Fila para Porto de Santos em 2013: investimento logístico necessita de planejamento integrado (BR INFRA Group/Reprodução)
Graziella Valenti
Publicado em 23 de dezembro de 2022 às 14h20.
Última atualização em 23 de dezembro de 2022 às 14h43.
As primeiras declarações da equipe de transição do governo eleito trouxeram preocupações para os usuários do maior porto da América Latina. Isso porque sinalizaram descontinuar alguns processos de privatização e concessões que vêm sendo conduzidos pelos dois últimos governos, e que se encontram em fase final, após anos de estudos e aprovações regulatórias. Dentre os ativos federais que a equipe de transição indicou que deveriam ser paralisados para avaliação está o Porto de Santos.
A empresa Santos Port Authority (SPA) cuida da administração do condomínio portuário nesta localidade, formado pelos cais, canal de navegação, terminais portuários, ferrovia interna do porto de Santos (FIPS) e acessos rodoviários. Assim, a SPA não carrega ou descarrega cargas e mercadorias —atribuição dos terminais portuários, que já são na quase totalidade privados —, mas sim cuida das atividades essenciais para o bom funcionamento do Porto. Em especial, a SPA cuida da dragagem do canal de navegação, a qual é essencial para a atracação de grandes navios (post Panamax). Tais navios mais modernos permitem reduzir o custo unitário de transporte e a emissão de CO2, razão pela qual as grandes empresas de navegação estão investindo globalmente nessas embarcações. A viabilidade da entrada dos navios Post Panamax num porto requer a manutenção da profundidade do canal de navegação em 17 metros, que hoje está em 15 metros em Santos.
O governo federal vem tentando sem sucesso há mais de dez anos contratar o serviço de dragagem para aprofundamento do canal, mas as licitações são frequentemente judicializadas. Uma gestão privada do porto, sem as amarras de contratação pública, seria mais eficaz em aprofundar o canal na medida necessária e manter a dragagem em dia.
O modelo de privatização do Porto de Santos envolve a concessão da atividade de administração portuária e a venda da SPA, na modalidade private landlord port (PLP)[1]. O grupo que se sagrar ganhador na licitação assume a empresa SPA e a concessão da administração portuária por 35 anos, sendo responsável por administrar o condomínio portuário (despesas estimadas de R$ 14 bilhões nesse período) e fazer investimentos que permitam sua expansão ao longo deste período de concessão. Os cálculos preliminares apontam para um montante de R$ 6,3 bilhões em novos investimentos necessários, como a obrigação de construir uma ligação terrestre (túnel) entre Santos e Guarujá e a realizações de importantes mudanças no entorno do porto (viadutos e eliminação de passagens de nível), visando segregar o trânsito direcionado ao porto do trânsito local de Santos.
A SPA também supervisionaria a administração da FIPS, a qual seria feita por um consórcio dos operadores ferroviários com malhas que chegam até Santos (MRS, Rumo e VLI) e que demanda mais de R$ 5 bilhões em novos investimentos para melhorar e ampliar a atual capacidade ferroviária de 50 milhões de toneladas anuais para 115 milhões de toneladas para os próximos cinco a dez anos.
O transporte de cargas é um processo de logística integrada, onde a carga precisa sair do campo e das fábricas e chegar ao porto, ser vistoriada, armazenada, embarcada e transportada ao destino, ou vice-versa no fluxo de importação. Assim, as capacidades de transporte e armazenagem precisam ser compatíveis entre rodovias, ferrovias, armazéns e terminais portuários.
Em 2013, passamos por problemas de estrangulamento no fluxo logístico, onde a capacidade instalada do Porto de Santos e de suas vias de acesso não comportava o embarque de uma generosa safra de grãos. O resultado foram congestionamentos enormes no entorno, inclusive nas rodovias que descem a Serra do Mar, resultando em atrasos na operação logística, descumprimentos de contratos comerciais e infortúnios para motoristas particulares que nem mesmo ao porto se dirigiam.
Sucessivas administrações públicas vêm trabalhando na expansão dos modais de transporte para atender o consistente crescimento de movimentação de cargas em Santos. Por exemplo, foram aprovados mais de R$ 15 bilhões em investimentos nas malhas ferroviárias da Rumo e da MRS, por meio dos processos de renovação antecipada destas concessões e que demandaram mais de cinco anos de estudos detalhados e aprovação do Minfra, ANTT e TCU. Há também investimentos contratados pelo governo paulista para ampliar o acesso das rodovias atualmente concedidas que chegam ao Porto, além de um estudo de uma nova ligação rodoviária e ferroviária do Planalto à Baixada Santista (Linha Verde), cujos estudos em PMI (procedimento de manifestação de interesse privado) já foram entregues.
Mas, se não houver expansão concomitante da capacidade portuária, novos estrangulamentos e atrasos surgirão, prejudicando a logística integrada e o PIB nacional na principal região produtora e consumidora do país. Seria um tremendo desperdício dos necessários investimentos em expansão da capacidade de transporte ferroviário e rodoviário já em curso no Sudeste e Centro-Oeste do Brasil.
O governo do ex-presidente Michel Temer (PMDB) iniciou tal processo de privatização em 2017 indicando a empresa Codesa, responsável pelos portos de Vitória e Barra do Riacho no Espírito Santo, de forma a se avaliar bem o modelo de privatização de autoridade portuária. A modelagem deste ativo foi desenvolvida pelo BNDES e a gestão do porto já está em mãos privadas há mais de seis meses. Não se viu reclamações na mídia especializada sobre esta nova gestão da Codesa. Atualmente, além de Codesa e da SPA em Santos, também estão previstas a privatização da Codeba (Bahia) e as concessões dos Portos de Itajaí e de São Sebastião.
Assim, algumas declarações do governo eleito sobre o engavetamento de todo este avanço na estrutura portuária preocupam aos produtores, embarcadores, operadores portuários e distribuidores no país. Tais ideias se prendem à visão ideológica contrária às privatizações, como se houvesse alternativas viáveis à realização do projeto em mãos públicas. Seja pela falta de previsão orçamentária de longo prazo, seja pelas dificuldades de contratação ágil através de licitação (pela Lei nº 8.666) dos serviços requeridos, a gestão portuária não tem funcionado a contento sob administração pública.
Mesmo a propalada ideia da equipe de transição de se fazer concessões de alguns serviços isolados, mantendo a gestão do Porto nas mãos do governo, não tem chance de sucesso. A dragagem do canal foi mencionada como exemplo, justamente ela que não consegue ser realizada há dez anos!
O avanço da logística e da infraestrutura de transportes no Brasil precisa ser feito de forma integrada e aproveitando os avanços de digitalização e comunicação (5G) em andamento. O governo e os reguladores vêm fazendo um bom planejamento de avanços regulatórios para permitir que o investimento no setor flua de modo contínuo e eficiente, em grande parte pelos players privados. Seria lamentável vermos um retrocesso neste quadro com a pretensão de atribuir ao setor público a capacidade e responsabilidade de realizar investimentos elevados no Porto de Santos.
As sinalizações dúbias do governo eleito e sua equipe de transição levaram ao adiamento da análise da privatização do Porto de Santos pelo TCU, assim como da suspensão de estudos e licitações de outros importantes ativos (oitava rodada de concessões aeroportuárias, Ceasa-MG etc.).
Esperamos que essa parada para reavaliação seja apenas para que os novos integrantes do governo eleito se inteirem da necessidade e vantagem de se prosseguir com concessões e privatizações. Que o pragmatismo suplante a ideologia!
[1] Para uma discussão das distintas modalidades, consultar https://ppp.worldbank.org/public-private-partnership/library/port-reform-toolkit-ppiaf-world-bank-2nd-edition. As vantagens e desvantagens do modelo concorrencial para a SPA foram levantadas em Parecer da BR Infra e disponibilizadas no artigo iNFRADebate: Integração vertical entre empresas de navegação e terminais – os bons argumentos que não teimam com os fatos, de 22/08/2022.
* Marcelo Allain é sócio-diretor da BR Infra Group e foi secretário do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal.