Infraestrutura: alta demanda de empresas deve movimentar mercado também em 2024 (Paulo Hoeper/Getty Images)
Repórter Exame IN
Publicado em 18 de dezembro de 2023 às 15h33.
Última atualização em 21 de dezembro de 2023 às 21h47.
Dezembro fecha um ano intenso para o mercado de crédito privado. Após um primeiro semestre congelado com as incertezas do novo governo e os sustos com a quebra de Light e Americanas, o mercado viu uma explosão de emissões na segunda metade do ano, com demanda recorde especialmente para papéis incentivados.
Para 2024, a expectativa é positiva – e menos errática. Ao mesmo tempo em que a queda na taxa de juros deve seguir estimulando novas emissões – num cenário de empresas com balanços ainda apertados e precisando rolar dívidas –, a Selic ainda elevada deve seguir atraindo pessoas físicas. Em adição a tudo isso, o fim da tributação de fundos exclusivos deve trazer um vento de cauda adicional do lado da demanda.
Gestores ouvidos pelo Exame IN afirmam que boa parte dos recursos que hoje estão em fundos exclusivos devem migrar para títulos de dívida de infraestrutura – isentos de IR – e para previdência (que não tem come-cotas e alíquota regressiva).
“Vemos muitos investidores fazendo estudos de desmontagem de fundos exclusivos e cotando carteiras administradas de isentos. Sem dúvida, vemos isso como uma das principais alavancas de crescimento para o ano que vem”, diz Odilon Costa, head de renda fixa da Solutions Wealth Management.
Hoje, o patrimônio em fundos exclusivos é de cerca de R$ 110 bilhões -- mas, apesar de expressivo, não deve trazer um fluxo imediato. Desmontar carteiras de fundos exclusivos para realocá-las é um processo que deve tomar todo o ano de 2024, com pelo menos seis meses sendo destinados a cumprir os prazos de carência dos fundos.
“No fundo exclusivo, era considerado um prazo médio de dois a três anos. E nesse caso, estamos falando de um volume para ficar lá por pelo menos dez anos. Nesse raciocínio, nossa estimativa é a previdência deve ocupar um montante menor do que estava nos fundos”, diz Marcos Papaterra, sócio da TAG Investimentos.
Na avaliação da casa, fundos que têm entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões serão os principais afetados pela nova tributação.
“Ao mesmo tempo, a Selic continua alta. Os juros médios no ano que vem devem ficar em torno de 10%, o que deve trazer uma demanda por ativos de crédito por pessoas físicas ainda elevada”, diz Fernando Marinho, sócio da área de renda fixa e crédito privado da Valora Investimentos.
Neste ano, a recuperação do mercado na segunda metade do ano trouxe uma enxurrada de papéis a mercado – e, em meio à concentração de ofertas, os bancos foram mais ativos em encarteirar os papéis.
Com uma concorrência acirrada por novos mandatos, os bancos de investimento vêm bastante ativos em oferecer garantias de alocação a taxas de juros mais amigáveis, o que tem feito que as tesourarias comprarem bem mais papéis do que em 2022.
Essa movimentação tem ficado evidente especialmente nos títulos incentivados. Em diversos deles, os preços de emissão no mercado primário têm ficado abaixo da curva dos papéis de vencimentos parecidos do mesmo emissor no secundário.
É uma distorção até certo ponto comum no mercado brasileiro – onde os bids acontecem mais durante a concorrência para estruturação da oferta do que efetivamente no lançamento a mercado, sem falar no comportamento da pessoa física – mas que ganhou intensidade neste fim de ano.
“Quando tem essas inversões de curva, o investidor institucional acaba comprando a mercado e ficando de fora da oferta primária. O volume costuma ser mais alocado em wealth e pessoas físicas”, pondera o sócio de uma grande asset tradicional em crédito.
No início de dezembro, por exemplo, isso foi visível na oferta da Equatorial Goiás, que captou R$ 3,2 bilhões. O book saiu a IPCA+74 pontos-base e, no secundário, o título era negociado a IPCA+87 pontos.
Também aconteceu com a Isa CTEEP: Na oferta do dia 20 de outubro, a empresa captou R$ 1,9 bilhão a IPCA+40 bps e, hoje, o título está negociado no secundário a IPCA+50 bps. A MRS, de logística ferroviária, captou R$ 2 bilhões a IPCA+60 bps e, tomando como base os dados do fim do mês passado, é negociada a IPCA+70 bps. Por fim, a Oncoclínicas emitiu um CRI de R$ 241 milhões a CDI+130 bps e é negociada no secundário a CDI+132 bps.
Esse movimento já começou a suavizar neste fim de ano – e deve arrefecer ainda mais no ano que vem. “Estamos com uma visão muito otimista para o Brasil em 2024. Em um contexto de recuperação da economia, soft landing acontecendo nos Estados Unidos, menor inflação, real mais forte, vemos investidores colocando dinheiro em meio ao afrouxo monetário”, diz Caio de Luca, chefe de mercado de capitais de dívida do Bank of America.
Na América Latina, o banco estima um volume de emissões 20% maior em 2024 do que o de 2023 (não são divulgadas estimativas para o país).
Além da demanda direta de pessoas físicas por esse tipo de título, o projeto de lei 2646/2020, ou PL das debêntures de infraestrutura -- que seguiu para sanção presidencial na última semana -- também deve trazer fôlego adicional por parte de investidores institucionais no próximo ano.
O projeto, resumidamente, criou uma nova categoria de título de infraestrutura, com benefício tributário para empresas e para essa classe de investidores. Na versão 'tradicional' desse tipo de título, o benefício fica principalmente com a isenção de IR para pessoas físicas -- e com taxas menores para as emissões, que beneficiam empresas.
"Os investidores institucionais devem contar com uma opção a mais de debênture de infraestrutura tradicional, com prazos maiores, sem um aumento de custo relevante", diz Ulisses Nehmi, CEO da Sparta. Com R$ 9 bilhões sob gestão, a casa dobrou o portfólio de incentivadas, que hoje responde por 20% do AUM.
Do lado das empresas, outros dados ajudam a entender o cenário. O volume de debêntures a vencer e de amortizações no ano que vem soma R$ 133 bilhões (uma cifra alta para os padrões do setor) e, em 2025, a conta cresce ainda mais, para R$ 169 bilhões. De novo: diante do alto volume de vencimentos, a tendência é de que as companhias busquem por alternativas de renegociação de dívidas.
Os incentivados devem seguir como as estrelas do crédito privado. De acordo com os dados da Anbima compilados pelo BTG Pactual, entre os 20 maiores vencimentos e amortizações previstos para o próximo ano, 11 são de setores ligados à infraestrutura (energia e saneamento).
Destacam-se um vencimento de R$ 2,3 bilhões da Eletrobras e um de R$ 1,5 bilhão da Petrobras. Em 2025, seis empresas de infraestrutura (de novo, de olho em energia e saneamento) constam na lista dos 20 maiores vencimentos e amortizações.
No acumulado dos 11 meses de 2023, o volume de emissões de debêntures incentivadas foi o maior dos últimos cinco anos, de acordo com dados da Anbima compilados pelo BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame).
De janeiro a novembro, foram R$ 59 bilhões em emissões desse tipo, ante R$ 36 bilhões no ano anterior. Em relação ao volume total de emissões de crédito no período (de R$ 320 bilhões no período, ante R$ 390 bilhões em 2022) a participação das debêntures incentivadas dobrou, chegando a 18%.
A rentabilidade dos títulos também se manteve recorrente ao longo de todo o ano. O IDA IPCA Infra (indicador de referência para o setor) se manteve em estabilidade desde agosto, com 110 pontos-base acima da NTN-B, mesmo em meio à forte atividade do mercado primário.
"O único desafio visível para essa classe de ativos, do lado das emissões, está nas empresas de energia. Como os leilões tendem a ter retornos marginais para acionistas, a tendência é que empresas e bancos de investimento diversifiquem a captação em debêntures incentivadas e financiamento junto aos bancos públicos", diz um gestor.