Exame IN

Dor de cabeça sobre venda de medicamentos esquenta disputa entre supermercados e farmácias

Eugenio De Zagottis, acionista da RD Saúde (dona da Raia Drogasil), e presidente da Abras, João Galassi, protagonizam discussão no LinkedIn

Publicado em 25 de janeiro de 2025 às 15h47.

O recente anúncio do governo de que irá considerar propostas do setor de varejo alimentar para conter a inflação trouxe à tona um embate acirrado entre dois gigantes: supermercados e farmácias.

O ponto central da discussão é a proposta de permitir a venda de medicamentos isentos de prescrição médica (MIPs) em supermercados, algo que divide economistas, varejistas e profissionais de saúde.

O debate ficou ainda mais forte após uma publicação no LinkedIn de Eugenio De Zagottis, acionista da gigante RD Saúde, dona das redes Raia e Drogasil.

Em tom crítico, ele argumentou que supermercados não têm estrutura para comercializar remédios de forma segura, apontando desafios legais e operacionais que, segundo ele, podem acabar gerando custos extras para o consumidor.

"A medida teria efeito mínimo na redução da inflação e ainda aumentaria os gastos das redes supermercadistas", afirmou.

Em resposta, João Galassi, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), defendeu a proposta como uma maneira de ampliar o acesso a medicamentos em áreas com pouca cobertura farmacêutica. Ele enfatizou que, com supervisão e regulação adequadas, o modelo pode beneficiar milhões de brasileiros.

"Nos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Austrália, Reino Unido, Japão, Canadá e Suíça, há muito tempo é permitida a venda de remédios sem receita nos supermercados. Enquanto a ABRAFARMA, conforme sua própria nota, está preocupada em manter a reserva de mercado e, consequentemente, o lucro das farmácias, a ABRAS está comprometida em defender os interesses dos consumidores", escreveu ele em seu perfil na rede social corporativa.

Um dos principais pontos de discordância no embate é o custo de operação que a medida exigiria.

Para se adequar às regulamentações da Anvisa, supermercados precisariam manter farmacêuticos em tempo integral, o que, segundo Zagottis, inviabilizaria qualquer redução significativa nos preços.

Ele citou como exemplo o modelo americano, "onde a venda de remédios em supermercados prioriza a conveniência, não a economia".

Por outro lado, Galassi rebateu, afirmando que maior concorrência no setor poderia estimular uma queda de preços, aliviando o bolso do consumidor em tempos de alta inflação.

A proposta, entretanto, também levanta preocupações regulatórias e de saúde pública. Estudos sugerem que até 15% do faturamento de redes tradicionais, como Raia Drogasil e Panvel, poderiam ser impactados caso supermercados entrem no mercado de MIPs.

As entidades farmacêuticas alertam para os riscos de automedicação e intoxicação.

Segurança em xeque

As críticas de entidades como o Conselho Federal de Farmácia (CFF) são contundentes. A liberação da venda de MIPs em supermercados, segundo o órgão, pode agravar a já alarmante taxa de automedicação no Brasil, que atinge 90% da população.

“Essa medida pode ampliar os casos de intoxicação, sobrecarregando ainda mais o SUS e comprometendo a saúde pública”, alertou a entidade.

O histórico também não ajuda. Dados do CFF mostram que, entre 1993 e 1995, quando os MIPs foram vendidos em supermercados, os casos de intoxicação aumentaram 23%.

Após o banimento da prática, os registros caíram 14%. Mesmo hoje, remédios sem prescrição ainda são responsáveis por seis casos de intoxicação por dia no Brasil.

“Medicamentos não podem ser tratados como simples mercadorias”, afirmou Fábio Basílio, presidente da Fenafar (Federação Nacional dos Farmacêuticos). Ele reforçou que as farmácias desempenham um papel central na orientação e acompanhamento de tratamentos, algo que supermercados não poderiam replicar.

Nos bastidores, a proposta desencadeou uma batalha política. Enquanto farmácias pressionam a Casa Civil para barrar a medida, segundo o Valor Econômico, supermercados intensificam o diálogo com o governo. A disputa não é apenas sobre remédios, mas também sobre o espaço e o poder no mercado varejista brasileiro, que movimenta bilhões de reais anualmente.

Especialistas concordam que, para ter impacto na inflação, a iniciativa precisaria vir acompanhada de reformas econômicas mais amplas, incluindo controle fiscal e estabilidade cambial. Sem isso, os ganhos podem ser efêmeros.

E para o consumidor? O desfecho dessa disputa ainda é incerto, mas influenciará certamente o futuro do acesso a medicamentos no país.

Acompanhe tudo sobre:RD – Raia Drogasil

Mais de Exame IN

NA SUA CESTA: Mil lives por dia e entrega mais rápida — o plano de ataque da Shopee

A Netflix está atropelando os concorrentes. Ela vai passar no teste de Buffett?

Com ascensão de evangélicos, reeleição de Lula é improvável. A Mar Asset está apostando na tese

Santander e Citi retiram recomendação de compra da Ambev; papel cai mais de 2%