Barbalho: “Floresta deve ser vista com papel ambiental, mas também econômico” (Iara Morselli/Divulgação)
Editora do EXAME IN
Publicado em 13 de abril de 2024 às 08h23.
Última atualização em 13 de abril de 2024 às 08h24.
Cambridge, Massachusetts* – No último domingo (7), poucos antes do início de uma palestra o papel da Amazônia no combate à crise climática a ser realizada no MIT, em Cambridge, a equipe de Helder Barbalho distribuiu a todos na plateia uma barra do chocolate Filha do Combu.
A cena já se tornou quase que um ritual nas apresentações do governador do Pará, que nos últimos anos vem rodando o Brasil e o mundo em busca de capital público e privado trazer desenvolvimento associado à floresta em pé.
A COP30, a ser realizada em Belém no próximo ano, vai colocar a cidade, o Estado e a Amazônia ainda mais em evidência. E será uma oportunidade para atrair capital privado para dar escala a uma série de iniciativas que vem sendo desenhadas pelo Estado nos últimos anos.
“A floresta precisa ser vista com o papel ambiental, sim, mas também como solução econômica para a transformação social”, afirma.
Em outras palavras: sem retorno econômico, não há sustentabilidade que pare em pé.
A barra de chocolate que circulou durante a Brazil Conference é de uma das diversas marcas do Estado produzida com cacau nativo, feita sem derrubar uma árvore sequer na floresta. Mais importante que isso: é um símbolo das possibilidades da bioeconomia.
Essa é uma das principais bandeiras do governo para conter o desmatamento, o principal responsável pelo Estado ser o líder de emissões de gases de efeito estufa no Brasil.
Em entrevista exclusiva ao INSIGHT, Barbalho falou sobre os planos para a COP30, e rechaçou a possibilidade de dividir a sede com o Rio de Janeiro, como vem sendo especulado nas últimas semanas.
O governador detalhou também os planos para rastreabilidade de gado – principal vetor da derrubada de florestas – e para a concessão de pastagens para restauro florestal. A meta é restaurar 5,6 milhões de hectares até 2030 – equivalente a 40% da meta total do Brasil.
Segundo o governador, a Área de Proteção Ambiental do Xingu (APA) será a primeira a ser concedida, ainda em 2024. Outro projeto, que, segundo ele deve sair no primeiro semestre, é a concessão de florestas para conservação, por meio de projetos de carbono.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Há chance de a COP30 ser dividida com o Rio de Janeiro? Há chance de ser feita de alguma outra forma que não somente em Belém?
Nenhuma, fora de cogitação. A COP é a COP da floresta. Qualquer coisa fora disso é inveja, especulação.
Como estão os investimentos na rede hoteleira e na infraestrutura da cidade?
Temos uma carteira de investimentos que envolvem recursos próprios do Estado, captação de recursos através de parcerias com instituições financeiras, com destaque para o BNDES, e recursos oriundos do orçamento da União.
Estamos falando em algo em torno de R$ 3 bilhões que estão sendo investidos em obras estruturantes para que nós possamos deixar um legado para Belém. Seja na área de saneamento, de mobilidade urbana, investimentos em parques urbanos que possam deixar a cidade mais aprazível.
Há iniciativas de infraestrutura como canal de navegação, que permitirá que haja a utilização de navios que servirão de solução para hospedagem, mas deixando um legado, incluindo Belém no roteiro de cruzeiros.
Novos hotéis também serão implementados. Já temos duas redes que oficializaram o interesse, hotéis de alto padrão que devem agregar novos leitos.
Quais redes? Esse processo já é público?
Estamos em processo de concessão neste momento, mas já há formalização de interesse. São áreas de prédios públicos que serão revertidos para hotéis, fazendo melhor uso de espaços que hoje estão inutilizados na capital.
Em hotelaria, estamos com um diagnóstico pronto e soluções mapeadas. Elas vão desde o incentivo à estratégia de uso de imóveis privados em aplicativos de hospedagem para fazer com que essa renda possa circular dentro da cidade até a utilização de prédios públicos que estão sendo recuperados para a acomodação provisória.
E o senhor está confortável com o cronograma? Estamos falando aqui de um prazo apertado, de 18 meses.
É um desafio, mas nós estamos todos envolvidos nesta agenda, junto com o governo brasileiro, absolutamente comprometidos de que faremos um belo evento, que deixará um legado ambiental, elevará o Brasil à liderança global e a Amazônia como centro das discussões da COP da Floresta.
Quais vão ser as prioridades, do ponto de vista do Estado do Pará, para COP30? Alguma agenda específica de como gerar renda com a floresta em pé?
Temos alguns pilares e eu traria três, de forma horizontal. O primeiro é a bioeconomia, fazer com que a nossa biodiversidade gere uma economia verde, agregando valor às riquezas que possuímos e que precisam de investimentos em tecnologia, em inovação, em financiamento, em fontes de recursos que possam dar alavancagem à escala do processo econômico da nossa vocação.
Além disto, a agenda de restauro e concessões que possam recuperar áreas degradadas. Temos na solução do cacau, na solução do açaí importantes cases que, junto com outras estratégias, podem conciliar produção com restauro das áreas antropizadas.
No terceiro ponto, o mercado de carbono, que compreendo ser uma estratégia absolutamente relevante e importante para que nós possamos fazer com que a busca da neutralização das emissões gere uma oportunidade de uma nova commodity global a partir do estoque existente na floresta.
A gente está falando do mercado voluntário internacional ou do mercado regulado aqui dentro do Brasil?
Ambos não devem se enxergar como concorrentes. O Estado preparou o seu sistema jurisdicional [em que o governo controla a concessão das áreas e as metas de redução de emissões] para valorizar o mecanismo do regulado, para que com isto, inclusive, nós possamos ter uma agenda de retorno dos recursos captados para a aplicação na agenda ambiental.
O Estado vem há algum tempo com a agenda de concessões para restauro e também de concessões para conservação. Quais os projetos nesse sentido? Algum prazo para essas concessões começarem?
Nós lançamos o Plano Estadual de Restauro no ano passado, em Dubai. Nós tínhamos lançado, em Sharm El Sheikh, no ano anterior, o Plano Estadual de Bioeconomia. Esse último já está rodando.
Nós lançamos agora o de restauro, que é um plano ousado. Nós estamos falando em recuperar até 2030 5,6 milhões de hectares, que significa perto de 40% da meta nacional.
Vamos ainda este ano fazer a primeira concessão pública legal de restauro na APA [Área de Proteção Ambiental] Triunfo do Xingu. É uma área simbólica, por se tratar da APA que mais sofreu pressão de desmatamento ao longo do tempo.
Nós já queremos colocar também as primeiras comercializações de carbono dentro do nosso sistema jurisdicional. Devemos fechar isso, inclusive, ainda nesse primeiro semestre de 2024.
A COP30 vai ser uma oportunidade de atrair investimento privado para esse tipo de iniciativa. A ideia é estar com todo esse programa de concessões rodando até lá?
Fizemos o dever de casa na estruturação do ambiente. Com o marco legal, com o sistema construído, diagnóstico feito, planejamento pronto. O que nós precisamos é mobilização para dar escala às entregas.
Neste momento, as escalas têm sido fortemente a partir das iniciativas de comando e controle para reduzir desmatamento. Precisamos fazer com que a escala seja na mesma dimensão da agenda de transição de uso do solo para que nós possamos fazer a porta de saída para o novo modelo, a construção e consolidação do novo modelo de desenvolvimento sustentável para a floresta.
E nesse cenário todo, como o senhor está vendo o projeto de lei para o mercado regulado de carbono que foi proposto em nível federal?
Estávamos muito sintonizados com a proposta que foi aprovada pelo Senado. Nas mudanças que foram feitas na Câmara, conseguimos resgatar e fazer com que os sistemas jurisdicionais fossem mantidos.
Agora [o projeto] volta para o Senado e vamos discutir com o Senado para buscarmos garantir que o Brasil possa dar esse passo importante que é ter uma legislação do mercado de carbono que represente efetivamente uma sinalização e um conforto jurídico na construção de um ambiente previsível.
A COP é uma grande oportunidade, que faz com que essa agenda esteja no nível de prioridade. Estou muito otimista de que nós conseguiremos dar um passo.
Nós não podemos estar na contramão daquilo que o mercado internacional está vendo. Por exemplo, o risco que em algum momento se teve de tirar os sistemas jurisdicionais é absolutamente na contramão do que o mundo está fazendo.
O planeta está valorizando sistemas jurisdicionais porque a integridade é a palavra de ordem no mercado de carbono. Sem integridade não haverá interesse. Ou então nós vamos para o mercado apenas especulativo. O que está em jogo é consolidar uma grande estratégia econômica para a Amazônia e particularmente para o Brasil.
Quando falamos dos desafios da transição energética e da conservação florestal, é preciso a união diversos tipos de capital. Qual é o papel e a oportunidade da iniciativa privada dentro desse contexto de conservação?
O governo deve agir para combater as ilegalidades ambientais. O governo e o Congresso devem agir para construir o ambiente legal com previsibilidade, com estabilidade e com a legalidade. E daí em diante é construir o ambiente para que a iniciativa privada lidere.
Este é o papel da iniciativa privada, como oportunidade, como compromisso de ESG, mas com um olhar de que é possível compatibilizar uma agenda de responsabilidade ambiental com uma oportunidade econômica, de uma nova economia para o Brasil.
O senhor sempre fala que pecuária e agricultura não rivalizam com a conservação. Como o Estado pode expandir a produção agropecuária sem prejuízo de conservação?
O estado do Pará é um exemplo da possibilidade de compatibilizarmos as vocações de continuar produzindo alimento e preservar o estoque florestal. Temos 75% de floresta nativa e, portanto, 25% de área que foi antropizada. O que nós precisamos é mudar o modelo, sair da produção extensiva e aplicar intensividade na produção.
Não precisamos derrubar uma árvore sequer para continuar sendo protagonistas na proteína e nos grãos. O que nós precisamos é garantir que aquilo que se produz possa ter a integridade de uma produção que respeite o meio ambiente.
Por isso, o estado do Pará tem apostado na rastreabilidade da pecuária para garantir que haja por parte do produtor a oportunidade de mostrar boas práticas.
E a solução que nós temos dito a cada oportunidade: os 75% de floresta precisam ser vistos com o papel ambiental, mas como solução econômica para a transformação social.
E como está o sistema de rastreabilidade em nível estadual?
O estado do Pará foi o primeiro estado a criar uma plataforma pública, chamada Selo Verde, que já está em funcionamento desde 2020 para 2021. E, neste momento, a partir de parceria com o Fundo Bezos e o Fundo JBS, estamos no processo de fazer a brincagem de toda a pecuária animal.
Estamos falando de um rebanho de 26 milhões de cabeças de gado. Instituímos um decreto governamental pelo qual passa a ser obrigatório que, até 2026, haja 100% da rastreabilidade da pecuária bovina no estado do Pará – via brincagem, para que nós possamos acompanhar desde o nascimento daquele animal até o abate.
Com isto, protegemos o produtor que adota boas práticas, protegemos o consumidor, protegemos a indústria da carne e permitimos que possamos abrir novos mercados. E, principalmente, habilitar novas plantas para o mercado internacional que agregam um melhor valor à venda, o que é importante para monetizar as boas práticas no estado.
* A repórter viajou a convite da Brazil Conference