ 5 bilhões. E apenas cinco — isso mesmo, 5 — têm mais de dois dígitos de avaliação. Além de Rede D’Or e CSN Mineração, a lista inclui Neoenergia, Grupo Mateus e Locaweb.
Os dados indicam que os IPOs estão transformando rapidamente a bolsa brasileira. A revolução será ainda maior tão mais rapidamente as empresas digitais crescerem e se valorizarem. Para se ter uma ideia de como, no tempo, isso tem impacto, basta observar o Índice Bovespa.
Atualmente, das 82 ações que compõem a carteira, 40 são de companhias que listaram ações a partir da revitalização do mercado de capitais que puxou uma enorme fila de IPOs, cujo marco conhecido é a oferta de Natura, em 2004.
Antes da companhia de produtos de beleza e higiene (hoje, o quarto maior grupo global), a CCR foi a primeira listagem no Novo Mercado — com ela, o total alcançaria 41 empresas. E, antes dela, a IdeiasNet, em 2000, também abriu capital, somente com ações ordinárias e antes mesmo de o Novo Mercado ter sido criado — e, obviamente, antes do estouro da bolha de internet na Nasdaq. O espaço diferenciado de governança da então Bovespa foi anunciado em dezembro daquele ano. Mas a reativação da bolsa como fonte de financiamento do capital produtivo é mesmo marcada pela chegada da Natura, não tem jeito.
Embora representem quase metade dos papéis do Ibovespa, as ‘novatas’ — se é que ainda podem ser assim chamadas — equivalem a um peso de menos de 30% na carteira.
É difícil conquistar espaço em um mercado como o do Brasil, que tem a Vale, cuja capitalização é de R$ 500 bilhões, com peso de 13% no índice, e a Petrobras, avaliada em R$ 310 bilhões e com uma fatia de 9% na carteira referência nacional. Para além das duas principais blue chips, o pregão tem as estrelas do setor financeiro com Itaú, Bradesco, e a própria B3, além da Ambev. Só essa lista de seis companhias concentra mais de 35% do Ibovespa.
Variedade, portanto, continua sendo um pleito do investidor. Resta saber se, com a redução do apetite do estrangeiro, somada a um mercado doméstico mais cético com o mercado acionário e a economia nacional, haverá espaço para todos e nos preços pretendidos. Abril será um teste importante do humor generalizado para novas histórias e em setores selecionados.