O cartão pink da Flash: grandes empresas viram clientes e carteira passa de 60 mil a 200 mil vidas em um ano (Flash/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 22 de junho de 2021 às 10h33.
Última atualização em 22 de junho de 2021 às 14h33.
Há muitas formas de se contar o tempo. Em uma startup, ele costuma correr de forma mais acelerada. “São poucos mais de 700 dias de operação”, gosta de frisar Pedro Lane, um dos três sócios fundadores da Flash, a empresa que nasceu no segmento de benefícios flexíveis, em meados de 2019. Caso clássico em que “tempo não é documento”. Neste ano, a Flash deve movimentar pelo menos R$ 2 bilhões em sua plataforma, considerando consumo via aplicativo e cartão. É crescimento em ritmo estelar, já que o total equivale a 10 vezes o volume transacionado no passado.
Mas esse é só o começo da conversa, pois considera apenas as vidas existentes no primeiro trimestre, como se a conquista de usuários fosse interrompida — algo distante do caso em questão. Portanto, a soma será daí para mais. Com esse tamanho, e mais R$ 125 milhões em caixa de uma captação com o fundo americano de venture capital Tiger, em fevereiro (concluída sem nenhum alarde), a empresa já sabe seu destino e vocação.
A evolução do negócio é ir além de uma provedora de benefícios flexíveis — um mercado que movimenta R$ 150 bilhões ao ano — e se posicionar como um hub de soluções de recursos humanos (RH) para companhias de todos os tamanhos. “Conquistamos usuários no atacado, e atendemos no varejo. Somos um negócio B2B2C”, destaca Lane. É isso que torna a relação entre as empresas e a Flash um mar de oportunidades.
Quando entrou em operação, há quase dois anos, a Flash se propôs a entregar, em um único meio de pagamento, os multibenefícios fornecidos pelas empresas: vale refeição, alimentação, transporte, combustível, farmácia, educação. Tudo num único cartão, o rosa pink da empresa que já ficou famoso, e também no aplicativo, por meio do qual o plástico de bolso pode ser dispensado em inúmeras situações.
Com a chegada da pandemia, rapidamente, a Flash colocou de pé novas soluções para empresas e funcionários, que iam de saúde mental até coisas práticas como pagamento de boletos de concessionárias de energia e telecomunicações e mais a compra de móveis para home office. Foi um boom. Ajudou na percepção de valor da solução, uma vez que as pessoas, trancadas em casa, passaram a comer diferente, a trabalhar diferente e a precisar de outros recursos. E tudo continuou, para quem usa e para quem contrata Flash, no mesmo formato: gestão em cliques do lado do RH e controle pelo aplicativo para quem usa o cartão da empresa com logo de Flamingo — daí a origem da cor.
O número de serviços e de parceiros plugados não para de crescer. Os parceiros não limitam o tipo de consumo do usuário, mas garantem vantagens. Há um ano, eram 100 parceiros e agora já são mais de 200. Tudo para atender uma variedade cada vez maior de adeptados. Em julho de 2020, a Flash era uma empresa do jeito que ela tinha nascido: foco em pequenas e médias empresas e que apenas começava a flertar com grandes corporações. Eram, então, 60.000 vidas atendidas, de 1.500 companhias.
Nesse momento, são 200.000 vidas — que usam o cartão 20 dias por mês —, de aproximadamente 4.000 CNPJs, conta Ricardo Salem, um dos fundadores e presidente da Flash. A estrutura de vendas hoje tem equipe dedicadas para quatro regiões do Brasil e para todo tamanho de negócio. “Das 20 maiores empresas de alimentos, atendemos seis. Das construtoras, cinco desse clube”, completa Pedro Lane, deixando claro que os grandes clientes já estão no foco tanto quanto os pequenos e médios. “Do nosso book do primeiro semestre, 50% dos ingressos de novas vidas virão de companhias de maior porte”, diz Salem, com a proximidade do fim de junho.
A Flash parte, cada vez mais, em direção ao modelo de hub de soluções para os departamentos de recursos humanos. Dos problemas mais simples aos mais complexos. Os vales avulsos de datas festivas e aquelas filas no RH para distribuí-los, por exemplo, estão com os dias contados: brindes de páscoa, dia das crianças e até o Peru de Natal cabem no cartão rosa. Assim como já existem benefícios relacionados à saúde mental, também deverão vir os dedicados à saúde física, no estilo Gympass.
Mais recentemente, a Flash começou a encorpar as alternativas para as companhias com mais e mais benefícios — um verdadeiro supermercado. Empacotar o seguro ou plano de saúde e plugar na corretora é algo que já tem empresa cliente experimentando. Antecipação de salário e crédito consignado também conseguem ser feitos na plataforma e o aplicativo se prepara para ter em breve seguro de vida. Nesse caso, uma inovação extra: o selo para o usuário será Flash mesmo, pois haverá uma solução “white label” pronta para ser oferecida. “Olhamos para todo o bolso do RH como uma oportunidade e uma baita desafio. Por que não acrescentarmos o auxílio creche?”, diz Lane. "Podemos oferecer os serviços nós mesmos ou por meio de parceiros."
A cereja no bolo é que tudo isso, no fim do dia, ainda vira dado, informação, que pode ser convertido em benefício das empresas e dos parceiros, na mão reversa do conceito.
Todo esse conjunto de serviços pode ser facilmente plugado num só cartão e conta por que a Flash se credenciou junto à Mastercard para as emissões. Está lá no berço da ideia. Assim, poupa os adeptos de perguntar em cada estabelecimento se a prestadora do benefício é aceita. Foi o que garantiu também poder ser adotada por empresas com atuação por todo território nacional — e o uso multifuncionalidade. Afinal, trata-se de um cartão de crédito Mastercard.
Ainda que as oportunidades estejam surgindo ao longo da jornada, a consciência desse espaço a ser ocupado existe desde que Pedro Lane foi acusado de “louco” pelo amigo Ricardo Salem quando disse, ainda em 2018, que queria competir nesse mercado de benefícios, em que quatro grandes grupos dominam, incluindo dois que são nome de categoria — Vale Refeição (VR) e Ticket Refeição — a multinacional Sodexo e ainda líder e top of mind Alelo, cujos donos são ninguém menos do que Banco do Brasil e Bradesco.
Antes de lançar efetivamente um produto no mercado, em meados de 2019, o trio de fundadores — que inclui o pai de toda a frente de tecnologia, Guilherme Lane, irmão de Pedro — fez uma extensa pesquisa com os departamentos de recursos humanos de mais de uma centena de companhias. A experiência de Salem como consultor na McKinsey foi fundamental naquele momento. A partir dessas necessidades, Guilherme partiu para “desenhar” a arquitetura da companhia, que garante a facilidade para os contratantes — um dos grandes ativos do negócio.
Tudo é gerido pelo RH em um mesmo ambiente, por meio de cliques e a partir de um cadastro único de funcionários. Chega de preencher uma nova ficha para cada benefício oferecido — e prestador de serviço.
A lista de sócios da Flash, que conserva os fundadores como controladores do negócio, está se transformando também num coletivo de ilustres. A captação série A foi no fim de 2019, com a Monashees. O capital semente veio no começo daquele ano, quando tudo ainda era um plano, de Kevin Efrusy — sócio da Accel Partners, o renomado fundo pioneiro investidor do Facebook e que escolheu empresas como Gympass, Quinto Andar e Bee Tech para ter na carteira — mais Patrick Sigrist e Guilherme Bonifácio, fundadores do iFood, além da Global Founder Capital (GFC).
Os sócios anteriores, que haviam aportado R$ 45 milhões na empresa, acompanharam a Tiger agora na série B. A gestora de venture capital americana, uma das maiores do mundo, com estimados US$ 65 bilhões em ativos sob gestão, investiu no Brasil em negócios como Nubank, Stone e Conta Azul. Seu aporte na Flash agora marca o ponto de inflexão do negócio, que pretende usar o capital para expandir as soluções para o RH e investir em campanhas de marketing de grande alcance para tornar a marca mais conhecida — haverá peças na TV, inclusive. Para completar, a destinação do dinheiro novo inclui atração de talentos. Vida de startup em crescimento na veia.
Lanes e Salem, porém, preferem não informar qual é a avaliação implícita da Flash nas rodadas. Eles gostam mesmo é da falar da operação. Aliás, tampouco sobre em qual momento se decide que é hora de levantar dinheiro novo. “Acho que a gente nunca levantou dinheiro porque estava precisando de dinheiro. A gente levantou porque estava escolhendo o sócio certo", afirma Salem, quando questionado sobre em que momento a Flash pode vir a precisar de uma nova rodada de recursos.
Em julho do ano passado, a empresa tinha 60 funcionários. Hoje esse é o número de profissionais liderados apenas por Guilherme, na área de tecnologia e desenvolvimento. No total, são 200 empregados e há 50 vagas em aberto, com recrutamento em andamento. Até o fim de 2021, a expectativa é que sejam 300 colaboradores.
O tamanho do time de tecnologia se justifica pela dedicação da companhia a continuar sendo simples, mesmo com um sem número de possibilidades, e ainda com soluções diversas. Guilherme Lane conta que, a partir de queixas que surgiram de usuários, a companhia prontamente desenvolveu ferramentas inclusivas para deficientes visuais. “Ainda há muito por fazer nessa área, mas já começamos e reagimos rapidamente”, destaca.
Com o ritmo de crescimento, o break-even da unidade econômica, ou seja, de cada usuário individualmente, que era esperado para algum momento desse ano, já aconteceu. “A companhia é hoje saudável e geradora de caixa”, comenta Salem. O consumo de recursos se dá, portanto, no esforço de crescimento.
“Pegamos um produto que estava largado e há muitos anos sem inovação e mostramos que ele pode, sim, gerar valor para os funcionários e ser um fator de atração e retenção de talentos”, afirma Pedro Lane, referindo ao conceito inicial de benefícios flexíveis. A ideia da empresa é fazer esse movimento com tudo o que as empresas já fazem obrigatoriamente e mais o que quiserem fazer como diferencial.
No front, coincidiu de o governo decidir revisar o Programa de Auxílio ao Trabalhador (PAT), o que pode abrir outra avenida de crescimento. Há uma consulta pública em andamento e da qual a Flash tem ativamente participado. Para a novata nesse mercado tão concentrado, trata-se de uma grande oportunidade.
Quando iniciou sua operação, em meados de 2019, a Flash mirou o segmento de pequenas e médias empresas porque sabia que uma barreira de entrada são os rebates praticados pelas grandes competidoras do ramo. Nesse conceito, entram tanto as “devoluções” de 2% a 5% do valor dos depósitos dos contratos — as contratantes recuperam de R$ 2 a R$ 5 de cada R$ 100 depositado para funcionários — como os prazos concedidos. “Estamos conversando com um grande cliente potencial que tem um ano de carência para pagar aquilo que os empregados usufruem”, comenta Lane.
Para o fundador, essa estrutura é ilegal: “Só instituição financeira pode criar moeda”. Na revisão do PAT, segundo ele, já é consenso pelo debate que o rebate, seja na forma de devolução de recursos, seja na forma de prazo, será proibido. O grande desafio estará na redação disso e na estrutura de fiscalização.
Dentro dessa discussão, a estimativa é que o mercado de rebate equivalha a cerca de R$ 4 bilhões ao ano, considerando descontos e prazos, ou seja, mais de 2% do tamanho do mercado total.
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