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Entrevista: Por que a Stellantis está apostando alto na eletrificação à brasileira

Com R$ 30 bi até 2030, principal esforço da dona da Fiat e da Jeep está na tecnologia do Brasil de híbridos com motor flex para ter carro elétrico mais acessível; veja entrevista com COO da América Latina 

Cappellano, COO da Stellantis na América Latina: 'na redução de preço dos carros elétricos, um dos pontos de força é a capacidade de desenvolver carros locais, de nacionalizar tecnologias'

(Foto: Stellantis/Divulgação) (Stellantis/ Divulgação /Divulgação)

Cappellano, COO da Stellantis na América Latina: 'na redução de preço dos carros elétricos, um dos pontos de força é a capacidade de desenvolver carros locais, de nacionalizar tecnologias' (Foto: Stellantis/Divulgação) (Stellantis/ Divulgação /Divulgação)

Raquel Brandão
Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Publicado em 10 de março de 2024 às 11h42.

Última atualização em 10 de março de 2024 às 12h16.

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Para a Stellantis, dona das marcas Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën, o futuro do mercado automobilístico brasileiro não é da eletrificação total da frota, como acontece nos mercados europeu e chinês – ao menos não no médio prazo.

Além da vantagem comparativa do etanol, a descarbonização made in Brazil precisa caber no bolso do consumidor, diz Emanuelle Cappellano, COO da Stellantis na América Latina.

Com 31% do mercado nacional, a dona da Fiat está fazendo a sua maior aposta no país: vai investir R$ 30 bilhões até 2030, o maior valor desde que se instalou no país, na década de 70. Os investimentos vão todos para novas tecnologias e não em aumento de capacidade de produção – que está, nas palavras do executivo, ajustada à demanda da região.

Os aportes serão voltados ao lançamento de 40 novos veículos, o desenvolvimento das novas tecnologias de descarbonização em toda a cadeia de suprimentos automotivos e especialmente no desenvolvimento dos modelos bio-hybrid, que combinam eletrificação com motores flex movidos também a etanol – tecnologia que deve se consolidar como o modelo do carro elétrico brasileiro.

O objetivo é ter as novas tecnologias híbridas já disponíveis no mercado no fim deste ano. “Nossa estratégia é investir em tecnologia consistente com a matriz energética do país e que seja sustentável à realidade econômica local”, diz Cappellano em entrevista ao INSIGHT.

“Veio das equipes de engenharia daqui a tecnologia bio-hybrid, em que há o melhor dos dois mundos: flex mais eletrificação, ou seja, mais acessíveis e muito eficiente em CO2”, diz.

Os investimentos da Stellantis vêm num momento de novo interesse na indústria automotiva brasileira. Até o fim desta década, empresas de todo o setor devem investir nada menos que R$ 100 bilhões no Brasil, segundo dados levantados pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). 

As movimentações do governo federal  incluindo aí avanços regulatórios quanto à redução de emissões de CO2 estão dando impulso ao processo, diz Capellano.

“O governo brasileiro está pautando de maneira muito clara a questão das mudanças [climáticas]. Já há um quadro regulatório claro que define regras de emissão até 2030, o que traz previsibilidade para a indústria e isso libera capacidade de investimento, que é de longo prazo”, afirma Cappellano.

Atualmente, a empresa tem 3 mil engenheiros na América Latina, e três plantas principais no Brasil, que abastecem cerca 75% de todo o mercado da região e são uma plataforma importante de exportação, em especial de tecnologia. Há ainda duas plantas principais na Argentina e uma no Uruguai. 

A eletrificação pura, no entanto, não está completamente deixada de lado. Nos planos de investimento, a Stellantis prevê o desenvolvimento de quatro plataformas eletrificadas, sendo três bio-hybrid e uma com motorização 100% movida a bateria elétrica.

Essas plataformas se diferenciam pela capacidade das baterias e de consumo/autonomia: partindo da bateria de lítio-íon de 12 volts para os carros mais populares até 380 volts para os bio-hybrids recarregáveis, um sistema similar ao já usado no Compass 4Xe.

No caso das baterias 100% elétricas, são 400 volts e recarregáveis. A empresa adquiriu uma participação de 19,9% na Argentina Litio y Energía, um passo para garantir o fornecimento de matérias-primas essenciais para a produção das baterias. 

O investimento em território brasileiro (cujo efeito se estende ao mercado latino-americano) faz parte dos mais de €50 bilhões investidos pela Stellantis em eletrificação ao longo da próxima década, com objetivo de se tornar uma empresa com zero emissão de carbono até 2038. 

Mas a chegada da indústria chinesa ao país também acelerou a movimentação de todo o mercado. Com subsídios de produção do governo chinês e preços mais baixos, a BYD, especializada em veículos elétricos, chegou ruidosa ao país, e, ao som dos batuques do Olodum, anunciou sua fábrica na Bahia – onde antes funcionavam as operações da Ford, que saiu do país em 2021.

Embora a especialização em veículos 100% elétricos, a chinesa também afirmou que seus investimentos no país devem ser em desenvolver modelos híbridos flex.

Diante da competição mais acirrada, Cappellano reforça que o Brasil e a América Latina são "mercados de contribuição extremamente relevante" para a Stellantis. A empresa tem 23,5% do mercado de toda a região e os 31% de mercado brasileiro, que já foram 33% ainda em 2022. "O grupo Stellantis tem uma presença muito forte e enraizada no Brasil e na América Latina há anos. O grupo acredita muito na região e entende que precisa atender às tendências de consumo. Vamos dimensiionar nossa produção de acordo com o que querem os consumidores e podem pagar."

A matriz energética mais limpa, com alta capacidade de oferta de biocombustíveis, e ao baixo poder de compra do brasileiro para deixar o país atrás na corrida da eletrificação da mobilidade. Atualmente, só 5% das vendas de carros novos no Brasil são de elétricos, contra 16% dos Estados Unidos e 29% da China. No Reino Unido, eles já são maioria entre os carros novos: 56% das vendas.

Esse retrato ajuda a explicar os preços ainda elevados – especialmente quando os modelos movidos à combustão, esmagadora maioria, também se valorizaram fortemente: hoje o modelo zero quilômetro do carro popular mais barato, o Fiat Mobi Like 1.0, custa mais de R$ 70 mil. 

Mas a nacionalização da produção dos elétricos deve impulsionar essa categoria, acredita Cappellano. “Hoje a questão de preço é estrutural, mas depende muito de introduzir novas tecnologias que atendam ao ambiente regulatório. Um dos pontos de força é a capacidade de desenvolver carros locais, nacionalizar tecnologias.”  

A visão está em concordância com analistas do Bradesco BBI. Segundo o banco, o ganho de escala e uma acentuada queda no preço das baterias também devem ajudar a reduzir os preços finais e levar os carros elétricos e híbridos a 35% das vendas totais no Brasil até 2030. É no que aposta (alto) a Stellantis.

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