Energia: sócios da Eneva, com objetivo comum, escolhem chapa para novo conselho em unanimidade (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Editora Exame IN
Publicado em 23 de fevereiro de 2023 às 17h11.
Última atualização em 25 de fevereiro de 2023 às 20h31.
O ano de 2023 tem tudo para ser de uma convivência tranquila entre os maiores acionistas da companhia de energia Eneva (ENEV3), após tantas movimentações no ano passado. A empresa, que nasceu do processo de recuperação da MPX, de Eike Batista, é hoje uma das maiores geradoras do país, avaliada em R$ 18,5 bilhões na B3.
Há três eixos de poder na empresa: o BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame), que possui a maior participação, com 27% do capital, seguido pela Cambuhy Investimentos, private equity com recursos da família Moreira Salles dono de quase 20%, e um trio de fundos fundamentalistas, Dynamo, Atmos e Velt, que somam cerca de 17% juntos.
Os “três” sócios discutiram uma formação do colegiado que equivale a três cadeiras para o BTG e mais quatro, divididas igualmente entre os demais blocos. Na cadeira de chairman, uma indicação unânime, mas um conselheiro indicado pelos fundos no mandato anterior. Na semana passada, a companhia divulgou a proposta para uma chapa de conselheiros indicada por unanimidade.
Essa chapa, que tem Philippe Reichstul como presidente do conselho, foi formada muito rapidamente, após conversas que começaram em dezembro de 2022. “Não há motivos para discordância entre os sócios, e que possam se refletir no conselho de administração. Todos têm a mesma visão para a empresa neste ano, que é a necessidade de desalavancagem”, comenta uma pessoa próxima aos acionistas. E todos entendem que isso é parte do caminho para a empresa honrar seus compromissos socioambientais e ainda se tornar uma companhia líder em geração de energia.
O colegido segue com Renato Mazzola, que está à frente da área de private equity do BTG, mais Felipe Gottlieb, também do banco, e a dupla ganhou a companhia de Barne Laureano. Pela Cambuhy permanecem Marcelo Medeiros, gestor da casa, e Gustavo Bottura. Mazzola, Gottlieb, Medeiros e Bottura estão há tempos na formação do conselho. Os fundos não indicam gestores diretos e foram escolhidos os independentes José Castanheira e o chairman. Na formação anterior, eles tinham indicado Reichstul e Elena Landau.
Entre os fundos, a Dynamo é a maior acionista disparada, com uma fatia de 10%. A casa carioca, uma das mais badaladas do país pela consistência histórica em seus resultados, elevou sua fatia para 9% na oferta pública de ações realizada pela Eneva no ano passado, na qual a empresa captou pouco mais de R$ 4 bilhões. Em seguida, a gestora comprou um pouco mais diretamente em bolsa. Movimento semelhante fez o BTG. Além de o banco aportar recursos no follow on, quando a ação foi vendida a R$ 14, a Alpha Partners (uma holding de alguns sócios sêniores da instituição) adquiriu mais papéis diretamente no mercado, após as cotações irem abaixo de R$ 12, com a volatilidade dos mercados de ações.
A formação do conselho deixa evidente que, para BTG e Cambuhy, a gestão é assunto direto. São os próprios “gestores” das carteiras que ocupam as cadeiras do colegiado. Já o trio de fundos coloca nomes externos. Apesar de seguirem a cultura para a nova composição, o EXAME IN apurou que os fundos vão buscar atuar de forma mais próxima, diretamente, em diálogos de acionistas — especialmente a Dynamo, que possui a maior posição. Houve até mesmo uma espécie de “mea culpa” nos diálogos com BTG e Cambuhy a respeito do distanciamento anterior, conforme fontes próximas ao tema.
Essa decisão de maior proximidade ajudou, e muito, no desenvolvimento de um bom clima nesse início de 2023. A indicação da chapa unânime foi comunicada ao mercado em 14 de fevereiro. Os nomes seguirão para votação em assembleia geral ordinária (AGO) a ser convocada após a publicação do balanço anual de 2022. Muito se comenta também que a dupla de CEO e CFO da Eneva, Lino Cançado e Marcelo Habibe, respectivamente, também têm atuado de modo a favorecer a harmonia dos sócios.
No passado, as divergências entre BTG e Cambuhy, que possuem estilos diversos, se tornaram públicas. Não existe intolerância de parte a parte, mas visões diferentes. Enquanto o BTG historicamente queria imprimir um ritmo mais acelerado de crescimento via aquisições e disposto a colocar mais dinheiro, a Cambuhy resistia, mais conservadora, inclusive sobre novos aportes. As maiores divergências, e mais conhecidas, foram a tentativa de aquisição da AES Tietê e a definição do montante total da oferta de ações realizada no ano passado. Aliás, em 2022, os papéis quase se inverteram, com Cambuhy mais favorável a fusões e aquisições que alavancaram o negócio.
Em 2020, o banco controlado por André Esteves queria continuar na disputa pela Tietê. Já no ano passado, no ‘follow on’ realizado em junho, o BTG entendia que o melhor a fazer seria captar mais recursos para obter um alívio financeiro maior para a empresa. O banco tinha interesse em colocar capital. Entretanto, prevaleceu uma estrutura de meio de caminho, na qual não houvesse grande diluição para os sócios, grandes ou pequenos, que não participassem da operação.
O segundo semestre de 2022 foi agitado entre os acionistas. Dois anos antes, em agosto de 2020, Dynamo, Atmos e Velt se uniram em um acordo de voto para Eneva, um movimento inédito entre investidores não controladores nos últimos 20 anos do mercado brasileiro (antes disso, sim, houve coisa semelhante). A ideia era que esse trio de fundos formasse um contrapeso nas divergências eventuais entre os maiores sócios: BTG e Cambuhy. Em dezembro do ano passado, esse grupo de fundos mais uma vez foi notícia e se uniu em acordo patrimonial com direitos de venda conjunta com a Cambuhy, o que despertou no mercado a sensação de que o banco seria um “iminente” comprador de uma posição que lhe desse o controle. Para completar, o grupo de gestores pediu alterações no estatuto social da companhia.
Mas, passadas as primeiras sensações e acomodações, os sócios então começaram a conversar sobre a formação do conselho. Se havia apostas de uA ideia era, no lugar de dar sinais de aumento de tensão ao mercado, ao contrário, mostrar que existe uma boa convivência, a despeito de divergências. Tudo indica que deu certo. Em especial, com a proximidade dos fundos dos diálogos.
A preocupação com alavancagem não significa que a Eneva esteja altamente endividada, mas em tempos de Selic próxima a 14% é interessante — quase para todas as empresas — pensar em reduzir dívida, para conter os encargos financeiros. Nos primeiros nove meses de 2022, a receita líquida da Eneva cresceu quase 11%, para R$ 3,8 bilhões, enquanto o Ebitda teve alta de 14%, para R$ 1,6 bilhão, excluindo os poços secos da conta.
Apesar do aumento da geração de caixa, o lucro líquido recuou 17%, para R$ 570 milhões, no período. Não precisa ser gênio, sabendo que a dívida bruta passou de R$ 7,7 bilhões para R$ 14,6 bilhões entre dezembro a setembro, para saber o que pesou na última linha do balanço. A despesa financeira líquida saiu de R$ 34 milhões para mais de R$ 370 milhões, na comparação anual. Vale registrar, contudo, que a dívida líquida, ou seja, a que desconta o caixa existente, permaneceu estável na comparação anual, em R$ 5,7 bilhões. Contudo, é ainda uma arte quase impossível conseguir que o caixa aplicado, com responsabilidade, renda a taxas mais elevadas que a do custo da dívida.
Entre pitacos mais ou menos diferentes, mais ou menos iguais, a Eneva segue como um dos maiores casos de sucesso de recuperação de negócios. A divergência dos sócios que se apresentou até aqui era sobre o ritmo de expansão: ou seja, para quem começou de uma recuperação judicial de MPX, melhor discordância não há. Quando, em 2018, fez seu re-IPO na bolsa, a companhia havia se comprometido a alcançar uma capacidade de produção de 4,7 Gigawatts em cinco anos, ou seja, neste ano. Mas, já em 2022, superou esse total e bateu em 5,5 GW.