Sabesp: Plano é lançar operação na primeira semana de junho (Sabesp/Divulgação)
Editora do EXAME IN
Publicado em 30 de abril de 2024 às 17h54.
Última atualização em 30 de abril de 2024 às 18h49.
A privatização da Sabesp está testando fronteiras do mercado de capitais ao unir, numa mesma oferta de ações, a venda de uma fatia para um investidor estratégico e outra tranche voltada para o mercado, que vai pulverizar o capital em bolsa.
Por trás do desenho engenhoso da operação está o desejo do governo paulista de equilibrar dois objetivos: garantir um investidor de longo prazo que dê estabilidade e sirva de esteio aos investimentos multibilionários necessários para universalizar o saneamento até 2029 e ao mesmo tempo maximizar o valor a ser recebido pela venda de uma fatia de 30% dos atuais 50,3% do capital que hoje lhe pertencem.
Nessa corda bamba, vários detalhes para garantir essa maximização de valor estão sendo fechados e devem ser divulgados ao mercado até o fim do próximo mês.
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Hoje, está claro que a oferta de ações não poderá ter preços diferentes para o investidor estratégico e para a tranche de mercado, fontes próximas à operação disseram ao Insight.
A possibilidade era aventada pelo estado e pelos bancos coordenadores, mas acabou não avançando diante da negativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para o processo.
A autarquia sinalizou que é necessário que ambas as etapas da oferta precisam ser fechadas ao mesmo preço por ação. Nesse cenário, se um dos investidores estratégicos vier com uma oferta a R$ 90 e encontrar demanda de mercado a R$ 80, ele fecharia a operação aos R$ 80.
Nesse sentido, está em estudo a possibilidade de que a diferença entre os valores seja paga por fora, como uma espécie de “prêmio” pelo pacote de governança a ser assinado em conjunto com o governo do estado.
Há ainda uma possibilidade, considerada remota, de que o mercado aceite pagar um preço maior que o ofertado pelo estratégico. Para acomodar esse cenário, a ideia, por ora, é de que o estratégico dê o preço e mais um intervalo maior no qual estaria disposto a seguir com a oferta.
Recapitulando: a Sabesp vai fazer a oferta de privatização em duas etapas. Na primeira, 15% da companhia será ofertada a investidores estratégicos, que assinarão um acordo de acionistas junto com o estado e terão um lock-up de cinco anos, voltado a retê-lo durante o período mais importante de investimentos até chegar a universalização do serviço de saneamento em São Paulo.
As duas melhores ofertas vão para o mercado, que deve absorver mais uma fatia de 15% do estado. A proposta que receber o maior volume de ofertas de investidores é a vencedora.
Celebrado por grande parte do mercado, recentemente o modelo vem enfrentando críticas de players que questionam se o processo na verdade não incentivaria que a oferta de menor valor prosperasse.
Numa primeira leitura, na possibilidade de dois bons investidores passarem para a segunda fase do processo, os investidores teriam incentivo a aderir à proposta de menor valor, comprando mais barato as ações e se apropriando de mais valorização conforme a transformação na empresa se desenrolar.
Isso poderia gerar questionamentos na Justiça, especialmente por parte do estratégico que fez a oferta de maior valor – que pode atestar que o governo deixou dinheiro na mesa.
A lógica, no entanto, é a de privilegiar a maior oferta. Para isso, a operação deve contar com um patamar mínimo de book a partir do qual a proposta de maior preço será vencedora, independentemente do volume que a outra proposta mais barata receba.
Num exemplo prático: caso um investidor estratégico faça uma proposta a R$ 90 e receba ofertas equivalentes a três vezes ao book (o volume de ações disponíveis para venda na segunda etapa), ele sai vencedor, ainda que a uma outra oferta a R$ 80 tenha um book indicativo na casa de cinco a seis vezes.
Os detalhes dessa mecânica ainda precisam ser fechados. Mas o patamar que servirá de limite para o book não deve ser divulgado publicamente, para evitar que os investidores não “operem” esse livro e coloquem ofertas infladas para fazer a proposta favorita prosperar.
Haveria uma auditoria independente para garantir que o processo foi conduzido de acordo com essa regra.
Entre os bancos coordenadores, a percepção é que é preciso ter alguma discricionariedade para garantir uma boa qualidade de investidores na base acionária.
Tipicamente, em ofertas de ações os coordenadores pilotam a demanda para garantir que haja gestoras com foco em longo prazo e menos hedge funds, que iram a carteira com mais frequência, por exemplo.
Outro ponto ainda em aberto é se haverá uma oferta primária, com recursos que vão para o caixa da Sabesp, em conjunto com a venda de ações do estado. Por ora, a opção ainda está na mesa e pode chegar a até R$ 6 bilhões. Para evitar um overhang de ações, que tende a trazer para baixo o preço na oferta, é possível que essa primária gire em um patamar menor, mais próximo dos R$ 3 bilhões, disseram os interlocutores ao Insight.
O plano de trazer mais liquidez para a Sabesp visa atrair mais investidores e dar certo conforto em meio aos investimentos na casa de R$ 68 bilhões que serão necessários em investimentos até 2030.
O estado está em fase final de elaboração da oferta e pretende fazer o soft launch da operação dias depois da reunião para a assinatura do contrato com a URAE-1, unidade regional que abriga 370 dos 375 municípios atendidos pela Sabesp, marcada para 20 de maio.
O plano é ter todo os detalhes fechados para fazer o soft launch da operação até o começo de junho, concluindo a operação até o fim daquele mês – com a possibilidade de ela escorregar para o começo de julho em caso de atrasos que ocorrem nesse tipo de processo.
Enquanto a Sabesp se debruça nos arremates finais, os investidores estratégicos se posicionam para a oferta. De acordo com fontes próximas à operação, a Equatorial e a Aegea são as mais engajadas no processo, se articulando e buscando mais informações para construir uma oferta.
A Aegea tem sido bastante vocal sobre seu interesse e deve entrar em conjunto na oferta com o GIC, fundo de soberano de Singapura, e a Itaúsa, que são suas acionistas. A Perfin, gestora bastante voltada para infraestrutura, está junto nesse pool – podendo tanto financiar a Aegea quanto entrar no book financeiro para dar esteio à proposta.
Um detalhe no acordo de acionistas com o estado, no entanto, precisa ser pacificado para acomodar a companhia, que investe em saneamento em outras praças. O desenho inicial prevê que o investidor estratégico não possa entrar em outros ativos de saneamento sem dar à Sabesp o direito de primeira recusa.
Uma possibilidade é flexibilizar essa cláusula, para que o investidor tenha liberdade de entrar em outros projetos até 2029, quando a Sabesp estará focada na universalização do saneamento em São Paulo. A partir de então, se o objetivo for cumprido, a hoje estatal teria a prioridade de entrar em outros ativos, dentro ou fora do estado.
No caso da Equatorial, existe a possibilidade de que eles entrem sozinhos ou em conjunto com fundos de referência na sua base acionária, ainda de acordo com interlocutores.
A Cosan é outra interessada no processo, via Compass, mas tem se mostrado mais reticente, pois gostaria de ter mais ascendência na companhia no acordo de acionistas. “Ainda não é carta fora do baralho, mas parece um player mais improvável”, diz essa fonte.
Outros players que mostram interesse são o IG4, que está levantando um fundo dedicado à oferta nos Estados Unidos com a gestora focada em utilities Water Resources, e a francesa Veolia, uma das líderes globais em saneamento.
“Fato é que vai ser como um concurso de miss e os estratégicos vão ter de abordar o mercado para dizer como as suas propostas e visões para a empresa criam mais valor. As próximas semanas devem ser de muitas movimentações”, afirma o interlocutor.