Luciana Feres, de Paris para São Paulo: “Acredito que não existe nada mais importante, nesse momento, do que contribuir para a causa da educação no Brasil, em especial após a pandemia, pois os índices de evasão alcançaram níveis recordes” (Descomplica/Divulgação)
Graziella Valenti
Publicado em 20 de julho de 2021 às 10h00.
Última atualização em 21 de julho de 2021 às 18h42.
Pergunte a uma startup o que ela pretende fazer com os milhões de uma rodada relevante de captação e serão enormes as chances de ouvir três respostas: contratação de talentos, marketing e aquisições. As duas primeiras são quase uma unanimidade. Não importa o setor. Pois bem.
A Descomplica, uma das edtechs mais observadas do momento, fundada pelo professor de física Marco Fishben, fez um movimento icônico. Levou a sério — e como! — a meta de atrair executivos seniores. A companhia, que recebeu a maior rodada de uma plataforma de educação da América Latina no começo deste ano, de R$ 450 milhões, acaba de trazer a executiva Luciana Feres, uma brasileira que seguia com sua carreira internacional como vice-presidente sênior da Danone, em Paris, para liderar a frente de marketing.
Ela será parte vital para o plano de Fishben de tornar a Descomplica a maior empresa do setor de educação do país, inclusive na jovem vertical universitária, lançada no fim de 2019. A companhia está ampliando o total de graduações de quatro para 22 — o que foi possível com a compra do centro universitário paranaense UniAmérica. Até então, eram quatro cursos e foram adicionados 18 ao portfólio. Esse passo demandará a contratação de mais de 400 professores nos próximos 12 meses. O total de contratações deve alcançar 1.500 profissionais em três anos.
A meta com a Faculdade Descomplica é alcançar 1 milhão de alunos o mais rapidamente possível, assim como uma carteira com 50 cursos — algo que deve demandar investimentos estimados em R$ 1 bilhão nos próximos três anos. Para o fim de 2021, o objetivo são 100 mil matriculados, na soma de gradução com pós. O milhão de estudantes pretendido (apenas na frente universitária), se atingido hoje, de fato tornaria a Descomplica a maior rede de ensino do país, considerando que a líder Cogna (ex-Kroton) terminou março com uma base pouco superior a 920 mil, na soma dos cursos presenciais e à distância.
Não cabe espaço para modéstia nessa história de negócios que atraiu Softbank para base de acionistas, mais a Península Participações (do empresário Abilio Diniz, um apaixonado pelo setor), a casa bilionária americana Invus, e isso para não falar de sócios curiosos como o guitarrista The Edge, da banda U2. Para entender o tamanho da ambição, é importante pontuar que a Descomplica tem 3,8 mil alunos universitários e 55 mil na pós-graduação.
Em sua primeira e exclusiva entrevista, Luciana conta ao EXAME IN quais os valores essenciais que a Descomplica vai apresentar e reforçar para disseminar e fortalecer sua marca com o público. “Nossa bandeira é educação de qualidade para todos. E isso não é um projeto, é uma realidade para a empresa. Vamos expor mais às pessoas o que descobrimos na prática: que é possível aliar acesso à qualidade de ensino.”
Além de pedagogia, administração, contabilidade e gestão de pessoas, a Faculdade Descomplica passou a oferecer também graduação em gestão comercial; gestão de dados; gestão financeira; gestão pública; logística; marketing; processos gerenciais; análise e desenvolvimento de sistemas; banco de dados; computação em nuvem; jogos digitais; sistemas para internet; engenharia de produção; engenharia de computação; sistema de informação; letras-português; história; e matemática.
Atualmente, com os produtos já tradicionais da casa, passam mensalmente cerca de 5 milhões de alunos pela plataforma da Descomplica, que iniciou sua trajetória como uma plataforma de ensino online pré-vestibular — aliás, o primeiro cursinho online do tipo. Esse é o número de estudantes que fazem cursos e outros que, de alguma forma, acessam o conteúdo. No total, a Descomplica já formou cerca de 2 milhões de alunos.
Foi a capacidade de transformação social que fez Luciana trocar a França (e dali para o mundo) pelo Brasil e uma multinacional centenária, avaliada em 38 bilhões de euros, por uma startup com menos de uma década de vida. Filha de professores, de pai e mãe, Luciana conta que a oportunidade dá força ao significado de ser “repatriada”. “Acredito que não existe nada mais importante, nesse momento, do que contribuir para a causa da educação no Brasil, em especial após a pandemia, pois os índices de evasão alcançaram níveis recordes”, afirma ela na exclusiva ao EXAME IN, sobre a posição que vai assumir.
Para se ter uma ideia ao que a executiva se refere, a evasão escolar na Cogna, que é privada e onde já prevalece o modelo à distância, essa taxa passou de 12% para 18%, do primeiro trimestre de 2020 ao primeiro de 2021.
Com bagagem de quem conhece muito bem marcas de consumo — além da Danone, foi executiva da Coca-Cola —, Luciana diz que foi essencial para sua escolha a percepção que a Descomplica está “seriamente comprometida” com educação e colocando o aluno no centro de suas decisões.
Quando a gente olha a história da empresa, não tem como ignorar que os alunos da Descomplica alcançam, em média, 760 pontos no Enem. “É importante entender que 70% dos alunos pertencem a núcleos familiares com renda total média de R$ 3 mil. Só que essa pontuação, essa nota, é a média equivalente a alunos de famílias com renda mensal média de R$ 15 mil.” Assim, o que a empresa quer oferecer aos alunos não é um produto "curso universitário", mas um "plano de vida."
Sobre trocar uma gigante por uma startup, Luciana soube ‘vender bem’ o conceito: “O marketing das grandes companhias e também aquele mais estudado hoje pela academia são as boas práticas das startups. O marketing digital é a nova realidade. Ele permite beber na fonte, com um diálogo imediato com o público.”
O foco em cursos regulados, universitários, é uma tremenda guinada para a Descomplica, que até antes da pandemia estava dedicada principalmente a cursos livres — operação que mantém firme e forte, mas não mais de maneira exclusiva. Até então, a empresa fez fama como fornecedora de microcertificados — relacionados a cursos curtos e bastante específicos.
“A revolução digital está exigindo um novo profissional. Uma nova formação”, diz Luciana, que já dá destaque para um dos mais fortes discursos da empresa, que é a valorização do engajamento do aluno. “Dar aula online não é filmar um professor em frente a um quadro negro. É muito mais do que isso. É preciso um programa interessante e estimulante.”
Essa mesma revolução que exige muito mais dos profissionais também representa, na visão de Luciana, uma tremenda oportunidade para evolução da educação num país com as dimensões continentais do Brasil, e com suas tão profundas diferenças e necessidades regionais.
“Com essa ferramenta, os estudantes não precisam mais se preocupar se há ou não universidade na cidade ou região em que vivem. Acabou essa barreira física. Podemos estar realmente no Brasil inteiro. Conseguimos chegar onde a educação hoje não está disponível.” As graduações terão duração de dois a quatro anos, com preços em torno de R$ 220 ao mês. Já a pós graduação, que já conta com 55 mil alunos, tem custo que varia de R$ 80 a R$ 100 mensais.
Para Luciana, há muitas oportunidades nesse projeto de troca da França pelo Brasil de 2021. Entre elas, “ressignificar o educador na sociedade.” Algo que ela, aos 47 anos, almeja não apenas como plano de negócios, mas como quem viu e viveu na pele a dedicação do que ela chama de “profissional invisível”. A mãe deu aulas para alunos do que hoje é o Fundamental 2 e o pai é um dos fundadores do curso de cardiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Eu ajudava ele com os slides das aulas e a cronometrar as exposições.”
"Estou de volta para o início da minha vida, como dizem que acontece. Esse projeto é pertinente e urgente para o Brasil", conclui uma executiva e filha emocionada.
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