Aviões da Gol: passagens compradas com milhas representam 12% das vendas da companhia (Germano Lüders/Exame)
Graziella Valenti
Publicado em 26 de fevereiro de 2021 às 18h46.
O próximo dia 15 será emblemático para definir o futuro da Gol e da sua controlada de programas de fidelidade Smiles. É o dia das assembleias de acionistas de ambas as companhias. Mas a transação está nas mãos dos minoritários da Smiles, que definirão sozinhos se aceitam ou não a proposta de incorporação pela Gol.
É a quarta tentativa de combinação dos negócios. A operação já sofreu todo tipo de interferência no passado (confira o histórico ao fim da matéria). Por isso, o EXAME IN apurou que a Gol já tem um Plano B caso o negócio não avance, uma vez que a atual estrutura é hoje um peso na capacidade competitiva do grupo e a questão está há quase dois anos e meio pendente.
A Gol colocou a tropa de especialistas na rua na tentativa de conscientizar sobre a relevância da transação para ambas as companhias, já que são totalmente interdependentes. O objetivo é obter a maior participação possível de investidores da Smiles — e que votem a favor. Cerca de 60% da base é de investidores estrangeiros e 40%, nacionais. Cerca de 17% do capital está nas mãos do varejo.
O esforço é necessário. Não só pelo histórico, mas também porque há um grupo de minoritários mobilizado — há algum tempo já — para tentar impedir a operação. O movimento é liderado pelo gestor Vladimir Timerman, da Samba, atualmente Esh Capital.
Faltando pouco mais de 15 dias para a realização do encontro, a Gol tem, por enquanto, metade da adesão mínima que precisa para conseguir concretizar a incorporação da Smiles com os minoritários. A Esh já chegou a ter 15% do total em circulação, mas a posição tem variado — em alguns momentos chegou a ser até mesmo superior ao patrimônio total da casa, o que indica a presença de uma posição alugada de papéis e uma forte concentração nessa aposta.
A pandemia transformou a operação, que antes já era importante para flexibilidade estratégica do grupo, em algo essencial. O mais relevante é que, atualmente, a Smiles é o único programa de fidelidade separado da companhia aérea no setor de aviação, o que impede a Gol de usá-lo de forma versátil, como fazem suas concorrentes.
A vida das empresas é regida por um contrato comercial central fechado em 2012, com vigência até 2032. Quando anunciou a primeira tentativa de incorporar a Smiles, a Gol informou junto que não teria interesse em renovar as condições no vencimento do acordo. Agora, após a pandemia, a percepção é que não há sequer como mantê-lo até lá.
O que foi criado para dar independência às operações terminou por desalinhar as companhias, que atualmente não têm um objetivo comum. Com isso, nenhuma delas avança em inovação e produtos de forma a se manter atual e não há desenvolvimento para o grupo.
Na prática, significa que, caso a incorporação não avance, a Gol deverá pedir a revisão do acordo, conforme fontes próximas às empresas. As modificações demandam respeito da governança Smiles, e da participação do comitê de transações entre partes relacionadas, mas serão colocadas em marcha.
A Gol optou por abrir o capital da Smiles em 2013, na esteira de movimentos semelhantes no setor. Contudo, anos mais tarde, a conclusão das companhias foi que a gestão dos conflitos de interesses naturais da vida das empresas termina por retirar competitividade da operação combinada. Air Canadá, AeroMéxico, Latam e Avianca já incorporaram de volta seus programas de fidelidade, deixando a Gol isolada com os negócios separados.
O contrato que serviu de blindagem da Smiles para atrair interessados ao IPO, oito anos depois representa apenas uma forma de transferência de riqueza paralisante para ambas as empresas. Mas, os minoritários da companhia de fidelidade não estão dispostos a abrir mão dele. A estimativa de pessoas familiarizadas com o assunto é que de cada R$ 1 vendido pela Gol, entre R$ 0,15 e R$ 0,20 fique preso no caixa da Smiles sem gerar inovação nem riqueza para o grupo.
O resgate de passagens aéreas da Gol e seus parceiros comerciais respondem por mais de 90% do uso dos pontos vendidos pela Smiles. Além disso, o programa de fidelidade é responsável por cerca de 12% das vendas da companhia aérea.
O contrato atual dificulta até mesmo acordos adicionais. Por exemplo: a American Airlines é hoje parceria da Gol em compartilhamento de assentos. Apesar do interesse de uma parceria em programas de fidelidade pelo lado da companhia americana, a questão não avança.
A Gol não consegue, por exemplo, fazer movimentos rápidos de promoções combinadas com a Smiles, como empresas integradas fazem, para defender uma rota ou abrir novos mercados.
Além disso, integradas, as empresas têm como otimizar custos e despesas administrativas, além de sinergias fiscais. A estimativa é que as sinergias totais são da ordem de R$ 500 milhões a R$ 700 milhões em Ebitda anual, a partir do terceiro ano de integração.
A Smiles gasta anualmente cerca de R$ 150 milhões de seu caixa em impostos, enquanto a Gol tem um saldo de créditos da ordem de R$ 9 bilhões, que poderiam ser utilizados para economizar essa saída de recursos quando as empresas estiverem unificadas.
A Gol vale hoje R$ 7,75 bilhões na B3 e a Smiles está avaliada em R$ 2,6 bilhões. Na mesa, os acionistas da empresa de fidelidade têm duas opções de recebimento: 20% em dinheiro (R$ 4,46 mais mais 0,6601 ação preferenciail da Gol) ou 80% em dinheiro (R$ 17,86 mais 0,1650 ação preferencial da Gol).
A transação pode levar os minoritários da Smiles a terem cerca de 9% da companhia aérea, se a transação for aprovada e com preferência pela maior parte em ações da Gol. No cenário em que os acionistas escolham a maior parcela em dinheiro, a empresa aérea poderá ter de desembolsar até R$ 1,05 bilhão.
O custo final, porém, será praticamente nulo, uma vez que a expectativa é que até a conclusão de todas as etapas, esse será o saldo aproximado de caixa da Smiles. Portanto, não é esperada um aumento da alavancagem da Gol.
A vida do acionista da Smiles na B3 era bastante feliz até março de 2018, quando começou a ganhar corpo o movimento internacional de recombinação dos negócios. A companhia distribuía praticamente todo lucro gerado. Dali, para frente houve uma mudança de política de dividendos e a derrocada na bolsa começou.
A ação naquela época valia cerca de R$ 80 reais, o que dava à Smiles um valor de mercado aproximado de R$ 10 bilhões. Para a transação com a Gol, a empresa hoje foi avaliada em R$ 22,32 por ação, o que equivale a um valor R$ 2,77 bilhões.
Já a empresa de aviação foi avaliada em R$ 9,625 bilhões. Para a Gol, a Smiles é atualmente um passivo e, para a Smiles, o futuro é cada dia mais incerto, uma vez que se a transação não ocorrer, a única certeza é que outras iniciativas serão estudadas pela controladora, que precisa defender a competitividade do grupo de forma geral.
Quando anunciou o primeiro modelo, a Gol migraria para o Novo Mercado da Bolsa e a transação tinha diversas etapas. A estrutura não prosperou porque a própria bolsa não aceitou a proposta. Em seguida, foi criado então um comitê especial na Smiles para negociar um outro formato e as condições econômicas, mas a transação não chegou a um consenso após meses em aberto — foram praticamente duas tentativas em uma. A terceira tentativa havia avançado e estava em vias de ser aprovada, quando a Gol teve de cancelar para preservar caixa diante da crise iniciada pela pandemia da covid-19.
Nessa versão atual, quando anunciou o negócio, a Gol chegou a reativar o comitê especial da Smiles para negociar a transação. Mas, como tinha pressa, decidiu partir para o modelo em que os minoritários decidem diretamente o negócio.
A estratégia acabou por esquentar os ânimos entre membros independentes do conselho da Smiles, que criticaram o modelo. Rogerio Bimbi e Ricardo Magalhães não apenas votaram contra a transação sugerida pela Gol, como também fizeram duras críticas às informações fornecidas e à avaliação da Smiles. Porém, nenhum dos dois analisou ou ponderou quais riscos a empresa corre ao não realizar o negócio.
Os argumentos registrados pelos conselheiros em ata, com voto em separado, estão sendo usados pelos minoritários que querem barrar negócio. Esse grupo, contudo, não conseguiu aprovar outras iniciativas em assembleia, como processar a administração da Smiles ou mesmo a proposta de que eles próprios formassem um comitê de negociação.
Para alguns investidores, os conselheiros independentes estão atuando de forma a proteger os interesses dos minoritários da empresa, dentro de seus deveres fiduciários. Contudo, há quem acredite que eles estão apenas defendendo seus CPFs, com temor de questionamentos na CVM, mas sem avaliar a situação de forma estratégica e sem atentar para os riscos do negócio, com a perda de competitividade de todo o grupo.