Figueiredo: senso de urgência de mudanças pelo país aumentou após internação por covid (Paulo Friedman/Bloomberg)
Lucas Amorim
Publicado em 11 de março de 2021 às 20h28.
Última atualização em 11 de março de 2021 às 20h28.
Luiz Fernando Figueiredo, fundador da gestora Mauá e ex-diretor do Banco Central (BC), tem uma relação intensa com a pandemia da covid-19. No fim de 2020, passou duas semanas internado com 70% dos pulmões comprometidos. Desde então, diz ter ampliado seu senso de urgência na tomada de decisões e na avaliação das perspectivas para o país. Quando olha o cenário para 2021 e para frente, vê um alívio fiscal, mas uma infindável leva de incertezas causadas pela pandemia e pela antecipação das eleições de 2022. Figueiredo concedeu a seguinte entrevista ao EXAME IN.
O cenário com o qual a Mauá trabalhava no fim de 2020 mudou?
Sim. Nós tivemos uma disputa acirrada com relação ao orçamento e à PEC emergencial (aprovada nesta quinta-feira, 11). Mais uma vez, o Brasil flertou com o abismo fiscal. O país tem dívida grande demais e déficit crônico longo demais. Flertar com mais gastos é se jogar no precipício. Ano passado, chegamos a ter dificuldade de rolar dívida. A consequência é que os ativos brasileiros são um lixo na comparação global. Não é por outra razão que nos últimos 5 meses os estrangeiros compraram R$ 80 bilhões em ações. Não é porque estamos indo bem, é porque ficou barato demais em dólar. Mas após muita confusão prevaleceu a responsabilidade fiscal. O risco fiscal é de longe o maior à frente. Com a aprovação da PEC, os ativos brasileiros tendem a melhorar bastante o prêmio de risco. A taxa de câmbio também deve ficar menos pressionada. Mas por outro lado a pandemia piorou barbaramente, e vai piorar ainda mais. A expectativa era de crescimento de 3,5% em 2021 e já está abaixo de 3%. Em março e abril teremos uma atividade muito fraca. Na comparação, ficamos para trás. A bolsa americana está subindo 5,2% esse ano, e a brasileira, em dólar, está perdendo 10%.
Qual o tamanho do risco, para o investidor, de um recrudescimento da inflação e de um aumento de juros?
O risco é termos uma alta muito grande de juros. Mas não está no meu cenário. Pelo projetado, o Banco Central começaria em março com 0,25 ponto ou 0,5 ponto de aumento e no total subiria uns 200 pontos base [2,00]. Uma política monetária ainda expansionista, mas muito menor. Nossa atividade está recuperando de maneira muito frágil, e uma alta maior seria uma pá de cal.
Há risco de medidas populistas para conter a inflação?
Se formos para o caminho do populismo, os ativos brasileiros vão sofrer ainda mais. Esse início de ano foi um cheiro de como os ativos vão quando se vai para essa direção. Se minimamente o país seguir uma agenda de reformas, o cenário pode ser melhor do que vimos nesse início de ano. O risco de aumentar o populismo não está crescendo, mesmo com a decisão do Fachin trazendo o Lula como potencial candidato para 2022. A tendência mais provável é Bolsonaro continuar no caminho de uma agenda minimamente razoável. O populismo é um tiro no escuro. Primeiro que é preciso ter quem queira fazer, e o Paulo Guedes já disse que não quer. É risco demais para potencial melhora de menos.
De zero a dez a chance de reformas e privatizações neste governo?
A chance de alguma reforma é sete ou oito. Mas reformas consistentes aí a chance é quase zero. Vamos andar um pouquinho para frente, o que é muito melhor que andar um pouco para trás. Não vamos resolver a situação fiscal, que vai ser empurrada para o próximo governo. Uma reforma tributária vai simplificar em algo o sistema, mas não há a menor condição de se fazer uma reforma ampla. No preço dos ativos brasileiros está embutida a premissa de ir bastante para trás. Se andarmos um pouco para frente já será um grande avanço. A curva de juros de dez anos está em 8,5%, enquanto o juro está a 2%. A bolsa outro dia estava em 125 mil pontos, e voltar para lá e avançar um pouco mais nesse ambiente de não deterioração fiscal é possível.
Olhando mais para frente, com um recuperação global pós-pandemia: qual será o papel do Brasil?
Nos últimos dez anos, o mundo cresceu 3,5% e o Brasil cresceu zero. Estamos, no mínimo, 40% para trás. E os emergentes cresceram bem mais que isso. O Brasil foi um dos países que menos caíram no ano passado: 4,1%. Agora, daqui para frente muito provavelmente o Brasil vai recuperar mais lentamente que o resto do mundo. A primeira razão é que temos endividamento perto do dobro dos emergentes. Temos uma maratona com uma mochila com o dobro do peso nas costas. O Brasil também tem um déficit crônico que sempre gera uma dúvida sobre nossa sustentabilidade fiscal. Num bom cenário, isso vai ser atacado no próximo governo.
Falando em próximo governo, o país perde com a antecipação das eleições?
Primeiro: a decisão foi um absurdo sem fim. Não é possível você tomar uma decisão dessa cinco anos depois da prisão. Lula foi condenado por unanimidade em três instâncias. Foram dezenas de liminares negadas no supremo. A decisão é descabida e traz uma insegurança jurídica gigantesca. Aí tem o outro aspecto, que é o político. Essas duas coisas geraram um enorme receio no mercado. A insegurança jurídica também potencializou um embate muito radical na eleição. Tem muita água para rolar em um ano e meio, mas olhando de hoje a chance de polarização aumentou, reduzindo muito a chance de um candidato de centro. A chance de ter dois candidatos com uma grande rejeição é enorme.
Lula apresentou um projeto com jeitão de 2022. Como investidores reagiram a isso?
Lula foi para o centro quando se elegeu. Até porque não tinha muita opção dada a crise de confiança. O país estava arrumado e resolveu ter responsabilidade fiscal. Foi muito bem e aproveitei um tsunami positivo com as commodities. Agora, ele não está se colocando no centro. Do primeiro para o segundo mandato, Lula já foi para a esquerda. E a Dilma explodiu o país. Agora ,Lula está se colocando de forma mais à esquerda que em sua primeira eleição. É aquela história: vale apostar numa turma que destruiu o país? O outro lado tem muitas questões, mas não destruiu o país.
O quanto o avanço da pandemia pode modificar a avaliação?
Muito, pode mudar completamente. Mas acho que a probabilidade de a pandemia continuar fazendo estragos no segundo semestre é baixa. Não porque estejamos nos comportando bem. Mas o Brasil tem uma enorme capacidade de vacinar em massa. Não estou otimista, até porque vai piorar bem ainda, antes de melhorar.