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Efeito Raiam? Natura &Co vira alvo de disputa entre influencers de mercado

Presença de filho de fundador em startup investida, Singu, se torna assunto nas redes

Dúvidas: com milhares de seguidores, influencer disseminam narrativas sobre companhias em grande velocidade (Ben Stevens/Thinkstock)

Dúvidas: com milhares de seguidores, influencer disseminam narrativas sobre companhias em grande velocidade (Ben Stevens/Thinkstock)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 2 de dezembro de 2020 às 10h05.

Última atualização em 2 de dezembro de 2020 às 11h39.

A Natura &Co perdeu cerca de 2,5 bilhões de valor de mercado nesta terça-feira, dia 1. Terminou o pregão avaliada em 67,5 bilhões de reais.

No meio da tarde de ontem, enquanto as ações da companhia chegaram a cair mais de 4% (o fechamento marcou queda de 2,6%), o blogueiro ou influencer (ao gosto do freguês) caricato Raiam Santos — com 1,5 milhão de seguidores, segundo o que diz sua conta no Instagram —  atribuía a desvalorização dos papéis ao que considerava ser uma revelação dele e se gabava por isso. E bastante. Começou , então, a aumentar a dispersão da informação sobre uma briga “nas redes” envolvendo o nome da empresa. A discussão começou ainda na segunda-feira.

Enquanto Santos fazia seus posts, o Índice Bovespa subia animado. Terminou o dia com ganho de 2.30% e alcançou 111.399 pontos. A lista de maiores quedas do dia do indicador tinha Totvs, Via Varejo, Raia Drogasil, Fleury e Localiza. A de maiores altas trazia nomes até outro dia esquecidos, pressionados pela pandemia: Yduqs, Cogna, Ecorodovias, Santander e PetroRio, embalada há alguns pregões pelas recentes aquisições no pré-sal.

A tal briga nas redes era um bate-boca em termos nada conservadores ou republicanos entre Raiam Santos e o empresário Tallis Gomes, que ganhou fama e dinheiro pela criação e venda do aplicativo EasyTaxi.

Gomes tornou-se sócio da Natura &Co depois que uma outra criação dele, a Singu, uma startup de delivery de serviços de beleza, recebeu um aporte de valor não revelado da companhia. O que o blogueiro se gabava nas redes de revelar é que entre os sócios dessa startup está Matheus Farah Leal, enteado de Guilherme Leal, um dos fundadores da Natura. Santos passa a apresentar o caso como um conflito de interesses.

A questão torna-se então o centro de um conjunto de postagens e stories jocosos — mais de uma centena (sim, a reportagem contou) — da provocação para Gomes, em tom de acusação a respeito da qualidade dos ativos que o empresário cria.

Santos e Gomes são personagens comuns do mundo da era da hiperconectividade. Gostam de dividir tudo que fazem, em um estilo “quanto mais caricato melhor”.

A Natura &Co não é a primeira companhia a se tornar assunto de disputa entre investidores individuais e influencers que se tornaram personalidades nas redes. Via Varejo e Cogna ganharam até apelido — Vara e Conga —  nas disputas entre esse tipo de personagem, embora em situações distintas. As companhias estão todos os dias sendo desafiadas pelas novas situações no mundo da hiperexposição. Cada blogueiro e influencer desses, com milhares ou milhões de seguidores, consegue muito rapidamente difundir uma narrativa sobre seus negócios.

Dessa vez, no meio desses dois tipos, ficou a Natura &Co. A companhia atingiu na sexta-feira, 27 de novembro, o maior valor de mercado de sua história: 70,5 bilhões de reais.

Gestores de recursos apontam que a queda das ações nesta semana é explicada por um forte movimento de rotação de ativos, no qual os investidores estão trocando as companhias que subiram e se destacaram na pandemia — e ficaram com múltiplos elevados — por aquelas que ficaram para trás — e estão com indicadores típicos de empresas consideradas baratas.

Mas a companhia, que é uma das vedetes do mercado brasileiro quando o assunto é a percepção dos investidores sobre qualidade da governança corporativa e também do comprometimento com valores ambientais e sociais (ESG), ficou ali no centro da questão. O mercado soube dessa forma — pela disputa entre Santos e Gomes — que no meio da Singu está o enteado de Guilherme Leal. Parte da vida privada do empresário também ficou exposta, uma vez que a sequência de posts e stories dá conta de que Matheus foi registrado como filho recentemente.

Leal e sua família têm uma fatia próxima de 14,5% da Natura &Co, o equivalente a pouco menos de 10 bilhões de reais.

Quando anunciou o investimento na Singu, em agosto, a Natura não informou a presença de Matheus Farah Leal no negócio — ele está num grupo de 30 investidores da empreitada, já anteriores ao aporte da companhia. Segundo nota da Natura &Co, após consulta da reportagem, ele não é acionista, mas sim credor do negócio fundado por Gomes, e nunca participou das decisões do dia-a-dia. É comum que no modelo das startups a figura entre acionista e credor se misturem.

Santos apontava no Instagram que o investimento foi de pouco menos de 650 mil reais. Procurado pela reportagem, o influencer não respondeu à solicitação de entrevista.

Se a situação fosse conhecida antes pelo mercado, ela não seria assunto agora. No mundo atual, as corporações estão sendo amplamente colocadas à prova, sob pena de serem julgadas como Pompeia Sula, a segunda mulher do imperador romano Julio Cesar. Sem que ela nada tivesse feito de errado, Cesar se divorciou da esposa e deu origem à celebre expressão: “À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta.”

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