Apreciação cambial pode não favorecer alta parcial do juro, diz Roberto Padovani, do BV (Divulgação/Divulgação)
Angela Bittencourt
Publicado em 29 de maio de 2021 às 13h35.
O dólar é termômetro de risco. Sua valorização acelerada arrepia de operadores de mercado até experientes técnicos da área econômica do governo. De qualquer governo. Como moeda global, o dólar circula também no imaginário do brasileiro. Ilustra viagens à Disney pré e pós-pandemia e disparada no preço da gasolina — vilão de estragos no orçamento da classe média. Neste ano, por forças externas e locais, ligadas sobretudo ao ceticismo quanto à possibilidade de o governo reequilibrar as contas públicas, o dólar se aproximou de R$ 5,90. Exibiu alta de quase 13% três meses atrás para, em maio, devolver excessos e reforçar a torcida para que o suporte de R$ 5 seja rompido. Aos R$ 5,21 da sexta-feira, a valorização acumulada no ano está quase zerada.
Essa história pode mudar na segunda-feira, de encerramento do mês, feriado nos EUA e definição de preço para liquidação de contratos futuros de dólar na B3. Mas o dólar cai, ante o período recente. Resta saber se a queda é consistente ou alegria passageira?
Alfredo Menezes, sócio e CEO da Armor Capital, além de ás do câmbio, vê no declínio recente do dólar um movimento consistente, mas não projeta um tombo na taxa. Roberto Padovani, superintendente e economista-chefe do BV, alerta para um aspecto que vai além do fluxo de divisas. Ele avalia que a taxa de câmbio está descolada dos fundamentos econômicos e o recuo agora observado é passageiro. Enquanto Menezes vê a moeda orbitando em torno de R$ 5,10, Padovani vê a moeda em torno de
R$ 5,40. Diferença de trinta centavos que parece pequena, mas que, no médio prazo e aplicada aos bilionários volumes de negócios firmados em dólar, é uma discrepância e tanto.
“A nossa estimativa é de dólar em torno de R$ 5,10. Entendemos que o fluxo de moeda para o país é positivo neste ano, mas precisamos considerar o efeito do ‘overhedge’ — proteção que os bancos fazem de seu patrimônio no exterior — que tende a neutralizar o resultado final. Isso quer dizer, portanto, que devemos ter um fluxo equilibrado de divisas”, afirmou Alfredo Menezes, especialista em operações monetárias e cambiais, em entrevista ao EXAME IN.
O CEO da Armor pondera que os dados mais recentes divulgados pelo Banco Central e pelo Tesouro Nacional indicam a volta do investidor estrangeiro especialmente para a renda fixa no Brasil. Os estrangeiros retomam aplicações em títulos públicos federais “É pouco, mas o estrangeiro voltou. Já o exportador segue mantendo dólares no exterior.” Houve alguns fluxos no começo do ano, mas a internalização não engatou.
Padovani, do BV, observa que a taxa de câmbio no Brasil, ao contrário do que se poderia esperar em um cenário de fim de recessão e alta de preços de commodities, oscila em um patamar descolado dos fundamentos há um bom tempo. “Mais de duas décadas de câmbio flutuante mostram que o diferencial de juros, o risco soberano, os preços de commodities e o dólar global são variáveis relevantes para explicar o comportamento da moeda brasileira. No entanto, considerando essas variáveis entre abril de 2020 e abril de 2021, a taxa de câmbio deveria ter oscilado ao redor de R$ 4,70 e não em torno de R$ 5,40, como observado.”
O descolamento da taxa de câmbio ocorre também em relação a outras moedas emergentes, diz Roberto Padovani. O real, comparado às moedas pares a partir de janeiro de 2020, está desvalorizado em cerca de 20%. “Os fluxos reforçam a leitura quase consensual de que o câmbio está fora do lugar. A saída líquida de capitais, que chegou a acumular US$ 61 bilhões nos doze meses encerrados em março de 2020, foi revertida a partir do final do ano e reflete a melhoria no cenário internacional, mesmo com todas as incertezas domésticas. Os resultados das contas externas são, de modo geral, bastante positivos.”
Roberto Padovani afirma que a apreciação cambial, que seria um aliado importante para uma alta parcial da taxa de juro, pode não ajudar. E que o cenário de 2022 pode, inclusive, dificultar a convergência da moeda. Em relatório sobre o tema, ele reconhece que o calendário político doméstico ainda não está na agenda de analistas e investidores, mas a reprecificação de ativos nos EUA já é uma realidade. A alta dos Treasuries de 10 anos indica que o ciclo monetário e de negócios nos EUA manterá essa pressão sobre esse rendimento, que afeta outras variáveis relevantes para a moeda brasileira – como o dólar global, o preço das commodities e o risco soberano.
“Historicamente, o dólar se fortalece em momentos de alta de juros e influencia os preços de matérias primas. O simples aumento da volatilidade global em maio já foi suficiente para estabilizar os preços de commodities e interromper a trajetória de apreciação cambial observada em abril”, diz Padovani, para quem o aumento do juro no Brasil – e por consequência o diferencial em relação ao juro externo – pode não compensar os efeitos negativos sobre a moeda gerados pela condução da política monetária norte-americana. E quanto mais se avançar no tempo, maior a probabilidade de a imprevisibilidade política local entrar no radar do mercado, reforçando a piora nos prêmios de risco soberano.
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