Jorge Paulo Lemann: “São 30 mil empregos e precisamos salvar a companhia. É uma oportunidade de fazer diferente.” (Bloomberg/Getty Images)
Editora do EXAME IN
Publicado em 6 de abril de 2024 às 12h34.
Última atualização em 6 de abril de 2024 às 14h26.
CAMBRIDGE, EUA* — Jorge Paulo Lemann sempre subiu aos palcos para falar de seus sucessos, sintetizados principalmente na AB Inbev, a maior cervejaria do mundo construída a partir da compra da então quase quebrada Brahma no Brasil.
Numa palestra nesta manhã na Brazil Conference, que reúne a comunidade brasileira em Harvard, o empresário falou sobre seus erros — ou, como chama, seus “não sucessos” —, falando publicamente pela primeira vez sobre a fraude espetacular que abateu a Americanas no começo do ano passado.
“Quando você perde uma partida de tênis, sempre pensa como fazer melhor”, disse, fazendo analogia ao esporte que o acompanha desde jovem. “No geral, fui muito bem sucedido nos negócios, mas nos últimos anos estou lidando com um grande problema numa das empresas que investi de varejo, que teve uma fraude contábil”.
Entrevistado por Daniel Shapiro, professor de Harvard e um dos maiores especialistas do mundo em técnicas de negociação e resolução de conflitos, Lemann não foi muito a fundo na raiz do que permitiu o problema — para a frustração dos jornalistas, que teriam sido mais contundentes para extrair as lições do episódio.
Mas o empresário ressaltou que “problemas são feitos para ser enfrentados” e que está “lidando com isso”.
“São 30 mil empregos e precisamos salvar a companhia. É uma oportunidade de fazer diferente.”
De volta à universidade onde se formou em economia na década de 1960 — e onde hoje financia uma série de bolsas por meio da Fundação Lemann —, ele compartilhou parte de sua trajetória, de jogador de tênis a um dos maiores empresários do mundo.
Questionado sobre como liderar e atrair boas pessoas para os negócios, Lemann compartilhou uma outra mudança de visão.
“Por muito tempo, acreditamos que precisávamos formar as pessoas dentro de casa. Foi muito positivo e criamos uma cultura dentro dos negócios. Mas num mundo em constante transformação, ficou claro que precisávamos de pessoas que pensassem diferente e nos dessem outras perspectivas. Hoje, trazemos pessoas de fora e nos preocupamos muito com a diversidade da equipe”, afirmou.
Sem citar o caso Americanas, o empresário afirmou que busca diversidade de histórias, perfis e formações. “Ética é nosso único valor não negociável.”
Um dos maiores fomentadores da cultura da meritocracia dentro de suas empresas e da medição incansável dos resultados, o empresário afirmou que os números e a teoria pura e simples podem ser uma armadilha, oferecendo um conselho aos estudantes presentes.
“Estudantes em geral não tomam risco o suficiente. Quanto mais eles estudam, menos risco tomam. O melhor negócio que eu fiz, que foi a compra da cervejaria [em alusão à Brahma], meus sócios e amigos PHDs em Chicago eram contra o negócio. Os traders, aqueles mais pé no chão, eram a favor”, brinca.
“O Brasil é um país quente, vários grandes empresários tinham ficado ricos no mundo com cervejarias. A Brahma era uma boa empresa, mal gerida. Era tudo que eu precisava saber, muito além das planilhas. O esporte ensina essa tomada de risco, é quase um gut feeling [intuição, numa tradução livre para o português]”.
Aos 84 anos, com seis filhos e oito netos, ele afirma que o fato de ter sido criado “livre” pela mãe no Rio de Janeiro — seu pai faleceu quando ele tinha 13 anos, atropelado por um ônibus — é parte crucial de seu espírito empreendedor, na vida e nos negócios.
“Foi muito importante pra mim ter essa independência. Hoje as crianças são superprotegidas. É importante poder ter voado da minha própria maneira”, diz.
Formado em economia por Harvard na década de 1960, Lemann disse que teve dificuldades logo que chegou à universidade, deixando a vida de surfista e jogador de tênis que marcou sua infância e adolescência no Rio de Janeiro. Terminou seu curso em três anos, em vez dos convencionais quatro.
“Meu modo de lidar foi condensar todos os cursos e todas as aulas em três, quatro ou cinco grandes objetivos de cada disciplina. Olhava para eles e estudava pensando nesses objetivos”, afirma, dizendo que levou a lição para a vida e para os negócios.
“É preciso ter clareza nos objetivos”, diz. “Brinco que no Brasil há três coisas que dão certo: a educação básica em Sobral, no Ceará, nosso time de volei e a nossa cervejaria [Ambev]. O que eles tem em comum é o fato de saberem exatamente quais são os objetivos, medirem os resultados e o progresso e trazer as pessoas em volta para participar de algo de que elas possam se orgulhar.”
Depois de ter erguido um império, hoje, mais velho, diz que seu “sonho grande” — lema que cunhou e virou um dos maiores mantras empresariais do Brasil — está na filantropia.
O objetivo, fomentado por meio da Fundação Lemann, do qual é chairman, é que todos os brasileiros saibam ler e escrever, erradicando uma das estatísticas mais aterradoras do Brasil, de que 60% das crianças até 12 anos não sabem interpretar corretamente um texto.
Nos negócios, a preocupação é com a perenidade das companhias.
“Construímos grandes negócios, tivemos alguns problemas nas nossas companhias. Hoje mais velhos, vimos que precisamos criar sistemas com conselhos e governanças diferentes”, disse, sem fazer alusão a uma companhia em específico.
“Outras empresas no mundo tiveram problemas parecidos, criaram sistemas de governança. Precisamos aprender com eles como fazer isso, de nos movermos de sermos operadoras para criar um sistema em que essas companhias cresçam sem a nossa presença.”
Energia não falta. Lemann ainda joga tênis regularmente — e não fica feliz quando perde uma partida.
Nos negócios ou no esporte, o empresário ainda acha que sempre é tempo de melhorar o game.
* A repórter viajou a convite da Brazil Conference