Potencial da educação: anuidades no do ensino básico somam R$ 60 bilhões, o dobro do ensino superior (Banco de imagens/Getty Images)
Graziella Valenti
Publicado em 6 de janeiro de 2022 às 08h00.
Última atualização em 7 de janeiro de 2022 às 12h10.
A Bahema Educação, que opera grandes bandeiras de escolas voltadas ao ensino fundamental e médio, recebeu na virada do ano R$ 15 milhões para reforçar seu caixa e com isso seguir o processo de expansão. Os recursos vieram do fundo JV, gerido pela Mint Educação, que é sócia na empresa desde 2017. A carteira do JV teve início em 2020, com aporte de recursos majoritariamente pelo empresário Daniel Castanho, fundador do grupo Ânima, e sua família, que há anos atua no setor.
Transformada em um negócio de educação em 2016 pelas mãos da família Affonso Ferreira, a Bahema vem consolidando diversas bandeiras, a maioria com décadas de história — já são 14. A primeira aquisição ocorreu no início de 2017. De lá para cá, tornou-se dona de colégios relevantes em cinco estados no país: Escola Viva, Escola da Vila e Brazilian International School (BIS), em São Paulo, Escola Parque, no Rio de Janeiro, Balão Vermelho, em Belo Horizonte, e ainda de colégios bilíngues em Florianópolis e Blumenau e o Colégio Apoio, em Pernambuco.
E o plano é avançar no processo de consolidação, ao mesmo tempo em que expande as marcas já do portfólio. Com as aquisições do ano passado e mais a consolidação da Escola Mais, projeto criado em parceria com a Mint em 2018, já são três guarda-chuvas de sistema de ensino dentro da empresa: qualitativo bilíngue, qualitativo contemporâneo, e qualitativo acessível. O balanço pró-forma dos primeiro nove meses de 2021, considerando o ano cheio de todas as bandeiras, apontava uma receita de quase R$ 210 milhões. Enquanto a pontuação média dos colégios privados em nota no Enem é de 603, o grupo Bahema tem média de 663 pontos.
Quando a Mint entrou no capital da Bahema, há pouco mais de quatro anos, as bandeiras investidas totalizavam 5 mil alunos e hoje já são mais de 14 mil, sem contar o crescimento que deve haver neste ano, conforme as matrículas para 2022 já sinalizam, explica Cássio Beldi, fundador da gestora, cada vez mais especializada no setor, em entrevista ao EXAME IN — tanto que mudou o nome de Mint Capital para Mint Educação. Os números para 2022 não estão fechados e ainda não podem ser revelados, uma vez que a Bahema é listada no Bovespa Mais, da B3 — uma espécie de Novo Mercado para empresas de menor porte. Com pouca liquidez, pois o grupo de acionistas que participa do acordo possui quase 90% do capital, é avaliada em pouco mais de R$ 240 milhões.
O objetivo da companhia é fortalecer sua posição como operadora de escolas do ensino fundamental e expandir a atividade no ensino médio. Com o porte alcançado, a empresa se coloca como uma consolidadora do setor. O mercado de educação básica, segundo a Mint, é seis vezes maior que o do ensino superior, em número de alunos, e movimenta o dobro em anuidades. São R$ 60 bilhões ao ano ante R$ 33 bilhões do sistema universitário.
A líder do setor nesse segmento, disparada, ainda é a Eleva Educação, com mais de 130 mil alunos, tamanho alcançado no ano passado após a transação com Cogna e Vasta, na qual assumiu 45 escolas da bandeira Saber. A companhia é dona das escolas Pensi, Elite e Alfa. A geração de caixa da companhia, após o negócio de 2021, tem potencial superior a R$ 350 milhões.
O dinheiro recebido pela Bahema na virada do ano é fruto da subscrição de bônus de ações que estavam atrelados à emissão de R$ 115 milhões em debêntures conversíveis em ações, realizada no fim de 2020. A operação pode totalizar R$ 230 milhões, se todos os bônus que foram concedidos na época forem subscritos (cada bônus equivale a cinco ações). Só a Mint já aportou mais de R$ 30 milhões na empresa com os bônus (sem contar as debêntures adquiridas) e tem outros R$ 34 milhões para subscrever na próxima janela dos papéis, entre 15 e 30 de março, conforme informações dadas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Antes disso, a gestora já havia colocado R$ 100 milhões na empresa, em capitalizações realizadas em 2017 e 2019.
No fim de março também ocorre, automaticamente, a transformação das debêntures detidas pela gestora em ações. Dessa forma, a Mint Educação deve ficar com uma participação entre 41% e 50% na Bahema, a depender do comportamento dos demais investidores em relação aos bônus.
Independentemente de qual seja o resultado, a casa vai se consolidar como maior acionista da empresa, superando a seguradora canadense Fairfax, dona hoje de pouco mais de 32% do capital — que já converteu seus créditos e sofrerá diluição para uma posição entre 20% e 23%. A família Affonso Ferreira, ao fim de todo processo, deve ter uma fatia de 15% a 17%. Na época da emissão das debêntures, o fundo JV absorveu cerca de 60% da operação, o que pode permitir o aumento do total do capital da empresa aos cuidados da Mint. A posição atual é pouco maior que 21%.
Com essas transações, a família de Castanho pouco a pouco se transforma num grande investidor da Bahema, por meio da parceria com a Mint, que agora também se tornou uma casa dedicada, com um fundo imobiliário voltado a imóveis locados para escolas. O movimento dos Castanho faz todo sentido, uma vez que a companhia vem se consolidando como uma grande operadora do setor e tem um projeto de crescimento relevante à vista.
Os Castanho podem ser considerados um dos maiores investidores do setor no Brasil, com operações que vão do ensino fundamental à pós-graduação. Daniel Castanho, notável apaixonado pelo tema e considerado por muitos um visionário da educação, tem iniciativas nas mais diversas frentes nesse segmento — a maior é a Ânima, avaliada em R$ 3 bilhões na B3 e com cerca de 340 mil alunos, onde é presidente do conselho de administração. “Educação para um país não pode ser prioridade, tem que ser premissa. É igual segurança para companhia aérea”, disse ele, em entrevista ao talk show do EXAME IN, concedida em setembro.
Além da posição no fundo JV, a holding Ágathos, do pai de Daniel, Luiz Castanho, tem também uma fatia no negócio, mas inferior a 5%. No fundo JV também está o irmão de Daniel, Romulo Castanho, sócio da holding Atmo, que é dona do Lourenço Castanho, e operadora da flagship do projeto Lumiar (cujo modelo pertence ao criador Ricardo Semler, e do qual Daniel Castanho também é sócio). Daniel também possui uma participação na Atmo.
Pode parecer uma grande salada essa cadeia de investimentos da família, mas não é. É paixão de herança mesmo. Daniel Castanho, embora não participe mais do conselho de administração da empresa, atua no comitê de orientação pedagógica e acadêmica, ao lado de dois conselheiros da Bahema. E o setor requer especialização, pois ainda é extremamente fragmentado na formação básica e dominado por negócios familiares.
Cassio Beldi e Marcelo Walton, sócios da Mint, experimentaram essa evolução na pele, na gestora. “O ensino básico, em si, não é algo muito escalável. Mas o conhecimento para operar o mercado, sim, e é um setor muito carente de profissionalização na administração”, reforça Beldi, ao explicar que a Bahema é muito mais do que uma holding de investimentos. Segundo os sócios da gestora, é do acúmulo de conhecimento e experiência e da rede de relacionamentos que vem o diferencial, daí também a decisão de concentrar o foco da Mint. “É um mercado onde reputação é essencial”, afirma Wallton.
O desafio assumido pela Bahema não é pequeno. Além de diversos negócios serem deficitários, justamente devido à falta de profissionalização, o setor vive um momento de profunda transformação, com o avanço tecnológico e as mudanças brutais no mercado de trabalho. "Conteúdo agora é meio, não é mais a finalidade da educação", comentou Castanho, na entrevista concedida ao EXAME IN, ao tocar em dos maiores paradigmas enfrentados pelas empresas de educação.
Em recente apresentação a investidores, a Mint apontou as principais frentes de desenvolvimento e crescimento para a Bahema. Além da busca da expansão orgânica, com a profissionalização na gestão dos colégios, existem planos para ampliar o ensino médio em diversas das bandeiras e também os cursos extracurriculares, oferecidos como complementos e vendidos separadamente às famílias dos estudantes.
Na média, essa frente adicional de cursos responde por 25% da receita do mercado. No portfólio da Bahema, esse é um potencial ainda em desenvolvimento. O colégio BIS tem a maior participação do faturamento do grupo vindo das atividades extras, chegando a 20%. Mas na bandeira Autonomia, de Santa Catarina, por exemplo, esse adicional é de apenas 1%.
“Educação é um investimento de décadas, não de alguns anos”, frisa Beldi, ao falar sobre a necessidade de uma visão de longo prazo e do senso de dono necessários para atuar no segmento. Mas, nem por isso, os resultados de horizontes mais curtos deixam de surpreender.
A iniciativa da Escola Mais, cujo objetivo é levar o ensino de qualidade e com perfil contemporâneo para classes de menor renda, é exemplo claro desse potencial. O projeto teve início em 2018, com 60 alunos, e no ano passado alcançou 2.200. Quando foi criado, previa um total de 630 alunos em 2021. Com os recursos das debêntures e dos bônus há mais expansão à vista: estão previstas oito novas unidades, considerando a conversão do colégio Tupy, em Florianópolis, adquirido no ano passado.
O projeto mira o potencial latente nas classes de menor renda, diante do descontentamento com ensino básico. De acordo com a Mint, 80% dos alunos desse segmento estudam em escolas públicas. A anuidade da bandeira é da ordem de R$ 8,5 mil, comparado aos mais de R$ 39 mil das escolas premiuns.
Mas há planos de crescimento importante também no segmento mais elitizado. Nesse ano, o colégio BIS, que tem o tíquete mais alto do portfólio, vai dobrar sua capacidade de alunos com uma mudança de endereço e o lançamento de unidade flagship, que deve ser usada como modelo para expansão do sistema bilíngue, que conta ainda colégios internacionais nas cidades de Florianópolis e Santa Catarina — todos adquiridos da Ânima, no segundo semestre do ano passado.
A mudança na estrutura societária da Bahema não deve gerar modificações na governança da companhia, que passou por um movimento de estruturação entre 2020 e 2021. A companhia é regida por um acordo de acionistas que reúne a família Affonso Ferreira, idealizadora do projeto da companhia após dois anos de estudo do mercado, mais a Mint e a Fairfax.
Em 2020, a gestão ganhou cara nova com a chegada de Gabriel Ribeiro, sócio-fundador da Ânima, como CEO. Nesse período, houve uma reformulação do conselho de administração e a organização de diversos comitês. Cássio Beldi, da Mint, segue como chairman do conselho.
Além de Marcelo Walton, também da gestora, o colegiado tem: Maria Fernanda Tabacow, executiva do grupo Ágathos, como vice-presidente, Maurício Escobar e Ignacio Dauden, co-fundadores da Ânima e membros de comitê da companhia de ensino universitário, o economista João Alceu Amoro Lima, que já ocupou cargos elevados no setor de seguros e de saúde, Bruno de Almeida Camargo, presidente da Fairfax, e Jeffrey Ware, que ficou no lugar antes ocupado por Guilherme Affonso Ferreira, o pai, que agora participa do comitê financeiro e de novos negócios (M&A).
Além desse comitê e do pedagógico, a companhia tem ainda os comitês de gente e cultura e de risco, auditoria e compliance. Apesar de uma estrutura de governança de uma companhia do Novo Mercado, com membros independentes e comitês para os principais temas estratégicos, a companhia não tem planos de curto prazo de migrar do Bovespa Mais.
Apesar de ser considerada um pequeno negócio, quando comparada a gigantes listadas na B3 como Vale, Petrobras, Magazine Luiza, e as maiores empresas de ensino universitário, a Bahema se transformou, em quatro anos, em uma das maiores companhias de ensino fundamental do Brasil.
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