Birman e Meisler, no anúncio da compra da Reserva pela Arezzo e formação da AR&Co, em 2020 (Arezzo/Divulgação)
Editora do EXAME IN
Publicado em 29 de agosto de 2024 às 07h48.
Última atualização em 29 de agosto de 2024 às 15h44.
No evento que marcou o primeiro dia de negociação das ações da Azzas 2154, resultado da fusão entre a Arezzo &Co e o Grupo Soma, na B3 no começo do mês, uma ausência chamou atenção.
Rony Meisler, fundador da Reserva, marca de moda masculina que foi vendida para a Arezzo em 2020, não estava presente – único desfalque entre os executivos e empreendedores responsáveis pelas principais marcas que constituem agora o maior grupo de moda do Brasil.
De férias em Nova York, ele foi representado pelo sócio Fernando Sigal e fez um post no Instagram comentando o evento. “Orgulho da fazer parte! Estou fora do país de férias e não pude estar com eles”, escreveu, junto de vídeos da cerimônia na B3 e congratulações a Alexandre Birman e Roberto Jatahy.
Era um dos poucos posts em que Rony, bastante ativo nas redes sociais, comentava a transação.
A conversa sobre a permanência do fundador da Reserva já rondava nos bastidores desde o anúncio da transação. O no-show no evento da Bolsa levantou algumas sobrancelhas, dado que Rony passava por uma intensa negociação com os sócios de Azzas sobre seu futuro na companhia.
Hoje, a Azzas anunciou que a AR&Co, divisão que abriga a Reserva e a Baw será comandada por Ruy Kameyama, ex-presidente da BR Malls. Rony, Fernando e os sócios Jayme Nigri e José Silva deixarão a companhia que fundaram em dezembro de 2024.
É o fim de uma novela que se arrasta há anos. A Arezzo pagou R$ 715 milhões pela Reserva em 2020, dos quais R$ 225 milhões em dinheiro e R$ 490 milhões em ações.
A fatia em ações tem um lock-up gradual, que libera um terço dos papéis para ser vendido ao longo do segundo, terceiro e quarto anos pós-transação.
No fim dos dois primeiros vestings, em dezembro de 2022 e dezembro de 2023, Rony vendeu praticamente toda sua fatia -- num movimento que não agradou Alexandre Birman, controlador da então Arezzo &Co, segundo fontes próximas à negociação.
O estilo mais centralizador de Birman também bateu de frente com a personalidade de Rony. Apesar de estar no conselho da Arezzo, ele tinha menos liberdade e era menos consultado do que gostaria.
"Já antes da fusão com o Soma, era certo que o Rony ia sair em dezembro de 2024, não tinha nem negociação", pondera um interlocutor que conhece de perto o empreendedor.
Desde a fusão, quem assumiu as tratativas foi Roberto Jatahy, o fundador do Soma, conhecido pelo perfil mais agregador e que dá mais liberdade aos empreendedores das marcas que formam o grupo.
As conversas vinham sendo tocadas por ele desde fevereiro, mais em tese do que com uma proposta na mesa. Foi só nas últimas semanas que elas evoluíram para uma proposta mais formal, com oferta de um plano de retenção via stock options.
"Foi uma coisa assim: a Azzas ofereceu X e o Rony espera 10x. Eram expectativas completamente desalinhadas", diz uma fonte.
“As discussões passavam, é claro, por um plano de retenção que o amarrasse mais para mais o longo prazo, mas não eram só sobre isso. Eram sobre o nível de autonomia e de escuta que ele teria dentro da nova unidade de negócio e da companhia, o quanto ele vai estar junto da estratégia do grupo”, diz outra fonte próxima à companhia.
No anúncio da fusão, Rony tinha sido anunciado como o head da unidade de negócios de moda masculina, que vai abrigar, além da Reserva e da Baw, que também veio da Arezzo &Co, marcas como a Foxton, que pertencia ao grupo Soma. Ao todo, a divisão somou R$ 1,6 bilhão de receitas em 2023, com 217 lojas.
Mas, diferentemente de Thiago Hering, que vai liderar a vertical de “moda democrática”, que envolve a companhia que leva o sobrenome de sua família, e Roberto Jatahy, que vai liderar a área de vestuário feminino, Rony não constava como diretor estatutário no redesenho organizacional da Azzas.
A Azzas será dividida em quatro verticais: calçados, moda masculina, feminina e democrática. Jatahy, à frente da vertical feminina, participa do acordo de acionistas da companhia e tem um contrato que prevê, explicitamente, liberdade total para tocar a divisão, na qual tem grande expertise.
A única líder de área que não está na diretoria estatutária além de Rony é Luciana Wodzik, uma executiva que construiu toda sua carreira na Arezzo &Co e ascendeu com a reorganização, tornando-se o braço direito de Alexandre Birman na divisão com a qual ele tem mais familiaridade e que está na gênese do grupo fundado por seu pai.
Ruy Kameyama é um nome conhecido no varejo, já estava no conselho do Soma, e foi apontado conselheiro da Azzas.
Mas, num grupo notadamente voltado a moda feminina, seja em vestuário ou calçados, a expertise de Rony Meisler no universo masculino e seu espírito energético e empreendedor, que tornou a Reserva uma marca-desejo, eram ativos relevantes, avaliam investidores.
“Rony é meio que a alma da Reserva. Não dá para dizer que a companhia não tenha futuro sem ele, tem muita gente competente lá. Mas foi o espírito empreendedor dele e o olhar para tendências e experiência de loja que tornaram a companhia o que é hoje”, diz um gestor que acompanha a companhia.
Ele tem um non-compete pelo qual não pode fazer novos negócios na área de moda pelos próximos dois anos.
Sinergias entre Reserva e Hering, principalmente na utilização do parque fabril da marca catarinense, também são apontadas como um ponto relevante de economia de custos.
No primeiro Investor Day da Azzas 2154, realizado no último dia 15, a nova companhia destacou as várias avenidas de crescimento que prevê em seu negócio. Enquanto Arezzo e Hering são consideradas marcas maduras, e Schutz e Animale, unidades em turnaround, a Reserva aparece dentro do segmento de “growth”, ou das unidades que vêm crescendo na casa dos dois dígitos.
A Reserva teve faturamento bruto de quase R$ 1 bilhão em 2023, com alta de 33% anual nos últimos dois anos. A Reserva Go, unidade de calçados da marca, vem numa trajetória de crescimento expressiva, chegando a R$ 261 milhões de receita, quatro vezes aquela que apresentava em 2021, antes da aquisição pela Arezzo &Co.
Outro destaque ficou com a Oficina, marca de alfaitaria e tecidos mais nobres, que cresceu 52% em média nos últimos dois anos; O faturamento no ano passado foi de R$ 171 milhões – maior que a da Foxton, do Soma, que faturou R$ 130 milhões em 2023.
“A grande dúvida em relação à Arezzo e ao Soma sempre foi o potencial de crescimento das marcas e isso segue como uma das principais questões na Azzas 2154: dá para crescer mais de dois dígitos no agregado? A abertura dos dados da Reserva surpreendeu e parece que as marcas embaixo dela estão conseguindo entregar isso”, diz um investidor.
O desafio de Kameyama será manter esse crescimento, agora sem a presença do fundador que era a cara da companhia.