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Dólar: um “caixa” de US$ 30 bilhões pode mudar a trajetória do câmbio

Exportadoras mantêm dólares no exterior para gestão de dívidas e portfólio; moeda pode voltar ao Brasil para investimentos estratégicos ou reserva de contingência

 (Yuji Sakai/Getty Images)

(Yuji Sakai/Getty Images)

AB

Angela Bittencourt

Publicado em 17 de maio de 2021 às 07h00.

Última atualização em 18 de maio de 2021 às 10h50.

A covid-19 faz mal para a saúde e para as moedas. A pandemia interrompeu um padrão de contágio em alguns países que deveriam ter suas moedas fortalecidas com a valorização das commodities, mas não estão tendo esse retorno. O Brasil está entre eles. Aqui, o dólar se mantém impávido acima de R$ 5,20, mas há um estoque estimado em US$ 30 bilhões de exportadoras brasileiras no exterior que pode mudar essa história. E cotação. A vinda desses recursos para o mercado local não é, contudo, questão de vontade, mas de decisões que envolvem gestão de dívidas, de caixa e de portfólio. “E as empresas, assim como investidores, têm viés. E avaliam o futuro de olho no passado recente. Se a decisão de ter caixa no exterior deu certo, por que não manter?”, pergunta Marcelo Giufrida, sócio e CEO da Garde Asset Management que presidiu a gestora do BNP Paribas e a ANBIMA.

Em entrevista ao EXAME IN, Giufrida, especialista em mercado de capitais e assuntos internacionais, aponta essa massa de recursos no exterior como uma das razões para o dólar persistentemente forte no Brasil. Outro fator de sustentação da moeda em relação ao real é basicamente o prêmio de risco melhor representado pela inclinação da curva de juros do que pelo Credit Default Swap (CDS), em sua avaliação. “O CDS reflete melhor as condições de países e empresas com endividamento em dólar. No caso do Brasil e de nossas empresas, porém, o endividamento é baixo em moeda estrangeira. Já a inclinação da curva de juro é uma medida mais realista por considerar o risco da dívida doméstica e, portanto, o risco fiscal do país”, afirma.

Giufrida não descarta o regresso de parte desse estoque de dólares por boas ou más notícias. “As empresas podem usar os recursos para investir em outras empresas ou projetos. Os recursos podem ter um uso estratégico ou reserva de contingência, se necessário.”

Momento ímpar da Indústria

O executivo chama atenção para o momento ímpar para as empresas no Brasil hoje. “Há anos, não se via o setor industrial crescer mais que serviços. E a pandemia deu fôlego a esse movimento. Recursos economizados em despesas com viagens, restaurantes e serviços em geral pelas classes A e B foram direcionados à reforma de casas, sítios. A mudança de foco deu gás à indústria, como se vê, inclusive, no comportamento do IGP-M comparado ao IPCA. Na prática, o IGP-M traduz muita atividade, muitos negócios, que podem ser oportunidades para as empresas com caixa.”

Alguns fatores, porém, incentivam a manutenção de dólares no exterior pelas empresas. Um deles, lembra Giufrida, é a gestão de dívidas. Empresas de infraestrutura dispõem hoje de um mercado de capitais que viabiliza “funding” de longo prazo. Tornou-se vantajoso deixar de emitir títulos no exterior e atender a demanda local por ativos de longo prazo — caso das debêntures — atreladas ao IPCA e que entram em despesas dedutíveis de imposto. O CEO da Garde pondera que, no Brasil, a tributação corporativa é de 34%, a maior do mundo, enquanto na maioria dos países é de 20% e, em alguns países, de 15%. Manter dólares no exterior permite também recomprar bônus e “matar” dívidas.

Giufrida cita duas das maiores exportadoras brasileiras — Petrobras e Vale — como exemplo de empresas que mantêm parcela substancial do caixa no exterior como reserva estratégica ou de contingência. A Petrobras, como exemplo, com disponibilidade de caixa de US$ 11,7 bilhões, mantém lá fora US$ 8,5 bilhões. Há cerca de um ano, os valores eram de, respectivamente, US$ 7,3 bilhões e US$ 5 bilhões. Em 12 meses, portanto, a petroleira elevou de 68,5% para 72,6% a fatia do caixa externo.

Tanto a Vale quanto a Petrobras, graças à forte geração de caixa, continuaram a desalavancar seus balanços e os pré-pagamentos de dívidas não saem dos planos. Vem da Klabin outro exemplo de gestão de dívida. Em janeiro, a empresa levantou US$ 500 milhões com emissão de Sustainability Linked Bonds (SLB) com prazo de 10 anos e recomprou antecipamente US$ 98 milhões de bônus que venceriam em 2024. O perfil do endividamento melhorou, inclusive, com extensão de prazo.

Para o especialista em macroeconomia José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, a retenção de dólares no exterior tem sentido por empresas que esperam uma desvalorização do real. Ele avalia que as retenções dependem essencialmente das expectativas para as taxas de juros e de câmbio. “Não vejo mudança de comportamento das exportadoras. O dólar caiu recentemente por desmonte de posições contra o real ante um Copom mais conservador na condução da política monetária. Isso vale para a perspectiva de política de juros no exterior e o cenário de dólar fraco se consolidou mais um pouco.”

Para Lima Gonçalves, o ciclo de alta das commodities observado agora terá repercussão semelhante à vista nos anos 2000. Notadamente entre 2004 e 2010, quando países exportadores se beneficiaram com crescimento econômico, fortalecimento da balança comercial e de fluxos de investimento externo. Em 2003, teve início a alta de combustíveis e metais; em 2006, as commodities agrícolas tomaram fôlego. Os preços chegaram ao ápice em meados de 2008, sendo momentaneamente truncados pela crise financeira global, mas avançando até novas máximas em 2011 e entrando em declínio a seguir pelo desaquecimento da economia global.

Pandemia rompe engrenagem

Os economistas Julia Gottlieb, Laura Pitta e João Pedro Bumachar, do Itaú Unibanco, alertam que a pandemia rompeu um mecanismo histórico, uma vez que a alta das commodities não está levando à tradicional dupla consequência, aumento na oferta de dólares por mais receitas de exportação e fluxo de capitais com impacto sobre a taxa de câmbio. Enquanto as commodities avançaram cerca de 25% em um ano até março, as moedas de países exportadores emergentes depreciaram 7%, e as de países desenvolvidos apreciaram 10%. Há um descolamento entre a evolução das commodities e das moedas e ele se dá por restrições temporárias de oferta, evolução da pandemia e do ritmo de vacinação, além de perspectiva de crescimento econômico e fundamento fiscal.

Se de um lado, a pandemia comprometeu a produção de várias commodities e os preços subiram ao mesmo tempo em que algumas economias — caso da China — retomaram a atividade; de outro, a velocidade da vacinação e a perspectiva de recuperação da economia está associada ao risco-país que espelha também expectativas com fundamentos fiscais. O risco Brasil, medido pelo CDS ultrapassa 200 pontos-base, enquanto Colômbia tem risco pouco acima de 100 pontos, Chile, 50 pontos e Austrália e Canadá menos de 25 pontos. Todos são exportadores de commodities.

No Brasil, o risco elevado decorre do aumento considerável do endividamento nos últimos anos, da dinâmica da pandemia e de suas consequências econômicas e sociais, que tornam “não desprezível o risco de flexibilização adicional do teto de gastos”, ponderam os economistas do Itaú. Contudo, eles consideram que o aumento da Selic e os preços das commodities mais elevados tendem a fluxos comerciais favoráveis e abrem espaço para uma volta do fluxo de dólares para o país. Portanto, há espaço para apreciação do real.

Eles ponderam que a combinação de três indicadores incentiva a manutenção de dólares no exterior por exportadores: a evolução da Selic, do Fed Funds e do risco-país. “A elevação da Selic, num ambiente de risco fiscal contido, deve ser suficiente para impedir um aumento ainda mais expressivo da diferença entre o câmbio físico e o contrato, hoje estimada em US$ 30 bilhões. Caso a Selic alcance 5,5% e o risco Brasil permaneça no patamar atual, o diferencial das contas de câmbio cai praticamente à metade, para US$ 17 bilhões”, calcula o Itaú.

 

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