Carlos Brito: “Somos uma empresa de princípios e somos fanaticamente aderidos a eles. Me orgulho muito disso” (Bloomberg/Getty Images)
Lucas Amorim
Publicado em 17 de junho de 2021 às 13h58.
Última atualização em 18 de junho de 2021 às 09h02.
Nas últimas semanas o carioca Carlos Brito mantém a tradicional rotina intensa de trabalho na sede da ABInBev, em Nova York. Começa a despachar às 5h, ainda de casa, e fica conectado até as 20h para poder falar com executivos dos mais variados fuso-horários. Sem as 800 horas anuais em avião para lá e para cá, o CEO da maior cervejaria do planeta também se rendeu a reuniões virtuais, mescladas a encontros presenciais no escritório, que funciona em rotação de equipes desde a volta gradual, em setembro.
"Sinto falta de conhecer o cliente, de ver o mercado, de ir às agências ver o trabalho das campanhas, de tomar café da manhã com os talentos que estamos contratando, de tomar um chope com os colegas no fim do dia”, afirma. Tudo isso faz falta, e fez de seu derradeiro ano na companhia uma jornada pra lá de sui generis.
Após 15 anos no comando da ABInBev, ele já tem data de saída: 30 de junho, 54 dias após a companhia ter comunicado a decisão ao mercado. Desde então, apesar da intensidade de sempre, Brito tem se dedicado menos às decisões de uma empresa com 164.000 funcionários mundo afora e mais à passagem de bastão para Michel Doukeris, o escolhido como seu sucessor. Ele assumirá uma companhia que vale US$ 130 bilhões e que vem recuperando valor semana a semana com a retomada da economia.
Desde o anúncio de sua saída, o executivo que simboliza a cultura Ambev tem falado com muitos conhecidos, mas com nenhum jornalista. Na tarde desta terça-feira ele falou com o EXAME In por videoconferência. E afirmou que só vai pensar nos próximos passos após a despedida da ABInBev, no fim do mês. “Sou uma pessoa muito focada no dia-a-dia. Nas últimas semanas muita gente me ligou com sugestões e propostas. Anotei todas, mas não tomei decisão”, afirma Brito.
Isso não quer dizer, claro, que o executivo não mire o longo prazo. Pelo contrário. Entre suas certezas está a de que há muito a acontecer no próximo ciclo. “Meu pai, médico no Brasil, tem 89 anos e atendeu em seu consultório até 86. Eu tenho 61, e agora vou pensar nos próximos 25 anos”, diz.
Brito afirma que depois de 15 anos no comando de uma das maiores empresas do planeta pretende dar um tempo após o dia 30 de junho. Entre os planos de curto prazo está poder viajar com a mulher e os quatro filhos sem ter que emendar com reuniões, visitas a clientes, fornecedores, pontos de venda. Mas ele mesmo reconhece que deve voltar em breve à ativa, para “um ou mais projetos”.
O próximo passo será dado obedecendo a três condições. "Quero trabalhar com pessoas que admire e com quem possa aprender. Com um grupo de pessoas que tenha valores iguais aos meus. E num lugar em que eu possa ser sócio", afirma. O mercado de startups é um dos que o atrai, afirma, mas dificilmente ele ficaria em tempo integral dedicado a um único projeto.
O executivo, que entrou na Brahma há mais de 30 anos e foi peça essencial da construção da ABInBev, diz ter sido cada vez mais consultado sobre “work life balance”, o balanço entre trabalho e vida pessoal. E diz que a ideia não é trabalhar menos, mas ter mais flexibilidade. "Acho que agora vou ter mais flexibilidade no tempo. Mas gosto de estar ocupado. Se você está com tempo sobrando, acaba se ocupando com outra coisa", afirma.
Sua saída da presidência era uma decisão aguardada há anos dentro e fora da cervejaria. Brito reconhece que ficar 15 anos na presidência é uma situação “fora da curva”, sobretudo numa empresa conhecida como uma das maiores fábricas de executivos do planeta. "Sempre foi um prazer estar aqui. É parte da minha vida e da minha família", afirma. “Mas em algum momento você precisa passar o bastão para a próxima geração, senão a máquina para”.
"Se as pessoas estão aprendendo e vão ser potencialmente melhores que nós, a empresa vai continuar crescendo e ser cada vez melhor. É uma mecânica que sempre foi muito natural para a empresa", diz.
Contribuiu para o tempo no cargo, afirma Carlos Brito, o fato de que de tempos em tempos havia uma nova combinação que mudava as perspectivas e criava um “novo começo”. Uma das últimas grandes tacadas foi a compra da concorrente SABMiller, no fim de 2015, e que demandou nos últimos anos um enorme esforço de integração dos negócios e de redução gradual do endividamento.
Todos os anos Brito levou ao conselho de administração uma lista de sucessores para as principais posições da empresa, incluindo a dele próprio. Ela detalhava quem estaria preparado para qual cargo agora, em três anos e em cinco anos ou mais. "Em algum momento vimos que tínhamos talentos que estavam prontos, e que o futuro da companhia seria mais de crescimento orgânico que de grandes combinações, embora as duas estratégias sejam complementares", afirma.
A data do anúncio, 6 de maio, foi escolhida de forma conjunta para coincidir com o anúncio de resultados trimestral. Coincidentemente, caiu dois dias antes do aniversário do executivo, mais uma mostra simbólica do entrelaçamento entre ele e a companhia.
Michel Doukeris, o sucessor escolhido, era “há algum tempo” o número um da lista de Brito, mas nunca foi informado disso até que seu nome foi chancelado pelo conselho. "Na companhia valorizamos o foco, e isso seria uma mega distração. Seria contraproducente”, afirma Brito.
Faltam pouco mais de 10 dias para ele deixar um dos cargos mais incensados do capitalismo global. Mas Brito já sabe como quer ser lembrado antes de começar seu próximo ciclo. “Gostaria de ser lembrado como pare de um time. Que errou, mas que na média deu muito certo. Saímos de um país na America Latina e na Bélgica e viramos o que viramos. Isso foi o grupo de pessoas que fez. Somos uma empresa de princípios e somos fanaticamente aderidos a eles. Me orgulho muito disso", diz.
"Meus filhos daqui a 20 anos vão olhar para trás e ver que atingi coisas legais de forma ética, de um jeito que dê orgulho. Sempre dissemos que se você tem dúvida sobre que decisão tomar numa esquina qualquer da Índia, pense que terá que explicar essa decisão para mil sócios em cima de um palco. Você estaria tranquilo com isso, ou torceria para ninguém te perguntar? Meus filhos sabem tudo que faço".
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