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Essa startup quer o lugar da VR, Ticket, Alelo e Sodexo ao mesmo tempo

Criada há um ano, a Flash é a primeira de benefícios flexíveis para empresas e atrai sócios ilustres do mundo tech

Trio de fundadores: Ricardo Salem, Pedro Lane e Guilherme Lane (Germano Lüders/Exame)

Trio de fundadores: Ricardo Salem, Pedro Lane e Guilherme Lane (Germano Lüders/Exame)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 31 de julho de 2020 às 09h51.

Última atualização em 31 de julho de 2020 às 20h13.

“Você ficou maluco?” Foi com essa pergunta que um dos fundadores da startup de benefícios Flash, Ricardo Salem, respondeu a Pedro Lane, seu amigo de infância, quando ele lhe perguntou o que achava de abrir uma empresa digital de vale refeição e alimentação, em um almoço casual de meio de semana. Na hora, Salem, então na McKinsey, só pensava que significaria brigar em um mercado de 150 bilhões de reais ao ano, totalmente dominado por quatro gigantes, sendo duas que se tornaram nome de categoria: VR e Ticket Restaurantes, mais a multinacional Sodexo e a líder Alelo, com o fôlego dos controladores Banco do Brasil e Bradesco. Não podia fazer sentido.

Mas fez e Salem é hoje, um ano e meio depois, presidente da Flash Benefícios, uma legítima tech do setor que na largada ele achava loucura encarar. É a primeira do país de benefícios flexíveis num só meio de pagamento — tem de tudo e mais um pouco no mesmo cartão e aplicativo, de refeição e alimentação, a mobilidade (combustíveis, Uber e afins), saúde (desconto em farmácias e terapia), educação e cultura. A lista não para de crescer.

A mais recente novidade — fruto das urgências da pandemia — é primeira solução de home office para companhias: a possibilidade de pagamento verificável pelos funcionários de boletos de energia e telecomunicações dentro da plataforma. Em breve, também haverá parcerias para compra de móveis de escritório com verba das empresas. É o fim do relatório de comprovantes do trabalho à distância.

A Flash começou a ser projetada em outubro de 2018 e completou neste mês o primeiro ano de operação com o mérito de, com seu crescimento, incomodar as gigantes. Já tem CEO das ‘big four dos benefícios’ pedindo para conhecer o time.

Em 12 meses, reuniu um portfólio com 60 mil pessoas atendidas e 1.500 companhias clientes. O maior contrato tem 3 mil funcionários e o menor, três. A empresa mal nasceu e já tem 60 colaboradores — 1/3  dedicado ao atendimento de clientes; 1/3 de desenvolvimento e tecnologia; e 1/.3 com todo o resto que uma companhia precisa. A atuação está espalhada por 18 estados da federação, em mais de 180 cidades.

O break-even point, ou seja, o momento em que receitas e custos mais despesas empatam é esperado para 2021. No plano original, o foco seria atender médias e pequenas companhias. Entretanto, a mudança acelerada que a pandemia trouxe para a gestão de recursos humanos está levando à porta da Flash companhias de grande porte, em busca de flexibilidades.

Para colocar em perspectiva o chão que o trio ainda tem para correr, vale citar os números da Alelo: 8 milhões de usuários de mais de 100 mil empresas clientes. O outro lado dessa moeda: enquanto a Alelo tem sócios ricos, mas “old fashion”, a Flash foi fundada com ‘seed money’ de Kevin Efrusy —  sócio da Accel Partners, o renomado fundo pioneiro investidor do Facebook e que escolheu empresas como Gympass, Quinto Andar e Bee Tech para ter na carteira — mais Patrick Sigrist e Guilherme Bonifácio, fundadores do iFood, além da Global Founder Capital (GFC). Esses aportes chegaram quando tudo ainda era um plano, em janeiro de 2019.

No fim do ano passado, quem se juntou à base de sócios com o negócio rodando foi a gestora de venture capital Monashees, com 15 anos de praia. Ao todo, em seu primeiro ano de vida, a Flash já recebeu 9 milhões de dólares em capitalizações — 45 milhões de reais em dinheiro de hoje. O controle continua com o trio fundador: os irmãos Pedro e Guilherme Lane, mais Salem.

O problema: não tem ninguém feliz

O pai da ideia da Flash, que tem nome de herói e cor chamativa para quando o cartão sai do bolso — um rosa pink daqueles —, é o atual diretor financeiro Pedro Lane. Nasceu de sua experiência como empresário e usuário, sócio fundador da agência de comunicação Néctar, e da percepção que tinha espaço para briga, mesmo com os titãs do ramo. “É uma indústria com três clientes — empresas, funcionários e restaurantes — e ninguém está satisfeito. Ela não agrega valor para absolutamente ninguém, a não ser para ela mesma”, protesta. “O problema não está na legislação que obriga o pagamento do benefício ao trabalhador. Está no produto.”

No mercado das quatro grandes, segundo ele, a companhia cliente tem uma tremenda dor de cabeça para gerir o benefício, no meio tem o funcionário que fica insatisfeito e perde poder de compra revendendo o voucher recebido e, na outra ponta, está o restaurante. O comércio cadastrado é alvo de uma taxa de 5% a 8% para poder ser pago com o cartão de benefício e, se quiser antecipar o recebimento, o custo duplica. Tudo isso em um ambiente em que as necessidades das pessoas são cada vez mais diversas e particulares.

Convencido de que dava para mudar a dinâmica, Pedro Lane trouxe o irmão para a empreitada: o administrador de empresas Guilherme Lane que há uma década já vivia mergulhado no mundo tech e aprendeu a programar por conta própria com cursos online de Stanford. Com passagens como sócio em empresas de games, incluindo a criadora do icônico Esmaga Formiga (Ant Smasher) e anos na RevMob, ele decidiu que estava pronto para mudar de ramo. Coube a ele tornar a ideia possível.

Nada igual e tudo diferente

Depois de entrevistar quase 100 departamentos de recursos humanos de grandes a pequenas empresas, o trio entendeu que, se quisesse mesmo inovar, o negócio tinha que ser multi-benefícios e flexíveis. E precisariam ainda de ter sim o meio físico, ou seja, o bom e velho plástico que fica na carteira.

Mas não podiam ficar reféns da pergunta “Aceita o cartão? Tem maquininha?”. Desse jeito, nem nasceriam. A solução foi fechar uma parceria com a Mastercard e se tornar uma espécie de emissor da bandeira. Dessa forma, recebem uma parte da receita da gigante com a base gerada. O cartão carrega o selo, mas a gestão é da Flash, que controla onde, como e quanto cada usuário pode gastar, tudo de acordo com a política de benefícios da companhia. “Não dá para comprar televisão com cartão da Flash, mesmo sendo Mastercard", explica Guilherme Lane. Com isso, o usuário pode pagar com cartão ou diretamente via aplicativo.

Outras fontes de receitas são o próprio contrato com as empresas clientes e, por fim, os parceiros digitais na rede de benefícios do aplicativo. A lista hoje tem mais de 50 nomes, de deliveries como Liv Up e a rede Apetite, passando pelas drogarias DPSP (São Paulo-Pacheco), a empresa de cursos Gama Academy, e até terapia online, com a Vittude. Nesse caso, cada parceiro oferece um benefício para o usuário Flash, em geral descontos, e paga à Flash uma espécie de ‘fee’.

Em breve, serão mais de 100 parceiros. Como toda tech, a Flash gera e controla uma grande base de dados. Assim, é possível saber exatamente quais parceiros destacar e vantagens oferecer conforme cada perfil de usuário. Para ficar claro: os usuários podem usar o cartão Flash em qualquer estabelecimento, mas naqueles parceiros do aplicativo têm vantagens extras. Em muitos dos casos, não precisam sequer pagar com o cartão. Podem apenas fornecer o CPF.

Tirar dinheiro desse conjunto não é simples, ainda mais considerando que as demais companhias operam quase como financeiras — ganham com spread da captação de recursos à vista e pagamentos a prazo, com descontos. Nesse caminho, Salem afirma que a Flash tem de mostrar o valor que gera para a empresa, com engajamento e satisfação de funcionário, para competir com a prática do rebate  — não é raro que em grandes contratos as empresas de benefícios devolvam parte do valor depositado  às companhias clientes, em percentuais que podem variar de 2% a 5%. “Ninguém aqui é do time do ‘fica Covid’, mas a pandemia ajudou as empresas a perceberem o real valor dos 98%-95% que investem.”

Outra fortaleza, segundo os sócios, é a facilidade para a empresa contratante. Entre se tornar cliente e ter cartão para todos os funcionários, são cinco dias úteis. Para quem está em São Paulo, são três. Além disso, uma vez na base, acrescentar ou tirar funcionários da lista de usuários é automático. Novos cartões podem ficar na empresa e serem ativados instantaneamente. Na pandemia, com todo mundo em casa, a Flash entrega o cartão onde o colaborador estiver. Era isso ou ver o ritmo de crescimento desacelerar. A gestão de tudo é feita online.

O desafio — e o plano, segundo os sócios — é se manter na vanguarda do setor, que não está acostumado a ter novos entrantes. E, nas raras que tem, são nomes como o do Santander, que no ano passado resolveu atuar no ramo com o Ben Visa Vale. Na mitologia, a guerra contra os Titãs durou dez anos e exigiu que Zeus, filho de Cronos, reunisse um exército de insatisfeitos contra o pai.

 

 

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