“Com Selic a 2%, o real virou moeda de funding. Investidores tomavam recursos para aplicar em outros países; o carry-over está voltando”, diz Rodrigo Cruz, da Meraki (Divulgação/Divulgação)
Angela Bittencourt
Publicado em 20 de setembro de 2021 às 09h55.
Última atualização em 20 de setembro de 2021 às 11h52.
O dólar ultrapassou R$ 5 em 17 de março de 2020 e, até sexta-feira, superou essa marca durante 97,7% do tempo. Em 393 dias de negócios, o dólar caiu ao patamar de R$ 4,90 em apenas nove sessões. A resistência é tanta que acreditar no declínio da moeda é um ato de fé. Em contagem regressiva para mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) – que termina na quarta-feira – dá para apostar que o quinto aumento consecutivo da taxa Selic vai fazer cócegas no dólar? Três gestores ouvidos pelo EXAME IN sugerem que não. Confira.
Em entrevista ao EXAME IN, Rodrigo Cruz, da Meraki Capital, Fabiano Godoi, da Kairós Capital, e Alfredo Menezes, da Armor Capital, traçam as perspectivas para o mercado de câmbio nos próximos meses. Nenhum deles, porém, espera um barateamento da moeda americana. Apenas eventos excepcionalmente positivos poderiam fazer o dólar deslizar com alguma consistência para menos de R$ 5. Mas a agenda nacional conspira contra isso. E o Banco Central (BC) sozinho não faz milagre.
Os três executivos concordam que a escalada da Selic está produzindo efeito no câmbio e também compartilham a opinião de que a moeda americana tem a seu favor ruídos provocados por incertezas fiscais, antecipação do debate eleitoral e perspectiva da retirada de estímulos monetários pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano, ao final deste ano – momento que coincide com a saída sazonal de divisas do país, sobretudo, para pagamento de lucros e dividendos no exterior.
Os próximos aumentos esperados para a Selic estão precificados na taxa de câmbio. A aposta majoritária do mercado é de mais uma alta de 1 ponto percentual, para 6,25% ao ano, na quarta-feira, quando o Copom encerra a reunião de setembro, seguida de mais dois ajustes idênticos que - confirmados - levam a taxa a 8,25% no fim do ano. Em 2022 pode vir mais aumento do juro a depender sobretudo da deterioração das expectativas inflacionárias.
Alfredo Menezes, sócio-fundador e CEO da Armor Capital, reconhece ser mais provável aumento da Selic em 1 ponto, mas não descarta alta de 1,25 ponto e o dissenso na decisão. Selic um pouco maior pode arrefecer o câmbio, avalia, mas temporariamente. Não o suficiente para um recuo consistente abaixo de R$ 5.
Rodrigo Cruz, economista e gestor de moeda e renda fixa da Meraki Capital, confessa ter um viés positivo para o câmbio. Ele pontua que a inflação corrente pode chegar ao pico até o fim deste ano, que o horizonte relevante para as ações do BC pode estar mais para 2023 do que para 2022 e também que até pode chover mais que o BC espera em novembro e dezembro - diminuindo o impacto da crise hídrica e seu efeito nos preços. Mas o cenário é incerto, reconhece.
“Se as coisas acalmarem, o BC pode não ter que ir além no aperto monetário no ano que vem. Mas esse é um cenário incerto. Tenho uma visão mais construtiva para a moeda, mas creio que o plano do BC é persistir no ritmo de aumento da Selic em 1 ponto - que já é forte - com uma interrupção do processo no começo do ano que vem para avaliar os resultados”.
Sinal de que o juro faz efeito no câmbio, Cruz lembra que em agosto e setembro, em momentos de maior estresse, o dólar foi o ativo que piorou menos em relação aos títulos prefixados e à bolsa. "Na comparação com os parceiros do Brasil, ponderado pelo fluxo de comércio que temos com esses países, nossa taxa de câmbio melhorou 10% ante o pior momento que foi em março. Mas, ainda assim estamos 5% pior que o melhor momento no câmbio, no final de junho. Essa melhora se deu pelo impacto da Selic que vai continua ocorrendo,"
A Meraki Capital vê o dólar entre R$ 5 e R$ 5,10. “Não creio que a moeda perderá o nível de R$ 5, apesar de o fluxo cambial financeiro já estar positivo no ano em US$ 3,5 bilhões e o cupom cambial (juro em dólar) de curto prazo estar cotado a 0,24%, nível historicamente baixo e que indica a entrada de dólares no país. A conta corrente, que operamos em déficit há muitos anos, deve estar zerada no fim deste ano. Temos boas notícias. E o BC vai dar liquidez para a cobertura de overhedge – estimado em US$ 16 bilhões – no final deste ano, se necessário, para que as instituições atendam seus compromissos lá fora, como indicou Roberto Campos Neto. Mas há ruído.”
Fabiano Godoi, sócio-fundador da Kairós Capital, avalia que o câmbio nunca é refratário à taxa de juro, mas lembra que o câmbio é uma variável sujeita a vários fatores. "O juro é apenas um deles. Se a Selic ainda estivesse a 2% ao ano, o dólar talvez estivesse a R$ 6,50. Selic caminhando para 8,25% é bem significativo e limita a capacidade de depreciação do câmbio.”
Godoi concorda com Rodrigo Cruz quando ao desempenho recente da moeda. “O dólar é o ativo que se mostrou menos sensível aos ruídos das últimas semanas. O juro tem subido mais por conta do risco fiscal; a bolsa caído mais pela perspectiva de impacto da crise hídrica, risco de racionamento e a pela expectativa de economia mais fraca. Junta-se a tudo isso a antecipação do debate eleitoral e temos um cenário turvo. O câmbio sofre menos porque o juro segura a moeda”, pondera Godoi para quem um cenário mais positivo depende, entretanto, do ambiente global. “Para além das ações do Fed, que vem sinalizando com o tapering para o fim do ano, temos a China crescendo menos e isso afeta produtores de commodities como o Brasil. É inegável, portanto, que o câmbio tem no juro um amortecedor", diz Godoi.
Menezes, da Armor Capital, destaca que o fluxo de bolsa está liquidamente positivo, que o fluxo de renda fixa tem se mantido resiliente desde o fim do ano passado, mas alerta que há uma saída importante de investidores brasileiros para o exterior especialmente via fundos. "Esse movimento praticamente neutraliza o ingresso de capital externo. Neste ano, os investimentos de brasileiros em carteira no exterior somam US$ 15,7 bilhões e o exportador continua mantendo dólares lá fora."
Não há escassez de dólar, mas sua desvalorização depende de alguns vetores mal resolvidos principalmente na área fiscal, pondera Menezes, como o pagamento de precatórios, a extensão do Bolsa Família e a renúncia fiscal que o governo pretende fazer. Ele entende, porém, que o pior é "o questionamento do teto de gastos que já está virtualmente rompido e exerce uma pressão muito grande sobre a moeda. Isso, sem contar com a perspectiva de expansão fraca da economia contribui adicionalmente para maior desvalorização do real.
Para Fabiano Godoi, da Kairós, “realisticamente” o que pode ajudar no momento para a precificação de ativos, inclusive o câmbio, é o país ter alguma tranquilidade econômica.
“É preciso ter certeza de que vamos fazer o mínimo necessário, pelo menos, para não deixar descambar nosso lado fiscal. A disputa política foi muito antecipada., mas não podemos permitir a contaminação de expectativas econômicas. Essa é a grande preocupação do momento. Medidas como a do aumento do IOF são interpretadas negativamente pelo mercado porque elas não resolvem muita coisa e, ao mesmo tempo, colocam dificuldades para a concessão de crédito”, diz Godoi.
Cruz, da Meraki, aponta uma mudança relevante no mercado de câmbio e que confirma o poder do juro. Ele relata que, depois de ser basicamente destruída pelas condições adversas de fatores decorrentes do combate à pandemia, a moeda brasileira recupera o carry-over. Ele explica que, com Selic a 2%, o real virou uma moeda de funding. Isto é, investidores passaram a tomar crédito em reais para aplicar os recursos em juros de outros países, como o México que é mais organizado e com juro de 5%. “Aos poucos essa situação está revertendo.”
O economista avalia que “no fiscal é cedo para cantar vitória, o nível de discussão é muito ruim, mas avalia que a tensão política cedeu depois do 7 de setembro”, o que favorece maior equilíbrio da moeda.
Na ponta contrária, o economista da Meraki concorda com seus pares de que o processo eleitoral pode provocar uma piora substancial nos mercados, razão pela qual, entende Cruz, o dólar deve resistir acima de R$ 5. “Por ora, entendemos que no imaginário da população, assim como no nosso, a terceira via é o sonho de uma noite de verão. Parece que estamos mais para para Bolsonaro versus Lula. E não sabemos se Bolsonaro pode adotar um viés populista em fim de mandato e um Lula que, por mais que apareça como ‘paz e amor’, ele tem um projeto de poder que, a médio prazo, é expansionista de gastos.”
Também pesa sobre a moeda a retirada de estímulos nos Estados Unidos, pondera Cruz. “Os dados têm vindo mais fracos, mas o Fed já se posicionou e a retirada de estímulos monetários deve ser concluída no primeiro semestre de 2022, inclusive, para que haja tempo para elevar a taxa de juros se necessário”, afirma o economista para quem parece improvável que o BC americano aceite correr o risco de fazer os dois movimentos ao mesmo tempo: retirar estímulos e subir juro. O impacto global certamente não seria trivial.
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